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domingo, 31 de maio de 2009

"Homossexuais, sim. Hipócritas, não."

Sob a direção do respeitado documentarista Kirby Dick, autor do importantíssimo “Twist of faith” ( sobre a pedofilia na igreja católica nos Estados Unidos ), o documentário “Outrage”, ainda sem data para estrear no Brasil, trata da hipocrisia daqueles políticos que satisfazem às escuras seus apetites homossexuais, enquanto, à luz das lâmpadas de seus gabinetes, tomam decisões preconceituosas e lideram campanhas no sentido de impedirem, em seu país, a aprovação dos direitos civis dos gays.
A verdade é que tal comportamento, infelizmente, talvez esteja mais disseminado em nossa sociedade do que possamos imaginar.
Se, no caso dos citados políticos, as atitudes hipócritas parecem ser movidas pela ambição ao poder, cuja conquista ou manutenção acreditam não ser compatível com o exercício da honestidade, inclusive no que concerne às suas escolhas sexuais; em todos os setores de nossa sociedade, podemos observar comportamentos similares em muitos dentre aqueles que, por motivos vários, não desejam se assumir diante da família e dos amigos.
Registre-se que os maus tratos aos quais alguns são capazes de submeter qualquer homossexual, em última análise, são prova do pouco crédito dado à sensibilidade daqueles que os cercam. Incrível como parecem acreditar que jamais os descobrirão gays se, alto e bom som, discriminarem todo e qualquer assumido que cruze seu caminho!
Por outro lado, se estes se comportam assim, quase maquiavelicamente, não são poucos os que agem de maneira completamente inconsciente. Recusam-se de forma total e absoluta a admitir até para si mesmos seus impulsos, manifestando sua intolerância contra qualquer gay de maneira quase reflexa, como a tentarem destruir no outro aquilo que eles próprios mantêm nas sombras de suas almas e os assusta profundamente.
E a coisa pode ir mais longe: outro dia ouvi uma conversa na qual uma moça contava estar sendo vítima da desmoralização promovida por uma pessoa que ela havia descoberto ser homossexual - embora ninguém disso pudesse suspeitar. Com medo de ver seu segredo revelado e para garantir que qualquer coisa dita pela colega fosse lançada à razão do descrédito, a criatura, aproveitando-se de sua ascendência sobre os colegas de trabalho, começara a comprometê-la com uma série de insinuações maliciosas.
Enfim, talvez seja bom deixar claro que não estamos falando aqui daqueles que, por razões várias ( incluindo-se aí, provavelmente, o medo dos ataques dos quais vimos tratando ), preferem manter total discrição sobre seus desejos, conservando, no entanto, e acima de tudo, o respeito pelos outros seres humanos. Eles apenas exercitam o direito de decidir sobre sua vida e o momento de informar quem quer que seja sobre suas características mais íntimas; sendo capazes de perceber o homossexualismo como uma das múltiplas faces da variedade humana.
Quanto aos abutres de si mesmos, sobre os quais vínhamos falando, olho neles!, pois, além de infelizes, são perigosos. Como, de resto, todos aqueles que, por uma ou outra razão, escolheram viver na hipocrisia.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Sobre Mães e Filhas / O Clube da Felicidade e da Sorte ( DVD )

