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quinta-feira, 25 de março de 2010

Problema técnico no blog

Caros leitores, como sabem, o "Cinema e Letras: Impressões" é um blog simples, dedicado exclusivamente à publicação de textos da escritora Sheila Maria Madastavicius.
Não oferecemos em nossas páginas ( cada uma apresentando 07 textos ) quaisquer ilustrações, links ou anúncios publicitários. Dessa forma, ao se depararem com o espaço em branco após o sétimo texto de cada página - percebemos o problema nos últimos dias -, não percam tempo rolando a setinha até o final de tal vácuo, que parece infinito: é só clicar em "postagens mais antigas", logo abaixo de cada grupo de 07 textos ( ou voltar ao arquivo do blog, logo acima do primeiro texto ), e seguir para a próxima página.
Estamos tentando identificar o que possa haver causado o problema.
Obrigada.

terça-feira, 23 de março de 2010

O ópio é o ópio do povo

A construção de um mundo melhor passa necessariamente pela tomada de consciência quanto a sermos “um” com cada outro ser humano. Intuição espiritualista essa que a Física Quântica veio corroborar.
Imbuídos da responsabilidade advinda de tal consciência, cada um de seu cantinho, dentro de sua esfera de atuação, juntos, precisamos nos empenhar na construção desse mundo melhor.
Nesse sentido, além de nossa postura humana diante da vida e do mundo, a se refletir em nossas ações diárias, algumas metas precisam ser traçadas. E sem dúvida uma delas é encaminhar soluções para a questão das drogas.
A legalização e a regulamentação de sua produção, venda e uso precisam ser discutidas. Bem como implementadas medidas sérias de prevenção, tratamento e acompanhamento dos dependentes químicos. Pois, se Marx dizia ser a religião o ópio do povo, hoje parece que o ópio do povo é o ópio mesmo. Em qualquer de suas formas.
Anestesiados, jovens e adultos, pobres e ricos parecem cada vez mais alienados, mais despolitizados. Enquanto isso a lavagem do dinheiro do tráfico de drogas, segundo o delegado Orlando Zaccone, parece movimentar 500 bilhões de dólares/ano.
Por incrível que possa parecer, pode ser que não necessariamente a religião, mas a espiritualização das pessoas, politizando-as, possa vir em socorro do estado de alienação que observamos por todos os lados.Uns buscando as drogas porque insatisfeitos diante de tudo aquilo que adivinham possível em termos de conforto material, mas que, no entanto, não se lhes tornou ainda atual; outros porque já descobriram que todo o conforto material do mundo, a levá-los por um caminho infinito de desejos, não pode pacificar suas almas.
Ironia: aos que um dia associaram o uso de drogas a espécie de grito de liberdade, espécie de protesto contra a hipocrisia de nossa sociedade, informamos: as drogas nada mais são do que espécie terrível de ferramenta da manutenção do “status quo”.
A saída está na lucidez, no autoconhecimento, na descoberta do outro dentro de nosso coração, a resultarem na certeza de que só é melhor o mundo melhor para todos.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Guerra ao Terror

A cada 365 dias, muda o grupo de soldados americanos do esquadrão antibombas em solo iraquiano.
Em conversa com espécie de psicólogo de guerra, um dos soldados de grupo a poucos dias de retornar para casa questiona o sentido de ideias como “ser o melhor possível aquilo que se possa ser”... E ele quer saber o que seria se o melhor que puder ser for um corpo caído no chão...
É no que logo se torna um carismático membro do grupo, que acaba sendo substituído por soldado aparentemente mais identificado com a função de desarmar bombas do que com a própria história de sua vida.
Entre os problemas causados por sua incapacidade de valorizar qualquer coisa que não a sua missão com a bomba de cada dia, alguns flashes do filme acabam acenando para sua humanidade, identificada em suas breves conversas com Beckan, menino iraquiano que vive de vender vídeos e outras coisas aos soldados...
O rebelde mestre antibombas parece fazer um caminho estranho dentro de si mesmo: ao invés do carinho por seu filho acabar por se refletir em sua capacidade de ser generoso com outra criança, é a ternura e a empatia em relação a Beckan que fá-lo lembrar-se pela primeira vez com alguma emoção do próprio filho – e ele até tenta uma ligação telefônica...
De certa forma, talvez ele encarne espécie de caricatura do sentimento experimentado por seu colega em análise psicológica... Talvez seja preciso aceitar em definitivo o lugar e a história que lhe sejam possíveis naqueles terríveis 365 dias. Como se fosse para sempre. Como se a permanente possibilidade mesma de morrer em solo estranho, em nome de questões nem sempre bem compreendidas, pudesse, de repente, ser mesmo o seu melhor possível... E isso simplesmente porque o tempo não passaria se sua alma buscasse lugar melhor do que aquele para esperar por seu corpo... Definitivamente, era preciso estar ali por inteiro. E estar ali por inteiro era aceitar - de maneira mais consciente do que aquela à qual estão obrigados os outros mortais – a possibilidade de ser interrompidos a qualquer momento. Como se isso fosse o me-lhor pos-sí-vel.
Tocado por Beckan, ao tomá-lo por morto, sua reação nos leva a imaginar que todos os seus sentimentos virão à tona... E ele procura desvendar o ocorrido com o menino como se procurasse pela razão de sua própria existência... Como se procurasse por si mesmo...
Em algum momento, no entanto, temos a impressão de que Beckan não morrera... Ou seria um menino com ele muito parecido, a viver do seu mesmo modo, o que vemos então em cena?

