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sábado, 24 de abril de 2010

"Vaidade é Loucura (na obra de Machado de Assis)"

De Sheila Maria Madastavicius, este ensaio pode ser comprado pelo site da editora.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Sheila Maria Madastavicius

Você foi puxado do Google até aqui?

Pois seja muito bem-vindo!

Tenho certeza de que vai gostar de ler o "Cinema e Letras: Impressões".

Que tal começar pelos textos "Assédio Moral" - II e III? Procure em setembro/09 e março/10.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Aos padres homossexuais

Não consigo compreender por que as pessoas teimam em fazer associações totalmente desnecessárias – e absurdas - no momento em que se propõem entender melhor o comportamento humano, ou um desvio dele.

Pedofilia é perversão. Ponto. Podemos admitir que seja, no máximo e se especialistas o afirmarem, algum tipo de doença. É caso de polícia, ou de polícia e médico.

Em relação ao escândalo envolvendo sacerdotes pedófilos, tentar associar a trágica situação tanto com o celibato quanto com o homossexualismo seria no mínimo um despropósito. Sendo que, no caso dos homossexuais, seria mais um tipo de preconceito e outro estigma para carregarem nesse já difícil processo de afirmação em busca de uma sociedade mais consciente e respeitadora da pluralidade. Sem falar que isso poderia vir a fortalecer aqueles que preconceituosamente pretendam instituir algum tipo de restrição aos membros desse grupo no momento em que almejem seguir sua vocação, religiosa ou não.

Mais fácil de compreender a dificuldade desse tipo de associação simplista: dizer-se que um padre que mantenha filhos às escondidas - ou uma amante, seja ela ou não uma freira – tenha resvalado para essa situação por conta de sua incapacidade de adaptar-se ao celibato parece fazer algum sentido, não é? No entanto, quantos de nós, muito bem casados, não andam por aí formando outras famílias, ou mantendo relacionamentos sexuais avulsos a três por dois?

Por outro lado, já cansamos de ver histórias de pedófilos que são casados e pais – inclusive esse parece ser o caso do último assustador perverso e assassino que está nos jornais.

Bem, se acolhemos como verdadeira a premissa da culpa do celibato, logo vemos que ela não se aplica aos padres de natureza homossexual, uma vez que, pelo menos aqui, o casamento entre pessoas do mesmo sexo ainda não é permitido a quem quer que seja. E a explicação fica pela metade...

Dessa forma, somos obrigados a concluir que, se fizermos questão de identificar simplistamente o que fragiliza nossos sacerdotes em sua totalidade, talvez nos deparemos com seus “votos de castidade” - dos quais o celibato é uma face.

E poderíamos afirmar que, se tanto o padre heterossexual quanto o homossexual pudessem ter uma vida sexual e afetiva como qualquer outro de nós - casando-se ou não ( e a legalização da união entre pessoas do mesmo sexo, com a compreensão da igreja, então, acabaria por se tornar uma possibilidade ), sem dúvida eles seriam........... menos "autoenganados", mais felizes, e trabalhariam melhor. O que, no meu entender, em relação aos padres sadios, seria a única diferença.

CHEGAMOS AO PONTO: é provável que os casos de perversão na igreja como um todo, então, acabassem por diminuir e os que ocorressem fossem rapidamente detectados SIMPLESMENTE porque sexualidade, sexo e vida afetiva deixariam de ser tabu... E onde há luz, há luz.

Obs. Leiam ainda nesse blog: "Homossexuais, sim. Hipócritas, não." ( I e II )

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Respeitabilidade e Autoengano ( texto enviado para publicação - e publicado - no Boletim da UFMG: http://www.ufmg.br/online/arquivos/015104.shtml )

Se existe um aspecto do ser humano que sempre me intrigou é sua capacidade de se convencer de que é válida qualquer ação praticada, por mais vil que seja em si mesma, em nome de uma tal “respeitabilidade” social. Tendo a pensar inclusive que aí esteja o cerne de toda nossa hipocrisia.