Filme sobre mulheres e seus relacionamentos como mães e filhas, apesar de trazer à tona questões relacionadas à história chinesa, acaba por provar que nem tão diferentes assim são as culturas oriental e ocidental, pelo menos em se tratando da alma feminina.
Na verdade, o que se percebe no desenrolar das cenas é mesmo o quão é universal e arquetípica essa relação cujos reflexos são percebidos na vida de todos ao redor.
Por outro lado, talvez pudéssemos destacar o quanto as mulheres chinesas ( antigamente? ) parecem tomar como realidade ( objetiva ) as “maldições de família”, que nós, ocidentais, tendemos a jogar para o campo da superstição ( no máximo as associamos a espécie de "karma" relacionado ao arbítrio ), ou – as mais intelectualizadas – para as áreas da psicologia e da ciência, com suas abordagens dos traumas, das heranças genéticas e influências ambientais.
Fato é que, de qualquer maneira, é impressionante a força dos elos que parecem ligar cada mulher a sua mãe, de um lado, e à própria filha, de outro, de forma que as possamos imaginar numa imensa corrente, especialmente se, como as chinesas, acreditarmos que tal ligação possa se estabelecer também, e com a mesma intensidade, na adoção de uma filha.
Conheço uma mulher ocidental, inteligente e moderna, que, ao ver sua mãe em sério risco de vida, ajoelhou-se aos pés de sua cama, pedindo a Deus por sua cura. De repente, viu-se invadida por um receio ( supersticioso? ) de que, se continuasse a pedir pela saúde materna com aquela ansiedade, ainda que sua mãe se recuperasse, ela própria cairia, vítima de um mal qualquer.
Contou-me ela que chegou a titubear, mas a venceu o sentimento de que, nada podendo fazer no sentido prático e objetivo para salvar a vida daquela à qual estava irremediavelmente ligada pelas boas e más influências, tinha de tentá-lo através de suas orações, ainda que isso significasse seu próprio enfraquecimento.
Lembrei da história quando, no filme, surgiu a filha que, tendo sido expulsa de casa pela mãe, ao encontrar a genitora à beira da morte, não reluta em servir-lhe um prato de sopa temperada com o próprio sangue vertido de talho por ela mesma provocado, conforme preceituavam os costumes da época.
Como dissemos no início, parece que as chinesas tendiam a concretizar suas emoções, a ponto de poder manipulá-las ( com as mãos mesmo ); enquanto aqui conseguimos “fingir”, em nossas práticas exteriores, que nada de incompreensível se passa no subterrâneo de nossas almas. Mesmo sendo invadidas por pensamentos estranhos como o que acometeu minha conhecida que, mais tarde, após a recuperação de sua mãe, chegou à conclusão de que suas preces provavelmente não haviam tido nada a ver com aquela cura. No entanto, afirmou-me ela, tinha certeza de que, caso houvesse interrompido, na ocasião, suas orações, e a senhora houvesse, então, de fato, partido, ela não teria dúvidas quanto à qualidade infame de sua decisão.
A verdade talvez seja que quanto mais tempo pudermos dispor para compreender em profundidade, olhando para nossas mães, a argila na qual fomos moldadas; criando condições - como parecem haver conseguido todas as mulheres do filme - de oferecermos material cada vez mais consciente para que nossas filhas procedam à própria modelagem, melhor. Muito melhor. Principalmente se, como no filme, acabarmos conseguindo transmitir-lhes ESPERANÇA.
De resto, temos de admitir que percorremos caminhos muito menos objetivos do que provavelmente gostaríamos. Forças inconscientes? Maldição de família? Memória atávica de um tempo no qual sequer seria possível o estabelecimento de conceitos como oriental e ocidental?
No lado invisível do mundo da minha conhecida ocidental, ela vivenciou espécie de metáfora do melhor heroísmo: arriscar a própria vida para salvar a de sua mãe. E, sem dúvida, atenta a esse movimento, acabou por humanizar-se, salvando a si mesma da escuridão.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

KRISHNAMURTI E AS DROGAS

Segundo Krishnamurti, “os que tomam drogas para terem experiências extraordinárias vêem talvez um pouco mais intensamente as cores, tornam-se talvez um pouco mais sensíveis e, com a sensibilidade adquirida nesse estado quimicamente provocado, talvez possam ver sem nenhum espaço entre o "observador" e a "coisa observada"; mas, passado o efeito químico, ei-los de volta ao mesmo lugar onde estavam, de volta ao seu medo, seu tédio, sua velha rotina - e, portanto, obrigados a tomar de novo a droga.”
Não podemos afirmar sobre que tipo de droga o mestre falava, mas imaginamos poder estender sua previsão ao uso de qualquer uma das mais conhecidas e usadas hoje em dia, principalmente pelos jovens menos favorecidos. Acrescentando apenas que certamente, a cada vez que o ciclo acima descrito se repita, o quadro terá se tornado mais grave, e o tempo do protagonista mais curto.
De qualquer forma, não são poucas as histórias que nos falam daqueles que apenas abandonaram o vício após haverem se encontrado em alguma religião... Após haverem percebido, “em Cristo”, essa mesma diluição entre o “observador e a coisa observada” de que falava Krishnamurti, e que, em última análise, talvez seja aquilo que buscam de fato - espécie de diluição dos contornos grosseiros que parecem separá-los do resto do mundo.
Por outro lado, a impressão que se tem é que o espírito da dependência acompanha o modo de muitas dessas pessoas “buscarem a Deus”; muitas vezes com tal fanatismo que, ao invés de servirem de exemplo para aqueles que permanecem no vício anterior, acabam por afastá-los de qualquer proposta que acene para questões ligadas à espiritualidade.