Acusado pelos colegas de ser viciado em adrenalina, a impressão que nos fica, ao vermos o bravo soldado, de volta ao lar, incapaz de saborear sua tranquila vida de classe média americana; atrapalhado entre a mulher e o filho – dois estranhos? –, e entre a compra de sucrilhos e o conserto do telhado, é de que não lhe fosse possível suportar a ideia de simplesmente esquecer que aquele mundo colocado de cabeça para baixo continuava lá...
Quando o encontramos pronto para mais 365 dias no Iraque, temos certeza de que, mais do que para aumentar sua coleção de bombas desarmadas, ele fora em busca de seu melhor possível... Quem sabe, ajudar aqueles meninos Beckans a acreditarem em um melhor possível de fato algum dia melhor...

Obs. O filme não é para nos posicionarmos contra ou a favor da guerra no Iraque. É para lembrar-nos do quanto tantos soldados também são vítimas da política de seus próprios países, meros seres humanos. Veja aqui também o texto sobre o filme "O Menino do Pijama Listrado".

O SEGREDO DOS SEUS OLHOS

Benjamin Espósito é comparado pela promotora e sua ex-chefe à velha máquina de escrever – “tiranossauros” -, que ela lhe oferece como alternativa à cansativa tarefa de escrever à mão história baseada no caso de um estupro seguido de assassinato que houvera marcado a vida profissional de ambos.
Como ele, aposentada, a geringonça é retirada do armário e, juntos, Espósito e a máquina, voltam à ativa.
No entanto, tanto o ex-funcionário da Justiça quanto seu novo/velho instrumento de trabalho mantêm outra característica a aproximá-los. Algo lhes falta. Algo parece faltar-lhes desde sempre...
A máquina não pode registrar a letra “a”. Espósito, que fora capaz de desvendar o crime sobre o qual resolve escrever simplesmente ao observar os olhos/olhar do assassino que, em uma foto, mira sua vítima, preferiu fazer segredo para si mesmo daquilo que lhe era a cada minuto declarado pelos olhos da personagem vivida por Soledad Villamil.
Não é à toa, então, que, após uma vida a distrair-se da própria vida, afastado do trabalho e de outros afazeres, é obrigado a deparar-se consigo mesmo diante do tempo que agora lhe sobra e que, se parece infinito dentro de cada dia, pode faltar-lhe a qualquer momento, de uma vez para sempre.
Por isso ele resolve escrever.
E enquanto escreve e se vê obrigado a preencher à caneta a falta da letra “a”, também parece ir preenchendo a si mesmo e às lacunas que deixara para trás.
Fortemente impressionado com a paixão imensa do marido pela moça assassinada - em parte provavelmente por haver sido incapaz de viver sua própria história de amor - e com algumas das afirmações do rapaz sobre a vingança que o assassino a seu ver mereceria, Espósito, justificado por seu interesse agora como escritor, acaba por descobrir que aquele marido, em nome dessa vingança, colocara em cativeiro o criminoso, mantido vivo apenas para saber que nunca mais ouviria a voz humana.
E esse parece ser um castigo tão terrível que o prisioneiro, ao ver Espósito diante de sua cela, ao invés de lhe pedir que o leve para outra prisão, pede apenas que obtenha de seu carcereiro a concessão de algumas palavras.
Deixando os dois prisioneiros, não sabemos o que Espósito fará a respeito. Mas uma coisa é certa: ele agora sabe mais do que nunca a importância da palavra; sabe que fora prisioneiro durante muito tempo da própria dificuldade, do TEMOR de se expressar, de ouvir o que o outro tenha a dizer; sabe que precisa colocar o “a” em sua vida.
O insight não demora e o papel rabiscado – e não decifrado - durante uma noite, como se fora uma ideia importante para o livro que escrevia então - “TEMO”, torna-se mensagem definitiva. Basta que o escritor, caneta em punho, acrescente-lhe o “a” - “TE AMO”, para sabermos o que afinal Espósito procurara por toda sua vida.