Em nossa sociedade, temos uma ideia bastante interessante do que sejam homens de respeito. Para nós, de modo geral, eles devem “parecer” honestos. Por outro lado, precisam dispor de alguns signos tais como bons carros, boas casas, boas roupas, jóias, viagens etc. Eles devem “parecer” honestos e, de qualquer forma, ocupar um bom cargo, ter boa aparência, apresentar títulos, manter relacionamento com pessoas influentes...

Exigimos que apenas “pareçam” honestos porque, infelizmente, não há como negar que muitos daqueles dentre os mais respeitados homens por nós conhecidos sejam capazes – ironicamente, dispostos a manterem tal respeito a qualquer preço - de expedientes silenciados até para si mesmos. E esse talvez seja um dos mais terríveis pactos sociais: se todos agem da mesma forma, calando-se, uns são álibis dos outros. E em um jogo no qual a verdade é perdida de vista, a mentira toma seu lugar e vivemos enganando e autoenganados.

Segundo Eduardo Giannetti, em “Autoengano”:

“Na mente de cada indivíduo há coisas que ele prefere que estranhos não saibam e, mais perto do centro, coisas que os íntimos não devem saber. Mas há também coisas que ele próprio – o centro alerta que determina o que os outros devem ou não saber – prefere não saber. [...]
A rendição da guarda – o eventual colapso dessa resistência protetora do centro – implicaria uma dupla perda: a perda da respeitabilidade perante os que estão fora e a perda do respeito perante si mesmo, ou seja, daquela sensação interior de que se é ‘honesto e respeitável’.”

Quem não ouviu falar de altos funcionários públicos que, ao cometerem um pequeno ( imagine se grande... ) engano - mera perda de um prazo, por exemplo - são capazes de mandar instaurar processos em torno de seus subordinados, à guisa de transferir-lhes suas culpas, única e exclusivamente porque não podem correr o risco de perderem sua res-pei-ta-bi-li-da-de?
E por aí vai: o médico que percebe seu engano ao pronunciar um diagnóstico - e não volta atrás; o professor que responde errado a uma pergunta por medo de simplesmente dizer “não sei, vou verificar”; o jornalista que informa tendenciosamente; o homem que mata para calar aquele que conheça um resvalo seu do passado... Todos eles, do mais inocente ao assassino, já no segundo seguinte esquecidos do significado de suas ações: respeitados e completamente autoenganados.

Exatamente como cada um desses nossos políticos pegos com a mão na botija e que apenas se dão conta do que fizeram ao verem a própria imagem na televisão. Em seu dia a dia anterior ao flagrante é possível que apenas se sentissem usufruindo de benefícios e facilitações “inerentes” ao cargo pelo qual se empenharam de várias maneiras. E sua indignação, que não compreendemos, talvez esteja associada à certeza de saberem que tantos outros de tantos outros partidos estejam agindo da mesma forma, tanto quanto ele: au-to-en-ga-na-dos.

Da mesma forma deve ocorrer com aqueles empresários que, completamente esquecidos de que existe vida humana para além das paredes de suas indústrias, não hesitam em “externalizar” perigos ao meio ambiente, desde que isso lhes signifique lucrar. Lucrar e ser cada vez mais res-pei-ta-dos. Ainda que autoenganados.

Assim é que toda vez que a determinado grupo ou academia repleta de homens “respeitáveis” é chegado alguém disposto a revelar-se, revelando por tabela cada um dos outros ali presentes, podemos observar, em maior ou menor grau, dependendo do nível de comprometimento e de dependência de cada um em relação à pretensa aura de respeitabilidade, uma reação de rejeição à nova presença.
Tentarão de várias formas desmerecê-lo, diminuí-lo, enfraquecê-lo, desmoralizá-lo. Na tentativa de se preservarem, tentarão transferir para ele as mazelas dentro de si mesmos caladas. E até acreditarão nos argumentos erigidos como sustentação de sua resistência ao apelo – sempre forte – que lhes chegue da verdade. Simplesmente, autoenganados.