Em texto pouco conhecido, dizia Freud:
"... é possível prever que, mais cedo ou mais tarde, a consciência da sociedade despertará, e lembrar-se-á de que o pobre tem exatamente tanto direito a uma assistência à sua mente, quanto o tem, agora, à ajuda oferecida pela cirurgia, e de que as neuroses ameaçam a saúde pública não menos do que a tuberculose...."
Assim, talvez devêssemos pensar em aliar o incentivo ao “autoconhecimento” a qualquer projeto - de ONGs, Instituições e Igrejas - que vise a recuperação de dependentes químicos.
A qualquer pessoa mais atenta a respeito de si mesma e de seus movimentos interiores será facultado perceber que a música, alguns esportes, a arte, a dança, a literatura, os fundamentos da psicologia e a filosofia - incluindo-se aí, além dos clássicos, os pensadores como o próprio Krishnamurti ( e, por que não, as práticas da meditação? ) _ podem ser aliados na busca da "salvação" de si mesmo e de outras pessoas, tornando-se ferramentas indispensáveis à possibilidade de manutenção no dia-a-dia daquela consciência ampliada que haviam pensado poder encontrar apenas lançando mão de artifícios como a droga.
Um bom exemplo de como o autoconhecimento e a valorização da própria história podem influenciar os rumos da vida de uma pessoa encontramos no filme "Escritores da Liberdade", baseado em fatos reais, e no qual os alunos são levados pela professora a escreverem sobre si mesmos inspirados na leitura de "O Diário de Anne Frank".
Quando alguém se torna capaz de olhar corajosamente para dentro de si mesmo, delineando a própria individualidade- e podemos dizer que o verdadeiro processo de autoconhecimento confunde-se, de certa forma, com o caminho da espiritualidade e de Deus -, de forma aparentemente paradoxal, torna-se também capaz de perceber a sua semelhança com os demais seres humanos - que passa a respeitar de uma nova maneira -, descobrindo, enfim, que não precisa de qualquer droga ou artifício para desfazer os contornos que pareciam separá-lo enquanto "observador" "da coisa observada".
Simplesmente porque eles, os contornos, nunca estiveram lá.

domingo, 24 de maio de 2009

O Casamento de Rachel - para quem viu ( ou vai correndo ver )

Excelente filme.
Personagens fantasticamente delineados em sua ambígua e confusa condição humana, é impossível determinar quem é melhor do que quem. Exceção apenas se confrontarmos os perfis pai/mãe: o pai das meninas é mais do que uma mãe, enquanto a mãe... leva-nos a conjecturar sobre a falta que uma "mãe-de-verdade" faz.
Por outro lado, o espectador é levado a observar que, inclusive para aqueles que melhor lidam com as diferenças étnicas e culturais ( é incrível a variedade reunida dentre os amigos dos personagens envolvidos na trama - até uma espécie de escola de samba aparece ao final...), ou seja, até mesmo para os mais sensíveis e humanos dentre nós, encarar as diferenças e tragédias familiares e pessoais pode ser bastante difícil, bem como lidar com o fato indiscutível de que somos imperfeitos e muitíssimo vulneráveis às vicissitudes da vida...
Enfim, talvez devêssemos pensar que o viciado ou problemático de nosso núcleo familiar pode ser o retrato daquilo que cada membro aparentemente são e equilibrado tenta debalde esconder.

sábado, 23 de maio de 2009

A menopausa e minha avó

Enquanto vejo a menopausa chegar, observo minha avó declinar da vida.
Parece-lhe começar a ler um texto melancólico? Quem sabe!?

Outro dia, reunidos alguns filhos e netos, as atenções voltadas à anciã, as perguntas e brincadeiras de sempre se seguiram.
Gostamos de perguntar a vovó, apontando para o próprio peito, se ela nos ama. A resposta vem forte e decidida: “Adoro!”
É sempre assim, sem variação.
Da última vez, no entanto, em que a brincadeira tivera início, formulada a pergunta de sempre, tivemos a ideia de lhe apontar alguém estranho à família, para nos certificarmos de que sabia o que estava dizendo.
Qual não foi nossa satisfação quando ela titubeou, tentou não responder, mas diante da insistência ( malvada ) de todos, disse simplesmente e com muita dificuldade: “Ela é simpática”.
Minha avó, centenária, há algum tempo não se lembra de nossos nomes, e não separa com clareza quais sejam seus filhos dos netos. Não se lembra do que acabou de comer... Se recusa a entabular qualquer conversa. Permanece, a maior parte do tempo, “cochilandinho”.
No entanto, seus olhinhos ganham brilho todas as vezes em que lhe dizemos que a amamos. E ela se esforça por nos dar a certeza do seu amor sempre que solicitada. Amor esse mais valorizado ainda, depois que o vimos negado àquela que, embora minha avó haja tratado com cortesia, não reconhecera como uma “dos seus”.