ASSÉDIO MORAL III

O Globo de domingo ( caderno Boa Chance ), 07 de março último, publicou matéria sobre comissão a ser constituída para tratar da questão do assédio moral no trabalho. A matéria fala também de pesquisa recentemente realizada sobre o assunto ( a última no Brasil de que tínhamos notícia já datava de muitos anos ).

Nesse blog - há, além desse, outros dois textos aqui sobre Assédio Moral -, cito livro de respeitado pesquisador indiano especializado no problema. Em qualquer momento, lembro-me de que levante a hipótese do assédio moral no trabalho poder existir partindo do empregado em direção ao patrão...
No entanto, a pesquisa que o Globo ora divulga apresenta um quadro no qual a modalidade assédio "de empregado para chefe" é denominada "insubordinação", que explicam como: "Não cumprir, sistematicamente, as determinações do gestor ou, mais grave, incitar um grupo de colegas a prejudicá-lo ou mesmo eliminá-lo".

Choca-me a possibilidade criada de uma interpretação reacionária e autoritária de tal classificação.

Sem falar que teria de ser muito poderoso e querido esse empregado ( e muito desprotegido o chefe ) para influenciar qualquer colega contra o "poder"; quando, em casos de assédio moral, na maioria das vezes, sequer um colega tem coragem de testemunhar a favor de outro, sempre com medo de ver-se de alguma forma também perseguido. E pior: às vezes, alguns são capazes de testemunhar a favor do chefe - e contra o colega, mentindo, visando a espécie de namoro com o poder e aos benefícios que disso possam advir-lhes. Na verdade, o que se vê, paralelamente ao assédio do chefe para o empregado, é justamente o assédio horizontal, de empregado para empregado, marcado pela competição, ou pelo desejo de agradar ao chefe, que pode, esse sim, beneficiar ou prejudicar qualquer funcionário, segundo seus próprios interesses.

Em resumo:
1) "Insubordinação" já é caracterizada falta do empregado, para a qual estão previstas as penalidades possíveis, geralmente nada condescendentes com o su-bor-di-na-do. Simplesmente não é ASSÉDIO MORAL mas INSUBORDINAÇÃO.
2) A denominação "assédio moral" surgiu exatamente para suprir a ausência de classificação específica para eventos cada vez mais frequentes no ambiente de trabalho e que sempre foram acobertados pela hierarquia que, de cima para baixo, confere a um funcionário, em relação a cada um de seus subordinados, o poder de demitir, de ajudar, de prejudicar, de determinar tarefas, de promover ou não. E o poder de espezinhá-los em função disso. Enquanto a insubordinação do empregado sempre foi prevista, apontada - inventada ou não - e punida. Punição essa cuja desproporção, inclusive, configura uma das primeiras mostras de assédio moral do patrão para o empregado.

Enfim, o artifício incluído no citado quadro - tomar-se a insubordinação do empregado como assédio moral direcionado ao chefe – pode transformar-se em mais uma dessas brechas que, por todo o Direito, parecem visar a proteger aqueles que já estão mais do que protegidos. Ou ainda mais terrível: pode representar, em tempos de medo da "esquerda", poderosa arma política. Dessa forma, no meu entender, a pesquisa em questão não deveria servir de orientação ao trabalho, que acredito sério, da referida comissão.

Vejam, a qualquer momento, como sempre aconteceu, qualquer funcionário pode ser injustamente acusado de insubordinação, instalando, legitimando aquilo que já temos visto acontecer: o regime de terror, que visa a calar a boca de qualquer possível testemunha do assédio direcionado àqueles que estejam SOB A AUTORIDADE de alguém. Condição essa obviamente indispensável na configuração do que seja assédio moral, e não encontrada na absurda modalidade "empregado para chefe". Destaque-se, inclusive, que até a modalidade dita “horizontal” talvez pressuponha uma linha horizontal inclinada, pois parece prever que o colega agressor se sinta mais protegido do que sua vítima, seja pelo apoio de outros colegas e/ou do chefe; seja pela antiguidade no cargo pelo qual brigue etc. Conclusão: também aí há espécie de hierarquia.

A incluir-se a insubordinação do empregado no rol daqueles comportamentos considerados assédio moral, desqualificar-se-á o que realmente assim possa ser considerado. E uma coisa é certa: continuaremos longe do dia em que começaremos a combater a hipocrisia e a injustiça repulsivas a imperarem em muitos locais de trabalho.

