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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

"Ricos e ricos"

Em uma das últimas revistas “Veja” que folheei no consultório de meu dentista, li, do jornalista J. R. Guzzo, o artigo de última página intitulado “Ricos e ricos”.

Fiquei sabendo que, segundo o escritor Scott Fitzgerald – com quem o articulista parece concordar, os ricos seriam seres humanos diferentes de “você e, provavelmente, de todas as pessoas que você conhece mais de perto”...

Ao longo do texto, Guzzo nos lembra de que o verdadeiro rico não se reconhece apenas medindo-se seu patrimônio. Ou seja, estamos cercados de “ricos-pobres”... Mas, se ficamos com a esperança de estar ele ali valorizando a riqueza interior e os bons e universais valores humanos, logo nos decepcionamos: não há sinal, em todo o artigo, do reconhecimento da possibilidade de existência dos ditos – e em nossa sociedade pouco reverenciados – “pobres-ricos”.

J. R. Guzzo também nos premia com pérolas anacrônicas de incentivo ao acúmulo de capital, ao afirmar que “as sociedades não ficam mais ricas sem que aumente o número de ricos”, ou que “sequer um único pobre deixaria de ser pobre, caso todos os ricos, por uma portaria do Ministério da Fazenda, deixassem de ser ricos”...

Segundo o texto ainda, os ricos seriam espécie de seres “superiores”, proprietários mesmo de uma outra dimensão:
“É possível, sim, conviver com gente rica, falar de assuntos comuns, frequentar lugares parecidos. Dá para torcer pelo mesmo time de futebol, ter gostos semelhantes ou partilhar desta ou daquela ideia. Mas inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde, vai ficar claro que a aproximação chega só até um certo ponto; a partir daí entra em ação um freio automático e os ricos deslizam de volta para o seu mundo psicológico particular.”

Ora, num momento em que todo aquele que seja capaz de pensar um pouco mais profundamente chega à conclusão de que a única opção da humanidade é rever seu deslumbramento com excessos em conforto e bens dispensáveis, passando-se inclusive a medir o próprio desenvolvimento de um povo pelo seu nível de bem estar social, Guzzo parece caminhar em sentido contrário, ao acenar para a suposta existência de um aura mágica a pairar sobre as vidas dos “realmente” ricos... Incentivando a manutenção do sentimento de inferioridade dos menos privilegiados, e o de superioridade de nossas elites mais inconscientes (justamente aquelas cuja infelicidade é flagrada na disputa que nunca acaba, em sua eterna corrida atrás do próximo milhão), ao mesmo tempo em que, de certa forma, aplaude a infeliz “corrida do ouro” que, diga-se de passagem, acaba de jogar o mundo numa crise sem precedentes.

No entanto, a verdade, sinto-me na obrigação de arriscar, talvez seja que é muito simples e nada misteriosa, apesar de realmente imensa, a diferença entre os ricos que sempre foram ricos, que sempre viveram entre ricos e que conhecem todo tipo de benefício que dinheiro e poder podem proporcionar, e o “resto” da população, incluindo-se aí os que fazem de tudo, o tempo todo, para serem incluídos na lista de seus convidados...

Acontece que, consciente ou inconscientemente, os genuinamente ricos "sabem" que, a partir de um nível moderado de satisfação a suas necessidades, nada daquilo que possuem ou usufruem é responsável por qualquer de seus momentos de verdadeira alegria e paz de espírito.

A diferença é que eles sabem que o bando de puxa-sacos que os cercam e invejam, desejando ardentemente estar em seu lugar; perdoando-lhes qualquer deslize porque sequiosos por aproveitarem as suas sobras, estão idiotamente iludidos ao imaginarem que a riqueza é o platô definitivo da felicidade.

Eles sabem, pois viram com seus próprios olhos, dentro de suas próprias casas, a Condição Humana se impor à sua vida “mansa” e à de parentes ou amigos... É a doença que, mesmo curada aos sopapos dos vastos recursos aos quais têm acesso, deixa-os desgastados e desconfiados de que não são como o carro que podem trocar a toda hora... É o envelhecimento que acaba por esgarçar o rosto mesmo daquela que mais tenha investido na luta contra o tempo, deixando-a humilhada e obrigada a ver no espelho, todas as manhãs, a luta inglória que tanto a distraiu do que de fato importava... É a gradativa perda de disposição para usufruir da própria riqueza... É o suicídio súbito, ou paulatino - através de algum tipo de vício, cometido por tantos de seus pares... Sem falar nos incontidos reflexos em suas vidas da injustiça social ou das agressões ao meio ambiente...

E, creiam, os mais lúcidos dentre os ricos – vide Bill Gates – não querem para seus filhos qualquer tipo de autoengano sustentado pelo dinheiro...

A Condição Humana... As dores. As perdas. O envelhecimento. A morte. Estes são “bens” universais. E os mais ricos dentre os homens não só se diferenciam das demais criaturas por saberem disso, mas por - indo além - transcenderem a própria fragilidade, ao invés de anestesiarem sua consciência... Deixando-se tomar pela plena certeza de serem essencialmente iguais a cada outro ser humano... Desistindo da inútil tentativa de fuga individual e egoísta, e passando a se dedicar à universalização dos demais bens.