O que tem isso a ver com menopausa?
Ora, tem que foi observando a minha avó que cheguei à conclusão de que somente nosso corpo e intelecto envelhecem, enquanto nossos sentimentos permanecem fortes e indestrutíveis.
Com o passar dos anos, vamos dando cada vez menos valor aos nomes, sexo e títulos das pessoas: o que importa se é uma neta ou um neto; Maria ou João; professora ou médico? O que importa se é o filho bem sucedido e rico; ou se é aquele que luta com dificuldade?
Minha avó apenas nos ama. A todos. Intensamente. Mesmo que comece a demonstrar uma certa vontade de partir. De deixar de cochilar, e dormir...
Bem, a chegada da menopausa nos fala do declínio de nossas funções biológicas.
Muitas mulheres, principalmente as que não têm um companheiro, temem recepcionar esse momento da vida com a certeza de não despertar mais qualquer interesse nos exemplares masculinos da espécie. Afinal, ficamos sabendo, através das pesquisas mais recentes, que o que move um homem em direção a uma mulher é o impulso para a procriação. Ficamos sabendo também que algumas características físicas, dentre elas os óvulos fresquinhos seriam intuitivamente buscados pelos homens por esse mesmo motivo: frutificar, ter filhos.
Assim, algumas mulheres, apavoradas, de determinado momento em diante, passam a viver em função das reposições hormonais e minerais ( mais pelo “odor exalado” do que pela osteoporose, creiam ); de ginásticas e cirurgias plásticas; de visitas a especialistas vários... Tudo isso de maneira evidentemente mais intensa do que seria necessário para manter a saúde e a boa aparência indispensáveis.
Entretanto, tais mulheres terão dado início a uma guerra inglória.
Fadadas à derrota, mais dia, menos dia, quando não lhes restar qualquer recurso ilusionista, terão de admitir que perderam. E perderam tempo precioso dedicando-se desproporcionalmente à parte de si para a qual o único caminho é a deterioração; esquecendo-se de investir, de prestar atenção naquilo que de fato se eterniza, conforme aprendi com minha avó.

E foi lá, na casa da minha velhinha, sentada em sua cadeira de balanço colocada ao lado da cama hospitalar recentemente alugada, que tive um pensamento formidável ( ela gostava muito dessa palavra ).
Cheguei à conclusão de que uma mulher mais velha, que saiba aproveitar a liberdade proporcionada pela queda dos hormônios ( o que não é o final da vida sexual, mas permite, ironicamente, que sejamos mais exigentes ); que seja esclarecida sobre si mesma e interessada nas questões fundamentais da existência; consciente da fragilidade da condição humana e da necessidade de encontrar um propósito maior para a vida – enquanto ela dure...
Pois bem, essa mulher, ainda que não possa mais colocar bebês no mundo; ainda que não possa procriar, ela está apta a criar, e tem viço, pois é capaz de amar ( e de amar em suas mais variadas formas ).
Dessa maneira, é apenas uma questão de aceitar a possibilidade de viver bem sozinha, e de realmente tentar fazê-lo, que, um dia, quando menos espere, seus olhos poderão cruzar com os olhos de um homem que, como ela, haja percorrido o caminho da maturação interior, estando já em busca de outro tipo de procriação, e muito poderá acontecer...