Enfim, como o Globo ainda informa que o assédio moral também nas instituições públicas passará a ser estudado e prevenido, sugiro a todos que leiam “A Juíza”, obra de ficção na qual uma funcionária pública, logo após haver sido nomeada, além de sofrer assédio moral por parte dos colegas, sofre-o também da própria instituição, na forma de uma sindicância instaurada com o objetivo de “apurar – suposto - comportamento indevido da servidora”. A sindicância resulta em advertência “por haver ido ela embora do trabalho sem autorização da chefia imediata. E ela, que estava mesmo doente, acaba pedindo exoneração...
A partir da história da personagem Sílvia, não posso deixar de frisar que sindicâncias injustas, usadas como forma de coação, ao serem detectadas na vida real como na ficção, devem ser citadas como o pior, mais desumano e covarde tipo de assédio moral possível. O mais desprezível e vergonhoso de todos.

terça-feira, 16 de março de 2010

Pobreza é SINTOMA

Estou assustada.
Sob o título “Pobreza não é virtude”, o artigo do administrador de empresas João Luiz Mauad, publicado no Globo de 11 de março último, parece destilar um rancor tal pela classe subalterna que eu sequer imaginava existir.
Que alguns de nossas elites considerem, de certa forma inconscientemente, o trabalhador pobre mero instrumento ou ferramenta de trabalho, mais ou menos como nos ensina Marilena Chauí, não é surpresa alguma... Porém, que por ele experimentem a espécie de ressentimento ( preconceituoso? ) manifesto por Mauad, deixou-me desconcertada.
Logo de cara, de qualquer forma, contraponho à afirmação-título do articulista a de que pobreza, não sendo virtude, certamente é sintoma de uma sociedade nada virtuosa; produto do sistema mesmo que a despreza.

Uma prima querida tem, na parede de sua sala, um belo quadro, em harmonia com cada uma das peças da mobília e da decoração étnica. Coloridas, vemos impressas, na tela discretamente emoldurada, nada menos do que as mãos de cada um dos operários que ergueram as paredes de sua casa.
Linda homenagem àqueles que certamente jamais desfrutarão de um lugar como aquele para criar seus filhos. Mas que nem por isso deixaram de fazer o seu trabalho, debaixo de sol e de chuva, da melhor maneira possível.
Exemplo de trabalho duro e honesto melhor do que o desses homens será difícil apontar. No entanto, eles nunca enriquecem... Contradizendo o artigo em tela, segundo o qual existe uma tendência sociológica para o “pobrismo” e o “vitimismo” que, dentre outros males, induziria os mais pobres “à ilusão assistencialista”, afastando-os do trabalho árduo – caminho certo para a confecção de milhões, segundo Mauad.

Não sei, mas talvez o senhor João Luiz Mauad chame “duro” o trabalho de administrar o trabalho alheio, as ferramentas humanas... Não sei se tão duro quanto o do operário, mas certamente mais fácil de ser revertido em cifras, ele é... De qualquer maneira, fica a pergunta: como enriquecer sendo apenas ferramenta? E outras: enriquecer, no sentido dos "milhões" de que fala Mauad, deveria mesmo ser objetivo de todos? Não seria essa crença, mola de alguns, a impedir que todos tenham o direito, como fruto de seu trabalho, a uma vida simplesmente confortável e tranquila?

Quanto ao estudo, sem falar no tempo nenhum para tal empreendimento na vida da maioria dos trabalhadores honestos, eu gostaria muito de saber o que seria dos donos das "ferramentas humanas", se todos pudessem realmente estudar e escolher uma profissão que não lhes exigisse ganhar o pão literalmente com o suor de seus rostos, como o fazem os operários da construção civil aqui já mencionados.
Quem construiria nossas confortáveis casas, para que pudessem abrigar as escrivaninhas, os computadores e os livros de nossos filhos?
E, de modo geral, quem iria nos servir em casa, no trabalho, na rua? E por salários suficientes apenas para manter-se de pé...
Por outro lado, todo o estudo que tanto valorizamos, e que de pós em pós não acaba mais, não estaria virando espécie de mercadoria?
Afinal, quantas seriam as dissertações e teses completamente inúteis e que custaram bolsas ao Estado durante sua confecção? E pior: quantas seriam aquelas cuja única utilidade real acaba sendo aumentar a vaidade e o salário de profissionais da classe média e média alta? Pois a maioria delas tem seu ponto final diante da banca que concede o título ao mestre ou ao doutor, e, ato contínuo, lança às traças os inúteis calhamaços de papel...
Isso, sem falarmos que, conforme nos lembra a socióloga Maria Lúcia Rodrigues Maia, alguns daqueles profissionais que desde sempre cursaram as mais difíceis e demoradas faculdades, além dos cursos de especialização, os nossos médicos, estão a cada dia que passa tendo seu trabalho menos valorizado e sendo por ele pior remunerados...

