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sexta-feira, 9 de março de 2012

SAÚDE?

Dia desses, passando diante da televisão, tive minha atenção puxada para um programa matinal sobre saúde que minha mãe assistia.

Pois não é que um médico ali afirmava categoricamente que a menopausa não interferia diretamente na libido das mulheres?

Segundo ele, inclusive, poderia acontecer de, nessa fase, a vida sexual melhorar bastante etc, etc etc.

E eu que já observei, pensei, pesquisei e escrevi bastante sobre o assunto, fiquei pasma diante daquele absurdo... Como um médico, valendo-se da autoridade a ele conferida pela roupa branca oficialmente usada, tinha coragem de afirmar aquilo, sem qualquer ressalva a respeito de que a sexualidade sofria mudanças, sim, com a gradativa diminuição dos hormônios, já que ninguém envelhece de repente aos 90 anos; e que qualquer melhoria na vida sexual de uma mulher na maturidade estaria associada a suas possíveis dificuldades anteriores, como inibição, recalques, medo de engravidar etc.

Ou seja: se a satisfação com sua vida sexual era zero e passara a ser 2 após a maturidade, haveria ali uma melhora, obviamente... Mas ele não poderia se esquecer de frisar que, para toda mulher que tenha tido uma sexualidade forte, saudável e bem vivida durante todo seu período fértil, o natural era que houvesse, sim, com o transcorrer do tempo, um paulatino decréscimo em seus impulsos sexuais e na intensidade de seu prazer.

Ao omitir tais informações, o doutor correu o risco de parecer desejar incutir nas espectadoras o sentimento de que algo errado ocorria apenas com as que estavam conscientes de já não serem as mesmas da juventude... (Obrigando-as a investirem em cuidados e tratamentos mil, ou apenas levando-as a respeitarem/invejarem as que possam fazê-lo, grupo ao qual pertencem justamente aquelas que anunciam produtos populares que podem passar a ser - por tabela - desejados?)

Ora, como conceber que a diminuição dos hormônios femininos nada tenha a ver com sexualidade e orgasmos femininos, ainda que outros quaisquer hormônios aumentem sua produção após a menopausa? (A diminuição desses hormônios acaba por afetar todo o organismo, e não há reposição - se essa fosse mesmo uma boa opção - que faça o corpo recuperar seu viço, ou cessar o processo deflagrado para a decrepitude.) A libido não acaba, é certo, mas sua canalização para a vida sexual muda, sim. E qualquer mulher conhecedora de si mesma e que se recuse ao autoengano sabe muito bem dessa verdade.

O que, no entanto, não significa qualquer perda de gosto pela vida, pelo amor(valorizando-se o relacionamento maduro), pelos cuidados normais com o corpo e a aparência... Ao contrário, quanto menos da fêmea vai restando, se a mulher não passa a viver obcecada por livrar-se de cada ruga ou por fingir ser muito mais sexualizada do que é, mais espaço dentro dela vai surgindo para a pessoa, para o ser humano menos competitivo e menos preocupado com a satisfação de seus próprios instintos, de seus desejos imediatos. Mais espaço vai surgindo para o ser humano interessado no outro, no mundo, no bem estar geral, além de no da própria prole. (Quanto a maridos que desprezam esposas que assumem ter a idade que têm, façam-me o favor: se não puderem ajudá-los a se libertarem de seus próprios autoenganos, indaguem-se por que vo-cês continuam a querer essas marionetes!...)

Enfim, perguntemos: a quem pode interessar manter esse mito de que seja possível e obrigatório que as mulheres se mantenham sensuais e belas para sempre?

E arrisquemos: à sociedade capitalista, à indústria médica, coméstica, de moda, que não se envergonham de vender pura ilusão a um bando de mulheres despreparadas para a vida, para o envelhecimento e para a morte? ...Aos anunciantes das empresas de comunicação?

Em "O homem que sabe", Viviane Mosé, discorrendo sobre o surgimento da tragédia grega, vai ao ponto:

"O maior perigo humano, nos ensina a tragédia, é perder a noção do limite, já que a vontade individual, ao querer negar os deuses, sempre perde, os homens são mortais, finitos. A mortalidade é o que diferencia os homens dos deuses; perder a noção deste limite é o erro trágico que leva não à morte, mas ao sofrimento extremo. Por isso os gregos criaram a tragédia, como um modo de educação, de formação humana, que tinha como função mostrar ao homem que ele é sempre frágil, mortal, passível de sofrimento, e também que ele possui vontade, uma força própria, singular de existir, e que pode tentar se impor no mundo, mas esta força não pode acreditar ser superior à vida [que inclui o envelhecimento e a morte], nem querer negá-la.
A função da tragédia é, enfim, por meio da ficção, confrontar o homem com o sofrimento, para que possa viver e se fortalecer com a dor inevitável, própria de tudo o que vive."