A título de exemplo, imaginemos que a um clube frequentado pela nossa classe média de repente filie-se membro em tal busca de valores que não se canse de materializar em sonoras palavras a hipocrisia da classe à qual pertence. Enumerando seus crimes, tal como os impostos, sonegados - da compra de objetos contrabandeados ou pirateados ao tráfico de influência e à corrupção, em meio à prática dos quais luta por leis mais duras para os criminosos do andar de baixo...
Não há dúvida de que será muito difícil a aceitação desse novo membro...
A não ser que outros ali sejam de repente tocados pela magia do oráculo de Apolo: “Ó homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo”.

Enfim, como afirma Giannetti, “se a vida errada e irrefletida é a conseqüência inevitável do autodesconhecimento satisfeito consigo mesmo, a vida ética pressupõe o empenho e a capacidade do homem de buscar de forma contínua e incessante a verdade sobre si.”
Conhecer a nós mesmos, empenhados num permanente autoaprimoramento - única maneira de nos respeitarmos e de sermos legitimamente respeitados, evitando a experiência registrada pelo poeta: “Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me”.

OBS. 1) se quiser, na próxima página do blog, poderá ler este texto antes de haver sido adaptado - encurtado - para o Boletim. Leia, então, também: "Sobre o texto anterior ( eu acredito em utopias )".
2) "revelar-se" é dizer o que vê, sente e pensa; é dar-se o direito de ser transparente; é se recusar a participar do "jogo", declarando-se em busca dos melhores valores humanos.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

O "Feitiço do Tempo", em Míriam Leitão

Como meus leitores sabem, gosto de relacionar filmes com questões das mais corriqueiras às mais sérias. Os textos assim enriquecidos parecem ficar mais saborosos.
E foi exatamente essa a impressão que tive do texto da Míriam Leitão publicado hoje ( 08/4 ) em O Globo.

A comentarista econômica traça um paralelo entre o personagem principal do filme “Feitiço do Tempo” e a performance do presidente Lula, concluindo que: “No filme 'Feitiço do Tempo', Bill Murray tenta consertar num dia o erro que cometeu no dia anterior. Nem isso se pode dizer das contradições do presidente Lula”.

Eu faria uma observação. O repórter Phil Connors, encarnado por Bill Murray, não tenta simplesmente consertar seus erros. Ele tenta manipular a realidade em função do conhecimento prévio que tem dos acontecimentos. Ou seja: repete o mesmo erro o tempo todo. Sempre em função de si mesmo e de seu próprio ganho.

Por isso aquele dia parece sempre se repetir: o que se repete é a estrutura na qual o personagem se movimenta, muito semelhante àquela à qual muitos em nossa sociedade parecem estar acomodados. Sempre buscando o melhor para si mesmos, o lucro pessoal. Comportamento no qual não podemos identificar qualquer mérito.

Quando Phil: 1) é tomado pela consciência de que coisas verdadeiramente importantes - como o amor - não se atualizam em nossas vidas através de manipulações; e 2) apenas em função dos melhores valores humanos e sem almejar qualquer resultado preconcebido – nem mesmo mudar de dia -, resolve todas as mesmas situações anteriormente a ele apresentadas, é que consegue romper os grilhões que o amarravam. Ele se humaniza.

Míriam acertou na escolha do filme: o que acontece com Phil Connors é exatamente o que de melhor podemos desejar a cada um de nossos governantes e a seus governados.

TRAGÉDIA, DOR E ALUCINAÇÃO COLETIVA EM NITERÓI

Hoje eu me senti dentro do cenário de um filme americano.

Estava fazendo as unhas quando os celulares das pessoas ali, inclusive o meu, começaram a tocar e, de repente, todos comentavam a aproximação de um arrastão que teria começado no Centro e se dirigia naquele momento a Icaraí.