Assim, além de esclarecermos que talvez o estudo e o trabalho duro não estejam necessária e diretamente associados ao enriquecimento, parece que conseguimos registrar que nosso pobre trabalha, sim, duro; e que, se não estuda ( estamos falando do estudo formal, uma vez que a experiência diária nas fabulosas construções – aproveitando o exemplo dado - de que são capazes é mais do que pós-doutorado na área ) tanto quanto nós, nem por isso deixa de ser indispensável à manutenção de nossa vida em sociedade. Enquanto muitos daqueles que estudam mais do que o suficiente fazem isso em benefício exclusivo de si mesmos. ( Claro que não incluo aqui os pesquisadores que realmente fizeram/fazem a diferença com seu mergulho nos livros e na vida – estes geralmente nada preocupados com títulos -; e que se dedicam por inteiro à descoberta de respostas que venham a melhorar a qualidade de vida da população como um todo. )

Bem, mas voltemos ao nosso árido assunto.
Parece que o “q” da questão é o tipo de trabalho que é bem remunerado, respeitado e valorizado por nossa sociedade; e aquele que é por ela apenas usado e explorado.
Dentro do primeiro grupo, encontramos aqueles profissionais hipervalorizados única e exclusivamente porque produzem capital em si mesmos ( talvez nosso sistema remunere o capital e não o trabalho... ): são ferramentas muito lucrativas para as grandes empresas que as manejam, ainda que seus profissionais não hajam frequentado durante muitos anos a escola. Dentre eles: alguns jogadores de futebol, artistas, cantores, modelos e apresentadores de programas populares...
Com todo o respeito que tais profissionais em si mesmos merecem, registre-se a ironia que é o fato de seus empresários deverem seu enriquecimento ( assim como o sucesso de outros negócios ), em grande parte, ao público constituído justamente pelos trabalhadores pobres, tratados ( os pobres e aquilo que é produzido em torno de sua cultura ) por Mauad pelos neologismos ( irônicos e de menosprezo? ) “pobrismo” e “pobrista”.

Quanto ao elogio dirigido no artigo em questão às sociedades e pessoas que entendem a riqueza como “prova concreta da graça de Deus”, eu lembraria que acreditar nisso talvez possa ser em algum momento bastante perigoso... Não é raro ouvirmos alguém proclamar-se agraciado com riquezas ( de várias fontes, inclusive doações ), porque Deus o reconheceu disso merecedor. E acreditar-se especialmente merecedor da graça Divina certamente deve promover um movimento de elevação da "autoestima" tal que, para o agraciado, os limites entre o certo e o errado correm o risco de se diluírem... Afinal, se é protegido de Deus, o que poderia contra ele a lei dos impuros homens?
Já em relação à afirmação quanto à excelência profissional ser privilégio destes seguros do amor de Deus por eles mesmos - que se sentiriam à vontade para buscar o prêmio do enriquecimento, não posso deixar de frisar que muitos artistas, escritores e cientistas dedicaram suas vidas ao trabalho, tendo como único pagamento a gratificação do trabalho em si mesmo. E foram felizes. E os frutos de seus projetos, ainda que indiretamente, acabaram por beneficiar a todos.

Enfim, o texto do senhor Mauad, ao desqualificar a tese da seletividade punitiva ( batizando-a de “vitimismo” ) - tese essa segundo a qual alguns em nossa sociedade seriam escolhidos previamente para encarnarem o papel de únicos criminosos -, não nos deixa alternativa a não ser enumerar aqui, baseados na dissertação de mestrado – em vias de publicação - de Flávia Rodrigues Maia, os crimes possívelmente cometidos por muitos daqueles que, em “Pobreza não é virtude”, são tomados como os que enriquecem licitamente e através de muito trabalho.

Em seu trabalho intitulado “Crime Organizado – Sob a ótica da Criminologia Crítica”, Flávia cita Alessandro Baratta, pai da Criminologia Crítica, segundo o qual “o comportamento socialmente negativo da classe dominada seria uma resposta inadequada, do ponto de vista político, às contradições inerentes às relações de produção capitalista. Já o comportamento socialmente negativo da classe dominante, fruto da relação funcional que intercorre entre processos legais e ilegais da acumulação e da circulação do capital, e entre estes processos e a esfera política.”