Aceitação de nossos limites e das contradições da vida, eis o segredo da fórmula da verdadeira alegria, que pode se tornar recorrente naqueles que realmente se entregam à busca por seu melhor possível... como mero ser humano.

Ah, as redentoras tragédias gregas! Pena que a influência de nosso teatro sobre os espectadores pareça cada vez menor... Tornamo-nos insensíveis? Ou o que ocorre é que a grande maioria de nossos atores, ainda quando escolham representar peças de valioso conteúdo, acabam por não poderem ser engajados (ou neutros mesmo) veículos de lições muito profundas, uma vez que seus testemunhos de vida - propalados pelos meios de comunicação - revelam o quanto priorizam a aparência padronizada e a ostentação, muitas vezes tornando-se patéticas figuras em sua incansável luta contra o tempo, ao mesmo tempo em que se (em)prestam à propaganda de futilidades...?

Mas vocês, amigas leitoras, ainda podem se libertar, caso se disponham a ouvir:

Se não morrerem cedo, vão ficar velhas, sim!

Sua sexualidade vai, sim, ser afetada pela idade! Pau-la-ti-na-men-te!

Vocês não vão se manter dentro dos padrões de beleza da juventude para sempre, ainda que façam mil plásticas e mantenham a silhueta com muita dieta balanceada e exercícios. Pelo menos, não quando tocadas ou vistas de perto.

No entanto, consolem-se: depois de acordarem da submissão ao consumo em prol da estética fútil, depois de desistirem da batalha sempre perdida contra o tempo, descobrirão nova alegria de viver, de servir, de criar, de amar e de ser amada. Sem falar que só bem acordadas é que poderão evitar o pesadelo que deve ser, de repente, lá no final mesmo, perceber que se perdeu toda uma fase (e a mais longa de todas) da vida lutando para voltar à fase anterior.

Era muito bom ser jovem, claro! Mas, creiam, pode ser muto bom também depois, ainda que de forma diferente... E pode ser tão bom se libertar da ditadura dos hormônios e da necessidade de se manter jovem a todo custo quanto de qualquer outro tipo de escravidão.

Queridas, vamos deixar para brincar de faz-de-conta com nossos netos!?


Obs. É provável que um tanto dessa tendência das mulheres de nosso tempo para acreditarem que possam ser eternamente símbolos sexuais talvez seja impulsionada pelo simples fato de alguns recursos hoje permitirem que aquelas que lhes tenham acesso – e tempo e paciência para buscá-los - possam viver mais e melhor mesmo depois de “dobrado o cabo da boa esperança”...

A grande questão, porém, consiste na confusão que os interesses da sociedade mercantilista promove – inclusive nas mais estudadas representantes de nossa espécie (ah, o autoengano!) -, ao misturarem, através de propagandas diretas e indiretas (como inocentes programas sobre saúde, ou simpáticos depoimentos de admiradas atrizes que há muito trabalham para o capital, por exemplo), conceitos como disposição física, saúde e boa aparência com a manutenção do status de fêmea capaz de despertar desejos incontroláveis em machos de todas as idades, dependendo apenas de se "cuidarem”, vestirem e fazerem algumas plásticas, seguindo as “melhores” indicações do momento...

Enfim, bom mesmo é ser um(a) velho(a) saudável, aproveitando apenas as orientações que nos mantenham assim por mais tempo (até uma ou outra plástica reparadora pode ser pensada, claro), sem os exageros que surgem com o em nós artificialmente insuflado desejo de corrermos atrás do impossível.

Bom mesmo é vivermos a verdade de cada fase, aproveitando a maturidade para olharmos em volta e nos perguntarmos se não estaria na hora, por exemplo, de dividirmos o tempo que passamos na academia, no cabeleireiro ou procurando a bolsa maravilhosa com a seguinte reflexão: como posso utilizar parte dos anos extras que ganhei na construção de um mundo melhor?

quinta-feira, 8 de março de 2012

"Respeitabilidade e Autoengano"

Queridos leitores, não deixem de ler nesse blog os textos "Respeitabilidade e Autoengano" e "Grandes Esperanças".