Enfim, no dia em que contei essa minha descoberta para vovó e lhe disse que estava imaginando possíveis faíscas espirituais vindas da certeza desse encontro fértil e capaz de muitas formas de criação, minha avó sorriu e me disse baixinho: “É verdade...”

sexta-feira, 22 de maio de 2009

"Casas de Passagem"

Não sei se li ou ouvi falar que abrigos que acolhem menores são chamados "casas de passagem" no sentido de que se espera ali, na melhor das hipóteses, que eles, em algum momento, retomem suas vidas com suas famílias, ou que arranjem um emprego, essas coisas...
Segundo grande parte daqueles que se dão ao trabalho de pensar sobre o assunto, a ideia seria que, enquanto estivessem abrigados, eles pudessem encontrar, nessas casas, uma espécie de família substituta.
No entanto, essa simulação de "casa e família", ainda que melhor do que a situação de completo abandono na qual existem esses meninos ( sem falar nas péssimas condições de alguns abrigos, nada assemelhados a qualquer lar, ainda que dos mais miseráveis ), continua simplesmente a mantê-los numa situação de inferioridade em relação a nós outros, possuidores de casas e famílias de verdade.
Dessa forma, fico a pensar que talvez eles precisassem é de que os ajudassem a perceber-se naqueles lugares, por melhor que fossem, em "passagem" mesmo é para uma nova consciência. Para uma consciência em direção à qual também nós, "privilegiados", devemos caminhar, e que é a certeza de sermos, em última análise, cidadãos do mundo.

Isso nos igualaria e aproximaria, na medida em que nos colocaria em busca de um mesmo objetivo - ainda não alcançado... E que poderia ser alcançado por um deles antes de por qualquer um de nós, colocando-os, pela primeira vez, em situação privilegiada...
E um cidadão do mundo traz mãe e pai dentro do próprio coração, a fim de protegê-lo - inclusive afastando-o de qualquer droga ( a primeira ), e de mantê-lo em busca do melhor comportamento em função do bem-comum ( o segundo )... E um cidadão do mundo se sente pai e mãe e responsável por todas as crianças à sua volta... E um cidadão do mundo poderá ou não pertencer a um núcleo familiar, mas, numa situação ou noutra, estará sempre consciente de que o que mais o aproxima de cada outro ser humano é justamente a consciência de que, bem no fundo de cada coração, as coisas não podem ser muito diferentes do que no seu próprio coração.

Enfim, estar em uma "Casa de Passagem", quando se descobre que nosso primeiro lar é interior, consciência pura, a nos preparar para algo muito maior, talvez seja muito mais suportável...
Afinal, nesse mundo que conhecemos, diante da vida, de alguma maneira; e, em última instância, diante da morte, estamos, todos e cada um de nós, em uma "Casa de Passagem".

AS ORELHAS DO MEU LIVRO "A JUÍZA" - LANÇAMENTO NO MÊS QUE VEM

Não é à toa que Wilson Martins faz referência, em seu respeitado “A Crítica Literária no Brasil” - 2002, ao primeiro livro publicado por Sheila Maria Madastavicius, “Vaidade é Loucura ( na obra de Machado de Assis )-2001, classificando-a, num quadro sinóptico, entre os críticos impressionistas.
Observadora cuidadosa e sensível das características individuais dos seres humanos e dos seus relacionamentos, em “A Juíza”, a autora cria personagens vívidos e únicos, envolvidos em conflitos passíveis de serem identificados na vida real.
Nesta trama muito bem elaborada, os personagens, a princípio movidos por impulsos inconscientes, vão, aos poucos, fazendo-se e refazendo-se, construindo-se e desconstruindo-se, tecendo teias e interações cada vez mais humanas, mais generosas, a caracterizarem um novo e “consciente” modo de estar no mundo.
No decorrer da leitura, as tensões sociais são reveladas e as desigualdades evidenciadas, fazendo cair por terra a igualdade formal do sujeito jurídico tão evocada pela ideologia dominante. É quando nos damos conta de que estamos sendo levados a uma abordagem mais ampla e chocante do conceito da seletividade punitiva.
Abordando temas atuais de modo crítico, Sheila nos presenteia com um romance que nos leva a refletir sobre valores humanos e sociais que precisam ser buscados, a fim de que um futuro melhor possa começar a ser delineado.

Maria Lúcia Rodrigues Maia ( professora, socióloga e psicanalista )


AGUARDO VOCÊ LÁ!

O Cheiro do Ralo - para quem não viu ( ou viu )

Eu tinha, há bem pouco tempo, um certo preconceito em relação aos filmes brasileiros, mesmo se fossem "bons".
A impressão que tinha era que estava diante de uma espécie de novela em tela grande. E atribuía tal impressão ao fato de os atores em geral serem da rede Globo.
No entanto, algum outro fator, que não consigo identificar, deveria estar me levando a tal ideia, já que, de repente, sem que saiba precisar exatamente quando, e ainda vendo os mesmos atores globais na telona, começo a aplaudir de pé muitos de nossos filmes.
"O Cheiro do Ralo" foi um dos que aplaudi.
Impressionante ver como consegue transmitir a ideia do quanto é venal a sociedade na qual vivemos: tudo parece ter um preço...
E isso FEDE!