Parênteses: Sem que precisemos relembrar o que nesse blog já foi dito ( vide “O Menino do Pijama Listrado” ) sobre a semente da destruição desse sistema desumano sob o qual vivemos já estar, infelizmente de forma assustadora, em fase de germinação – mesmo não sendo a semente idealizada por Marx –; e sem precisarmos lembrar os crimes de desvio de verbas da saúde e da educação, que, conforme mencionado em “A Juíza”, acabam sendo crimes de genocídio - aqueles crimes mesmo que, dentre outros males, acabam por “armar” os criminosos pobres; segue a lista dos crimes cotidianamente “esquecidos” por todos . Pois, ao contrário do que leva a crer o texto de Mauad, os crimes cometidos no andar debaixo são muitíssimo atacados, inclusive pelos veículos de informação. Como também o são, por uma ou outra razão – infelizmente, às vezes apenas política -, os crimes cometidos pelos políticos. Enquanto os crimes que listamos a seguir, ao lado daqueles cometidos pelas grandes corporações - enumerados no documentário “The Corporation” -, em sua capa de legalidade ou protegidos pelo "todos agem assim", são, estes sim, completamente “perdoados”.

A lista - adaptada ( e certamente não completa ): compra de objetos contrabandeados; sonegação de impostos; xerocópia de livros; violação de correspondência; furto de energia elétrica ( e de água ); uso de drogas ilícitas; uso de drogas lícitas sem receita médica; permissão ao filho menor para consumir bebidas alcoólicas; emprestar o carro ao filho sem carteira; passar escrituras abaixo do preço do imóvel vendido/comprado; dirigir embriagado ou sem habilitação ou em alta velocidade; injúria – sutil ou declarada; ameaça – sutil ou declarada; lesão corporal dolosa ou culposa; sonegar informação ou informar tendenciosamente ( modalidade de censura? ); corrupção ativa; abandono material; apropriação de coisa achada; apropriação indébita; aborto; porte ilegal de armas; falso testemunho; assédio moral; assédio sexual; jogos ilícitos; apresentar documento falso ou adulterado com o objetivo de pagar metade do valor de qualquer ingresso ( estelionato, falsidade ideológica ); reprodução sem autorização de vídeos e CDs; utilização de programas pirateados em computadores; uso de informações privilegiadas; tráfico de influência.

Talvez Mauad não haja percebido que apenas todos juntos construiremos um mundo melhor... Talvez ele não haja despertado para o fato flagrante de que esse mundo melhor não brotará apenas de ações ou de teorias, quaisquer que sejam... Pois é dentro do coração de cada um de nós, é da consciência espiritual ( científica - vide a Física Quântica ) de sermos um com cada outro ser humano que nasce a certeza de que só tem valor aquilo que façamos - cada um em seu cantinho, seja ele uma empresa, uma obra ou um teclado de computador - em busca de uma sociedade menos hipócrita, mais justa e acolhedora. Para todos.
E digo isso porque, ao final da leitura de "Pobreza não é virtude", a impressão que nos fica é de “apartheid”, enquanto o articulista parece deveras acreditar que não haveria, após a queda do muro de Berlim, qualquer lugar para a dita “luta de classes”, afirmando serem "abstrações" conceitos como “desigualdade”, “ sistema injusto” e “neoliberalismo”...

O artigo "Pobreza não é virtude" é documento importante de que essa luta e esses conceitos não só existem, como acabaram por se materializar em letras de forma.

sábado, 6 de março de 2010

A DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO

O economista Rodrigo Constantino, em artigo publicado pelo Globo -16 de fevereiro último, utiliza a produção do singelo lápis para ilustrar a sua visão aparentemente positiva da “divisão do trabalho”...
Não resta dúvida de que, conforme frisa o articulista, são múltiplas as ações ( extração de grafite, madeira, borracha etc....) envolvidas no objetivo comum de se produzir um simples lápis... E também com ele concordamos que não poderia ser diferente...
Assim é que, à primeira vista, numa leitura ingênua de tal texto, podemos concluir que a “divisão do trabalho” seja algo não só simples e bom, como indispensável.