É provável que muitos celulares hajam tocado então por todo o bairro. Pois, no mesmo instante em que decidiram fechar as portas do salão e apagar as luzes, as outras lojas em torno faziam o mesmo, enquanto as pessoas passavam correndo em todas as direções, ou formavam pequenos grupos de proteção.

Profissionais da beleza e clientes começamos a imaginar telefonemas a serem dados em busca de socorro: a polícia; o pai delegado da moça com um bebê; o irmão médico do Corpo de Bombeiros... Amigos e parentes, era preciso conferir como estavam e recomendar que não saíssem de casa...

Todo mundo novamente deve ter tido a mesma ideia, pois a maioria dos telefones ali parecia encontrar algum problema em ligar cada um de nós àqueles com os quais precisávamos muito falar... As linhas pareciam congestionadas.

Mas as recomendações chegavam: permanecer aonde estivéssemos e aguardar que a polícia desse conta da situação.

Ouvimos sirenes, vimos carros de polícia. Até helicópteros nos sobrevoaram. Só não vimos os bandidos. Só não vimos - graças a Deus - aqueles que a qualquer momento, em nossas fantasias, invadiriam os lugares e nos arrancariam aquilo que desejassem, sob o permanente risco de uma bala perdida.

De qualquer forma, o pânico, ainda que manso, pareceu se instalar... A recepcionista chegou a hesitar ao abrir a porta para uma mulher que buscava refúgio... Apesar de um ou outro profissional e de uma ou outra cliente continuarem em sua parceria, decididos a terminarem o que haviam começado, muitos simplesmente pararam, como eu, expectantes: o que estaria de fato acontecendo?

A maioria achava que o arrastão era constituído por alguns dos desabrigados pela chuva; uns poucos diziam que provavelmente bandidos profissionais se aproveitavam da situação caótica vivida pela cidade... Mas não vimos qualquer pessoa que pudesse pertencer a qualquer desses grupos...

Eu queria ir embora, mas prometera à filha e ao filho e ao irmão que não sairia de lá antes de alguma espécie de autorização formal... Ao final, acabei informando-os de que encontrara outra cliente animada a enfrentar a aventura daqueles poucos quarteirões que nos separavam de nossas casas. Como que caído do céu, encontramos o táxi que a deixou perto de casa ( quando falamos ao telefone, um pouco mais tarde, fiquei sabendo que ela ainda se deparara com a falta de luz ), e, a mim, no portão do prédio, no qual o porteiro – avisado por meu filho para que não demorasse a abri-lo – recebia os moradores que, como eu, chegavam assustados.

Pude sentir o alívio do meu filho à janela.
Minha filha - grávida, do trabalho, respirou aliviada ao telefone, a voz trêmula.
A secretária, espantada, ouvia um ou outro pedaço da história, dando mostras da surpresa em vista de algo tão inusitado para o bairro.

Confusa, aliviada por estar em casa, agradecida a todos os amigos que me haviam ligado, comecei a receber outras notícias: nada havia acontecido.

Por incrível que seja, parece que o que ocorrera fora que um grupo de moradores de uma comunidade muito atingida pelas chuvas resolvera fazer uma manifestação pública no centro da cidade. Segundo informações, queixavam-se de que todo o socorro oficial estaria voltado para a tragédia no Cubango. Sentiam-se abandonados.

Contam que, em meio ao movimento, alguns bandidos assaltaram uma loja e o boato de arrastão se espalhou pela cidade.

Por que um boato ganha tamanha proporção?

Fora os celulares, não podemos deixar de imaginar que, nesse momento, um certo sentimento de culpa paire sobre todos nós que habitamos casas seguras e podemos seguir com nossas vidas, apesar de chocados com o que as chuvas trouxeram de desgraça àqueles menos afortunados. Afinal:
1) Elegemos aqueles que governaram nossa cidade todos esses anos através dos quais as casas ora soterradas levantaram suas paredes, tijolo por tijolo;
2) Ficou bastante claro, durante as discussões sobre as cotas raciais, que é grande o número daqueles dispostos a reconhecer em cada pobre um espoliado da história. E, se espoliado é vítima, quem seriam seus algozes?