Divã - para quem viu

Água com açúcar.
Simples e agradável de se ver.
Redondinho, apesar de algumas caricaturas de comportamento "libertário".
"Se tenho problemas, não é por falta de felicidade", conclui a personagem principal, após haver descoberto que, ao final da análise, não existem respostas finais e absolutas.
Mas sentir de verdade isso, mais do que sabê-lo, não seria, de certa forma, encontrar uma importante resposta?

O Leitor - para quem viu

Li o livro. Maravilhoso!
Vi o filme. Maravilhoso!
O mais impressionante é que as imagens do filme foram batendo uma a uma com aquelas que eu havia montado em minha imaginação.
Ao final, apenas duas perguntas: 1) por que "ele" se calou? ( respeito ao orgulho "dela" parece apenas conveniente); 2) foi uma espécie de sentimento de culpa o que passou a movê-lo a partir de então?

Legalização das drogas

Mandei, semanas atrás, para o Globo, o seguinte e-mail:
Ouvindo e lendo algumas pessoas , dentre aquelas que defendem apaixonadamente a manutenção do caráter criminoso das drogas, acabamos por concluir que um de seus maiores equívocos é acreditar que os que defendem sua legalização estejam automaticamente defendendo as drogas em si mesmas.
A bandeira em defesa da legalização das drogas, ao ser levantada por aqueles que delas não fazem uso, ou que trabalham no sentido de libertar de seu jugo o maior número possível de criaturas, é na verdade em favor da Lei e do Estado de direito propriamente dito; da dignidade humana e da abordagem da questão das drogas pela perspectiva da saúde pública.
Se um "Estado de direito" prevê que todos se submetam às mesmas leis e regras, e se percebemos a diferença do tratamento dado a drogas como o álcool, o tabaco e as anfetaminas, talvez devêssemos refletir sobre a hipocrisia de tal situação.
Hipocrisia essa que parece se estender à constatação de que, muitas vezes, como denuncia o personagem encarnado por Cristiane Torloni na novela das 9, nossas elites preferem justificar o comportamento inadequado de um filho, atribuindo-o ao uso de drogas - banalizando-o, portanto; do que admitindo a verdade, ou seja, que ele enfrenta distúrbios psiquiátricos.
Enfim, aos inúmeros argumentos que podem ser elencados a favor da legalização das drogas, deveríamos destacar a possibilidade de vermos os recursos dispendidos na repressão - retumbante fracasso - direcionados, além de para o tratamento digno dos já comprometidos pelo vício, à educação dos jovens. Educação geral mesmo, que, sem dúvida, acabaria por resultar em maiores chances de vermos nossos jovens crescerem longe de qualquer droga.
( Não foi publicado )

EM 27/9/09 CONTINUANDO A PENSAR SOBRE O ASSUNTO:

Nossos Jovens e a Legalização das Drogas:

A sociedade é um todo de partes articuladas entre si. Não existe solução satisfatória para qualquer problema atual que não passe pela reestruturação desse todo. Assim, no meu entender, soluções para questões como drogas e violência só serão delineadas de fato quando dermos prioridade à discussão sobre os valores que temos abraçado e que perpassam a vida e as ações de cada um de nós.
Enquanto jovens das classes média e alta estiverem à deriva ( muitas vezes desconfiados daquilo que seus próprios pais defendem através de suas posturas diante da vida, incluindo-se aí até mesmo o uso de algum tipo de droga ), com um grande vazio nunca preenchido por todas as coisas que o dinheiro possa comprar, sempre haverá mercado para quaisquer drogas, legais ou ilegais...
Enquanto a miséria jogar outra parcela de nossos jovens no vício e nas mãos dos empresários do crime, a violência só aumentará.
Apenas no dia em que a sociedade como um todo começar a rever seus valores, cada uma de nossas ações será humanizada e naturalmente as condições de vida dos filhos das classes mais e menos privilegiadas se beneficiarão disso. E tenho certeza de que, então, o uso de qualquer droga diminuirá muito.
Por enquanto, eu, que, graças a Deus, jamais tive qualquer problema relacionado às drogas com meus filhos – hoje adultos, acredito que precisamos discutir a possibilidade da legalização das drogas, em nome de um mundo melhor para todos.
Imagino que os legisladores e os juristas tenham muitas ideias para a regulamentação da venda e do uso das drogas, diante da possibilidade de sua legalização. Algumas delas talvez coincidam com as que enumero a seguir:
*Como ocorre na venda dos remédios de tarja negra, a venda de drogas deveria ser subordinada ao Ministério da Saúde, exigindo um documento assinado pelo comprador. Teria de haver algum controle de seus usuários, do quanto se drogam, de seu comportamento, daquilo que fazem sob o efeito da droga... Seu médico, ao qual teria de se apresentar regularmente para tratamento e acompanhamento, deveria ser sempre informado de suas solicitações de substâncias.
Como o álcool, qualquer droga teria de ser proibida a menores, claro.
* O dinheiro gasto na repressão deveria ser revertido em tratamento para os já dominados pela droga, além de na educação de modo geral, na formação de professores, na criação de possibilidades de emprego-estágio ( que preparariam os jovens para atuarem em diversas áreas, de acordo com suas aptidões, ali também avaliadas ) para os jovens carentes, incluindo-se aqueles em recuperação.
*Os melhor aquinhoados deveriam ser atingidos por um projeto de educação nas escolas que os levasse a colaborar com o ensino nas escolas públicas, por exemplo. Algum projeto social deveria ser implantado em cada colégio no sentido de permitir ao jovem sentir-se útil e responsável pelo futuro a se descortinar a sua frente mediante suas próprias ações. Isso certamente diminuiria a insaciabilidade de muitos jovens, que talvez seja o que acaba por levar alguns às drogas.
Enfim, é preciso ampla discussão sobre o assunto. Precisamos discutir livremente qualquer possibilidade de melhorar o mundo a nossa volta.
E não nos esqueçamos da Chicago de Al Capone. Não dá para deixarmos pra lá o fato flagrante de que no momento mesmo em que o álcool foi ali considerado ilegal, aquela sociedade se viu à mercê de uma violência sem igual, subjugada pelo tráfico e pelos assassinatos a ele relacionados.
Daí é que sempre concluo ser melhor lidar com a legalidade e com a possibilidade de controle que ela oferece à sociedade.

Em novembro de 2010, após ouvir e ler - dentre outros - o médico psiquiatra Hélcio Fernandes Mattos e o cineasta Cacá Diegues, fico com a certeza de que, a discussão em torno da aqui tratada legalização das drogas precisa se dar também em caráter mundial.

RACISMO

Mandei meses atrás, para o Globo, e-mail mais ou menos assim:
Li na coluna de uma conhecida jornalista que considerava o fato de a primeira dama dos Estados Unidos haver alisado os cabelos para a solenidade de posse de seu marido prova de que não se assumia enquanto negra.
Por quê?, eu me perguntei, já que, sendo branca e tendo o cabelo mais liso do que gostaria, algumas vezes fiz um permanente bem enrolado, e não fui acusada de desprezar minhas origens europeias?

Tal interpretação da atitude da mulher de Obama não é muito diferente daquela de grupos bem intencionados ou de ONGS respeitadas que, ao lidarem com jovens carentes, em sua maioria negros, imediatamente viabilizam cursos de capoeira, música afro etc, mas se esquecem de aulas de filosofia, literatura universal, dança clássica...
A impressão que tenho é que isso acaba sendo uma espécie de racismo. É a própria segregação dos negros, obrigando-os aos limites de suas características físicas ( contornados, à vontade, por todos nós ) e de suas heranças exclusivamente africanas. Infelizmente, isso ocorre com a colaboração daqueles negros que, por sua vez, pensam que a construção dessa "black power(?)" será sua forma de se opor àquela que chamam ( racistamente também? ) de "cultura branca, elitista, ocidental etc".
Gente!, não existe cultura branca, e não existe cultura negra, estanques. Tudo o que temos aí é patrimônio da humanidade.
E, a menos que se recusem a fazer uso de modernas tecnologias, de grandes ideias ou mesmo dos avanços da ciência e da medicina, os negros e os brancos terão de admitir que tudo o que nos cerca é resultado do esforço de todas as civilizações que nos precederam: negras, brancas, vermelhas ou amarelas.
A física moderna nos acena com a certeza de que somos, enquanto humanidade, um todo. Chega de tentarmos cristalizar qualquer uma de nossas emanações. Chega de transformarmos cultura em caricatura.
Deixemos, a exemplo da família de Obama, que todas as culturas se diluam em uma só cultura.
Aqui, em nossa realidade brasileira, em particular; e em nossa realidade humana, de modo geral. Que todas as influências que sofremos - ainda que chegue o dia em que não possamos mais delimitar onde começa ou acaba qualquer uma delas - se trasnformem em NÓS, acima de tudo, seres humanos.
( Não foi publicado )