No entanto, quando questionamos a divisão social do trabalho, fazemos isso no sentido de percebê-la, para o trabalhador, como metáfora da fragmentação por ela mesma provocada na realidade. A mesma fragmentação que acaba por conduzi-lo à alienação. E alienação no sentido de passar a agir em nome de escolhas que pensa ser suas, mas na verdade lhe são impostas pela ideologia dominante.
Dentro da divisão social do trabalho, mais ou menos conforme aprendemos com Marilena Chauí, é como se o patrão dissesse ao trabalhador: você é menos homem do que eu... E dentro do trabalhador ecoasse: sou menos homem do que ele... Ele é/pode o carro, a casa... Eu, apenas uma de suas portas ( ou parafusos )...
E isso acontece porque, ao contrário de seu patrão, o trabalhador dificilmente usufruirá do resultado final da produção de um bem, da qual haja participado com seu trabalho, perdendo completamente a noção de sua expressão global...
A grande verdade mesmo é que isso não ocorrerá apenas em relação aos bens móveis e imóveis de grande valor... Infelizmente, estamos em um país no qual ainda os melhores lápis não são encontrados nas mochilas dos estudantes das famílias menos favorecidas. E, se hoje é muito maior o número daqueles que podem ter os eletrodomésticos essenciais ao funcionamento de uma casa ( comprados em muitas prestações ), outra verdade é que nossos ainda muito sacrificados trabalhadores precisam contentar-se com bens alternativos. Seus sonhos, em um mundo que vive a acenar-lhes com coisas a serem desejadas, através de cotidianas propagandas audiovisuais da felicidade possível ao lado de cada um desses objetos, esses sonhos precisam ser sempre adaptados.
Segundo Amartya Sen, economista indiano, a pobreza é também a falta de escolhas. E não poder escolher parece ser uma forma de ver tolhida a própria liberdade...

Imaginemos o seguinte: nosso trabalhador é bombardeado noite e dia pela propaganda que entra através de sua televisão com imagens da felicidade capitalista. Ele não teve tempo ou oportunidade de instruir-se ou de autoconhecer-se ( autoconhecimento começa com amor-próprio, condição indispensável para acreditarmos que aquilo que pensamos ou sentimos deva ser valorizado ) suficientemente bem para saber inclusive que poderia ser que grande parte daquelas coisas jamais fossem por ele desejadas caso lhe fosse dado emergir da ideologia que o oprime...
Mas seu patrão e todos os senhores que conhece parecem valorizar aqueles bens, até mais, algumas vezes, do que qualquer relacionamento familiar... E ele não consegue perceber que seu patrão pode não ser tão feliz quanto parece... E seu escasso amor-próprio mais uma vez não é suficiente para que possa escolher, até mesmo para que possa saber, se for o caso, que não precisa e não quer uma vida como a de seu patrão. Na verdade, parece automática a impressão que tem de ser ele próprio o objeto rejeitado por aquele padrão de vida; pelos autodenominados homens, todos eles pertencentes a classe social que não é a sua... E é isso que o paralisa e mantém refém dessa situação.
Submisso. Ou revoltado. Trabalhador honesto. Ou bandido. De qualquer forma, preso ao "script" a ele conferido pelo sistema, pela sociedade capitalista.

Isso é o que nos parece ser a divisão social do trabalho: um homem ser levado a não se sentir um homem inteiro e a valorizar tudo aquilo que lhe parece não merecer ter... E que, se lhe fosse permitido desenvolver sua capacidade de escolha, poderia desejar - ou não.
Enfim, a divisão social do trabalho nada tem de simples. Ela é – simplesmente - muito triste.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Preciosa

Algumas coisas das quais já sabíamos se tornam especialmente fortes dentro de nós depois de assistirmos a esse filme:

Existe dor e sofrimento nas histórias de pessoas que vivem em uma dimensão totalmente estranha às nossas vidas. Elas não são feitas de pedra.

Essas pessoas podem nos ensinar muitas coisas. Entre elas, que a capacidade de amar talvez seja fundamental no delineamento da capacidade de resistência de alguém. Talvez mais do que a certeza de ser amado. E essa capacidade de amar, ao contrário do que muitos acreditam, pode ser identificada em corações muito machucados.

Adam Smith e Lula

Segundo o economista Rodrigo Constantino, em artigo publicado pelo Globo -16 de fevereiro último:

“Desde 1776, com Adam Smith, sabemos que as grandes vantagens do “laissez-faire” ocorrem quando cada indivíduo foca nos seus próprios interesses e investe em suas habilidades específicas. Eles são guiados por uma “mão invisível” que promove um resultado favorável a todos, independentemente de intenções iniciais.”

E ele cita o próprio Adam Smith: “Não é da benevolência do açougueiro que esperamos nosso jantar, mas de sua preocupação com seu próprio interesse.”

Constantino parece preocupado com o presidente Lula, que, no Fórum Econômico Mundial, teria afirmado: “é hora de reinventar o mundo e suas instituições”.