Assim, é fácil imaginar que, diante de tanto sofrimento, diante de tanta desgraça, diante dessa montanha de dor a soterrar tanta gente, talvez tenhamos hoje vivido uma espécie de alucinação coletiva.

Se não nascida do medo inconsciente de que nos venham cobrar de alguma forma aquilo de que, historicamente, talvez sejamos mesmo devedores...

Talvez vinda da surpresa por nos vermos capazes de com os mais pobres nos identificarmos: todos nós gostamos de nos sentir abrigados em nossas casas, principalmente diante de intempéries como as que têm sacudido o Rio de Janeiro...
Dessa forma, e sensibilizados por nossa própria fragilidade diante do caos a desorganizar as nossas vidas, desautomatizados, é possível que tenhamos podido finalmente ver nos fragmentos de casas que pudemos vislumbrar nos telejornais - camas, colchas, quadros, brinquedos, televisores - o quanto, no fundo, precisamos das mesmas coisas; o quanto somos todos parecidos.

Compreender que somos todos, os seres humanos, essencialmente iguais, ainda que infinitamente diferentes: primeiro passo para a construção de um mundo melhor.


Mandei ontem para os jornais a carta abaixo:


A socióloga niteroiense Maria Lúcia Rodrigues Maia não se cansa de repetir: “como nós precisamos uns dos outros!”.
E eu, que sempre imaginei compreender exatamente o que ela queria dizer, depois dessa chuva que assolou nosso estado e especialmente nossa cidade, tenho a sensação de me haver aprofundado consideravelmente no significado de suas palavras.
Como nós precisamos uns dos outros! Como nós precisamos daqueles que moram longe e algumas vezes tão mal!
Pois foi impressionante sair às ruas nesses dois dias em que a tragédia desmecanizou nossa vida de pequenos burgueses... Foi impossível não admitir que a falta dos vendedores nas lojas; dos caixas nas padarias e supermercados; dos entregadores em domicílio; dos garçons nos restaurantes; das secretárias em nossas casas – todos eles de alguma maneira atingidos pelos efeitos das enchentes - simplesmente desorganiza nosso dia a dia, obrigando-nos a registrar sua fundamental importância.

No entanto, em uma padaria de Icaraí, na qual tentavam manter o atendimento apesar de reduzidos a duas moças nos caixas e a muito menos funcionários do que de costume, enquanto eu esperava na fila para pagar meu frango assado – agradecida, como a maioria dos clientes ali, por poder contar com aquele serviço -, não pude deixar de notar a impaciência de duas ou três pessoas...
Era como se compreendessem a fila maior ou a escassez de produtos como uma agressão pessoal... Era como se achassem que todos que haviam ficado em suas casas separando a lama de algum tipo de dor tivessem faltado ao trabalho decididos a lhes fazer uma espécie de desfeita...

Chegando ao caixa, não resisti, e o que disse naquele momento à moça – que se esforçava para ser o mais prestimosa possível - repito aqui, em homenagem a todos aqueles dos quais precisamos tanto, que nos são tão úteis e que certamente ainda não tiveram o reconhecimento merecido:
“COMO NÓS PRECISAMOS DE VOCÊ! MUITO OBRIGADA POR ESTAR AQUI!”

Para quem lê O Globo

Imperdível a coluna de hoje da Cora Rónai.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Julie e Julia

Aprecio o trabalho de Meryl Streep.
Dessa forma, tendo a imaginar que Julia Child haja sido muito parecida com a personagem pela atriz encarnada em “Julie e Julia”... E me sinto meio desconfortável ao dizer que não me deixei encantar por essa mulher que resolveu se dedicar à gastronomia e acabou por publicar um livro de receitas...
Não gostei principalmente do jeito de Julia se mexer, do tom dado a suas frases, meio brusco, não sei...
Terá sido Julia Child uma chata, ou dessa vez Meryl Streep não acertou tão em cheio?