Dogville ( DVD )

Um dos melhores filmes que já vi.
Entre o bem e o mal, sabemos que nos debatemos, enquanto indivíduos e humanidade, desde sempre.
Mas como definir-se um e outro arquétipo?
Esse filme, ao contrapor gângsteres ( a perseguirem a mocinha da história ) e pessoas simples de uma pequena cidadezinha ( a acolherem a mocinha ), a princípio, não nos deixa dúvidas: os primeiros são os mauzinhos; as segundas, boazinhas...
No entanto, ao final do filme, ficamos com uma única certeza: a maldade humana cotidiana, embutida nas pequenas ações umbilicais, egoístas e interesseiras, por ser velada, é de muito maior gravidade do que qualquer atuação de grupos ou criaturas desde sempre tomados e assumidos como maus.
E você? É mesmo "do bem"?

Sinédoque, Nova Iorque - para quem não viu ( ou viu )

Pode ir de espírito desprevenido.
O máximo que pode acontecer é não ter paciência pra esperar o final do filme, levantando-se e indo pra casa.
Caso consiga superar esse impulso, verificará que o filme nada deixa em suspenso: todas as principais mensagens são verbalizadas, em citações completas.
E imagino ser justamente ( consciente ou inconscientemente ) nessas mensagens - inclusive, elas fecham a história - que muitos dos que afirmam haver gostado de "Sinédoque..." se baseiam.
Afinal, no fundo, no fundo, sabemos ou, pelo menos, intuímos que somos todos essencialmente iguais, partes da humanidade tomada como um holograma mesmo: exatamente como nos diz o filme, através da voz de um ou outro personagem.
Metáfora de nosso estar no mundo, o filme, ao mesmo tempo, inteligível e incompreensível, não acrescenta muita coisa. Talvez, no entanto, enfatize nossa certeza de que, enquanto indivíduos, caminhamos inexoravelmente para a morte.
E sempre atrelados, queiramos ou não, ao nosso "script" interior.

Simplesmente feliz - para quem viu

A princípio, chato; personagem principal chata, com o passar dos dias, vamos percebendo que o filme nos deixou forte impressão.
O atrito entre o motorista de táxi ( caricatura do mau humor ) e a moça feliz ( caricatura da alegria de viver ) - que chega às vias de fato - toca-nos diretamente ao inconsciente, levando-nos a associações várias, cuja principal conclusão é que podemos incomodar o próximo justamente por nossas características totalmente opostas àquelas que nele não entendemos.
Parece bobagem, mas entender isso pode ser uma libertação.

terça-feira, 19 de maio de 2009

ANJOS E DEMÔNIOS - para quem viu

Não li o livro. Mas imagino que seja a mesma receita de clichês encontrada no filme.
No entanto, queiramos ou não, somos capturados pelos arquétipos das lutas entre o bem e o mal; entre a ciência e a religião; entre o homem e o homem. Somos levados a lembrar mais uma vez do que o homem tem sido capaz, na luta pelo poder.
Ouvi alguém comentando que o final do filme é mera propaganda da Igreja e de seus dogmas.
Como assim??? Ao contrário, saímos do cinema com algumas passagens do filme que nos levam justamente para longe de qualquer admiração pelo que possa se passar dentro "daquele" Vaticano, de onde sabemos partirem as orientações para todas as igrejas católicas do mundo.
O cardeal velhinho ( "bonzinho" ) encomendando, "dentro dos muros", a morte do inimigo desmascarado e já não representando ameaça à vida de qualquer um...
A multidão, sabendo-o ( o inimigo ) morto, e sendo levada a permanecer no engano ( em nome dos interesses da Instituição???) quanto ao papel por ele desempenhado na trama, a pedir sua canonização ( no que, somos levados a supor, será atendida )...
E nos perguntamos, primeiro, até que ponto o filme é mera ficção; e, depois, até quando a raça humana será capaz de manipular, matar e mentir; de criar realidades paralelas, enaltecendo ou destruindo a imagem de pessoas, conforme convenha aos interesses do poder constituído, seja ele em qualquer de suas formas.