E eu, que não sou economista, espero que o respeitado Adam Smith estivesse falando de que quando fazemos o melhor possível nosso trabalho; ou melhor, quando fazemos o melhor possível aquilo para o qual fomos especialmente talhados, naturalmente, os benefícios, os frutos de nossa atividade são distribuídos por toda a sociedade.
Pois imagino que o ilustre pensador não estivesse se referindo a interesses próprios e escusos, mas àqueles interesses genuínos a perpassarem cada ação associada ao nosso impulso, ao nosso desejo, à nossa capacidade, à nossa necessidade de produzir.

No entanto, do jeito que fala Constantino, corremos o risco de acreditar que qualquer ganancioso, mau caráter, interessado apenas em lucrar – e como eles parecem multiplicar-se em um sistema capitalista selvagem! - esteja protegido pela declaração de Smith, e que magicamente todo o egoísmo de tal criatura possa metamorfosear-se em benesses sociais...

Na verdade, o ideal seria que um profissional da construção civil, por exemplo, escolhesse se dedicar unicamente ao seu propósito de construir prédios de qualidade. Isso redundando automaticamente em empregos razoavelmente bem remunerados e em moradias de excelente qualidade para muitas pessoas felizes. E ele lucraria... E muitas pessoas lucrariam... E tudo estaria de acordo com o que idealizamos da previsão smithiana...

No entanto, sabemos haver dentre mil tipos de sofisticados ladrões (“Levar vantagem em tudo” tornou-se um dos símbolos da masculinidade bem-sucedida no país. E “fazer dinheiro fácil”, a marca registrada do capitalismo brasileiro, em que as atividades produtivas cederam lugar à especulação e golpes financeiros” – Alba Zaluar ), aqueles construtores que, além de explorarem o trabalho humano, utilizam material de péssima qualidade em suas construções, objetivando nada mais, nada menos do que seu próprio interesse. Só que não um interesse associado a sua capacidade produtiva, mas um interesse associado a sua ambição e/ou a sua patologia.
Resultado: trabalhadores desgastados, e pessoas lesadas em seu patrimônio quando não mortas embaixo de escombros.

Sinceramente, o economista Rodrigo Constantino não deve ter assistido ao documentário “The Corporation”, ou saberia aonde de fato chega uma sociedade na qual empreende-se apenas em favor de interesses individuais.
E para ficarmos com o exemplo do próprio Adam Smith, é bom lembrarmos que nosso jantar certamente depende do interesse do açougueiro na própria sobrevivência. Mas precisamos rezar para que esse interesse não seja um interesse perverso, que não se importe, por exemplo, de nos vender carnes contaminadas, como aconteceu, segundo informações divulgadas pelo citado documentário, há alguns anos, com o leite comercializado por determinada corporação.

Portanto, palmas à afirmação do presidente Lula: precisamos, sim, reinventar nossas instituições e o mundo. E mais: precisamos rever nossos pensadores. Precisamos recuperar nossos melhores valores. Precisamos ter coragem de admitir que o “nosso melhor” capaz de transformar-se em bem comum não passa apenas pelo melhor que possamos ser em nossas profissões ou contas bancárias, mas inclui necessariamente aquilo que sejamos como seres humanos. O que implica, acima de tudo, na preocupação com a chamada Justiça Social.

Sobre as COTAS II

Enquanto não se concretizam uma escola pública de qualidade, melhores condições de trabalho e salário, e uma distribuição de renda mais justa, não há o que discutir: o Brasil precisa aprovar as COTAS RACIAIS.

terça-feira, 2 de março de 2010

Felicidade X Autoengano

Schopenhauer, em “A Arte de Ser Feliz”, Martins Fontes, p.89, chega ao ponto:


“Aquilo que alguém tem para si mesmo, aquilo que o acompanha na solidão e que ninguém pode lhe dar ou tirar é muito mais essencial do que tudo o que possui ou do que ele representa aos olhos alheios.”


“Um homem inteligente, em completa solidão, entretém-se primorosamente com seus pensamentos e suas fantasias, enquanto um homem obtuso se aborrece, não obstante uma contínua alternância de espetáculos teatrais, festas, excursões. Um caráter bom, moderado e tranquilo consegue se satisfazer até em circunstâncias de grande escassez, mas um caráter ruim, ávido e invejoso não se contenta nem mesmo com toda a riqueza possível. ( Diz com razão Goethe: “A personalidade é a felicidade suprema” [ Divã ocidental-orienttal, VIII, 7 – Livro de Suleika)]. O homem pode obter do exterior muito menos do que se imagina. )”

Assino embaixo, caros filósofos. A felicidade somos nós mesmos. E ela certamente está longe de parecer com qualquer tipo de AUTOENGANO.