Reforçando meu espontâneo sentimento pela personagem, vejo, ao final do filme, sua atitude de rejeição ao trabalho carinhoso de Julie – que ela se recusa a conhecer, após ficar sabendo que a moça gostaria dessa aproximação.
Apaixonada pelas receitas de "sua mestra", Julie aproveitara seus pendores para a escrita e resolvera, após experimentar cada uma, publicar a experiência em um blog.
Diga-se de passagem: Julie parece ser o ingrediente que sempre faltara a Julia - a delicadeza. Não é à toa que seu blog acaba por se tornar um grande sucesso.

Paradoxo

Quando temos um ideal, quando desejamos colaborar na construção de um mundo melhor para todos - ainda que saibamos que seja grande a possibilidade de não virmos a usufruir pessoalmente do resultado de grande parte de nossas ações nesse sentido -, vivemos cada minuto presente com intensidade, envolvidos com nossos projetos. E somos felizes, tanto quanto seja possível a um coração sensível. No agora.

Quando nosso único ideal é a felicidade imediata e a satisfação de nossos corpos, por incrível que possa parecer, estamos sempre projetados no futuro, imaginando o momento em que realizaremos um ou outro desejo. E nossa felicidade sempre estará na roupa nova, no carro novo, na plástica reformadora, na promoção, na mudança de casa, na próxima viagem, no próximo encontro. No depois.

Simplesmente Complicado

Nada como homens maduros que se descobrem capazes de amar e desejar uma mulher de sua faixa etária. São homens completos ( vide aqui texto sobre o filme “O Pescador de Ilusões” )...

Alec Baldwin está muito atraente em seus quilinhos a mais... E Meryl Streep está fantástica no papel da mulher madura, consciente de seus limites e de seu poder de atração – na mesma medida.

Figurino perfeito. Expressão corporal perfeita. Dignidade. Nada de caras e bocas. Nada daquele apelo forçado ao qual vimos, em filmes recentes, algumas atrizes maduras se submeterem, como se ainda pudessem encarnar a mulher fatal...

Assim – deixando-se de lado um ou outro ponto criticável, incluindo-se aí o final da história -, “Simplesmente Complicado”é um hino à mulher que, ao invés de tentar paralisar o tempo, aprende a se amar em cada uma de suas idades.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Sobre o texto anterior ( eu acredito em utopias )

O autoconhecimento humaniza no sentido de levar cada um a compreender melhor as suas – e as de seus próximos – pequenas falhas. Sem qualquer risco da perda do respeito por si mesmo ou pelos demais. Sem o risco de alguém, na tentativa de encobrir pequenos erros - como o prazo perdido pelo alto funcionário público -, em nome de uma imagem totalmente irreal, acabar por lançar mão de expedientes criminosos, sem se importar com quem possa sair ferido ao final.

Em uma sociedade constituída por pessoas em uma permanente busca de autoconhecimento, o professor perderá o medo de dizer “não sei”; o médico será aplaudido quando a tempo refizer o diagnóstico; o padre que se casa será abençoado.

E tenho certeza de que, aos poucos, nessa sociedade na qual será a cada dia maior o número daqueles voltados para a verdade de si mesmos, um novo sentido do que seja respeitabilidade e sucesso será formado. Então, uma pessoa até poderá ser penalizada ao assumir um erro - pois dizer a verdade também quando ela não nos favoreça é o ideal -, mas, por incrível que possa parecer, talvez nesse momento ela também seja respeitada, ao contrário daqueles que inspiram apenas medo através de suas posturas "perfeitas" mas autoenganadas.

Se no fundo o que todo ser humano deseja mesmo é o amor, a admiração de seus próximos, quando os homens comuns, em seu dia a dia, houverem instituído o respeito pelo melhor de si mesmos - possível apenas através da verdade -, promovendo uma revolucionária revisão de valores, então, também o autoengano criminoso, forjado em nome do enriquecimento egoísta ou da perversão, estará com seus dias contados.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Respeitabilidade e Autoengano ( este texto foi adaptado para publicação no Boletim da UFMG: http://www.ufmg.br/online/arquivos/015104.shtml )

Para Krishnamurti, “respeitabilidade é uma maldição; é um ‘mal’ que corrói a mente e o coração. [...] Ser respeitável é se sentir bem-sucedido, criar para si mesmo uma posição no mundo, construir em torno de si um muro de segurança, de autoconfiança, que vem junto com o dinheiro, o poder, o sucesso, a capacidade ou a virtude. [...]; as influências do ambiente e o peso da tradição são extremamente importantes para eles [ os respeitáveis ], pois isso esconde sua pobreza interior. Os respeitáveis estão na defensiva, assustados e desconfiados. O medo está em seus corações, portanto a raiva é sua justiça; suas virtudes e devoções são sua defesa”.

Se existe um aspecto do ser humano que sempre me intrigou é sua capacidade de se convencer de que é válida qualquer ação praticada, por mais vil que seja em si mesma, em nome de uma tal “respeitabilidade” social. Tendo a pensar inclusive que aí esteja o cerne de toda nossa hipocrisia.

Essa sociedade na qual vivemos e para cuja preservação trabalhamos tem uma ideia bastante clara do que seja um homem de respeito. Para nós, de modo geral, ele deve “parecer” honesto – virtudes (?); e deve dizer-se portador de um credo – devoções(?). Por outro lado, precisa dispor e usufruir de confortos materiais tais como bons carros, boas casas, boas roupas, joias, viagens etc. Ele deve “parecer” honesto e, de qualquer forma, ocupar um bom cargo, apresentar títulos, manter relacionamento com pessoas influentes.
Até onde sabemos, qualquer homem entre nós inspirará respeito se, além de “parecer” honesto, souber realizar negócios lucrativos e mantiver conversas de “alto” nível em ambientes sofisticados.
Obs.Também serão respeitados aqueles que, não ameaçando a ordem por um grupo estabelecida, de uma ou outra maneira, venham a lhe servir de álibi.

Dizemos que ele deva “parecer” honesto porque, infelizmente, não há como negar que muitos daqueles dentre os mais respeitados homens por nós conhecidos sejam capazes – ironicamente, justo por estarem dispostos a manterem tal respeito a qualquer preço - de expedientes silenciados até para si mesmos.

Segundo Eduardo Giannetti, em “Autoengano”:

“Na mente de cada indivíduo há coisas que ele prefere que estranhos não saibam e, mais perto do centro, coisas que os íntimos não devem saber. Mas há também coisas que ele próprio – o centro alerta que determina o que os outros devem ou não saber – prefere não saber. [...]
A rendição da guarda – o eventual colapso dessa resistência protetora do centro – implicaria uma dupla perda: a perda da respeitabilidade perante os que estão fora e a perda do respeito perante si mesmo, ou seja, daquela sensação interior de que se é ‘honesto e respeitável’.”

Dessa forma, toda vez que a determinado grupo ou academia repleta de homens “respeitáveis” é chegado alguém disposto a revelar-se, revelando por tabela cada um dos outros ali presentes, podemos observar, em maior ou menor grau, dependendo do nível de comprometimento e de dependência de cada um em relação à pretensa aura de respeitabilidade, uma reação de rejeição à nova presença.
Tentarão de várias formas desmerecê-lo, diminuí-lo, enfraquecê-lo, desmoralizá-lo. Na tentativa de se preservarem, tentarão transferir para ele as mazelas dentro de si mesmos caladas. E até acreditarão nos argumentos erigidos como sustentação de sua resistência ao apelo – sempre forte – que lhes chega da verdade.
Via de regra, então, o novo membro será isolado, ou sequer será incorporado. E fingirão não perceber que, em verdade, a academia precisa mais daquele membro do que de qualquer outro; enquanto ele pode muito bem passar sem a academia... AUTOENGANADOS.

Quem não ouviu falar de altos funcionários públicos que, ao cometerem um pequeno ( imagine se grande... ) engano - mera perda de um prazo, por exemplo - são capazes de mandar instaurar processos administrativos em torno de seus subordinados, à guisa de transferir-lhes suas culpas , única e exclusivamente porque não podem correr o risco de perderem sua res-pei-ta-bi-li-da-de?
E por aí vai: o médico que se engana ao pronunciar um diagnóstico e não volta atrás; o professor que responde errado a uma pergunta por medo de simplesmente dizer “não sei, vou verificar”; o jornalista que informa tendenciosamente; o padre que recusa a comunhão à mulher divorciada mas ele mesmo comunga apesar de manter um filho em segredo, ou pior: o padre pedófilo, que defende a criminalização do aborto, enquanto mata em vida crianças inocentes; sem falar no homem que mata ou chantageia para calar aquele que conheça um resvalo seu do passado... Todos eles, do mais inocente ao assassino, no fundo, parecem não se conscientizar plenamente de que o que fazem é paradoxal: em nome do “respeito” que desejam, são capazes de barbaridades.

Assim é que provavelmente cada um de nossos políticos pegos em delito apenas se dá conta do que fez ao ver a própria imagem na televisão. Em seu dia a dia anterior ao flagrante é possível que apenas se sentisse usufruindo de benefícios e facilitações "inerentes" ao cargo pelo qual se empenhou de várias maneiras. E sua indignação, que não compreendemos, talvez esteja associada à certeza de saber que tantos outros de tantos outros partidos estejam naquele exato momento agindo da mesma forma, tanto quanto ele: au-to-en-ga-na-dos.

Da mesma forma deve ocorrer com aqueles empresários que, completamente esquecidos de que existe vida humana para além das paredes de suas indústrias, não hesitam em “externalizar” perigos ao meio ambiente, desde que isso lhes signifique lucrar. Lucrar e ser cada vez mais res-pei-ta-dos. E autoenganados.

Imaginemos, agora, que a um clube frequentado pela nossa classe média de repente se filie membro em tal busca de valores que não se canse de materializar em sonoras palavras a hipocrisia da classe à qual pertence, enumerando seus crimes – tal como os impostos, sonegados -, da compra de produtos pirateados à corrupção e ao tráfico de influência, em meio à prática dos quais luta por leis mais duras para os criminosos do andar de baixo.

Imaginemos que ele também lhes diga que todos ali estão fascinados pelo brilho da classe dominante, pelo glamour do luxo, e lançam mão de uma infinidade de recursos ilegais que os possam iludir no sentido de se imaginarem cada vez mais perto de algumas elites poderosas. Não apenas no sentido de encherem um pouquinho mais o bolso, mas no de se sentirem também no direito de transgredirem sem que o braço da lei os atinja. Res-pei-tá-veis... E autoenganados.

Ele lhes dirá também que esse fascínio é de tal monta que parece levá-los a espécie de identificação com os criminosos do andar de cima, a ponto de tornarem-se o escudo que protege e legitima suas ações contra os criminosos do andar de baixo, previamente culpabilizados e condenados.

Lembrará ele ainda que a exposição pela imprensa de casos de corrupção - infelizmente em geral associados a questões políticas - provavelmente os ilude no sentido de imaginarem que os bandidos ricos estão sendo perseguidos tanto quanto os criminosos de chinelos...

Enfim, informará a todos ali que, submetidos à ideologia, reproduzindo os desejos das elites, pensando agir em função de seus próprios anseios, estão simplesmente AUTOENGANADOS.

Não há dúvida de que será muito difícil a permanência do novo membro naquele clube... Não é todo dia que encontramos alguém disposto a um verdadeiro mergulho no autoconhecimento... Principalmente se isso, à primeira vista, significar abrir mão da única respeitabilidade que conhece.

No entanto, não podemos perder a esperança de que um cada vez maior número de membros fustigadores se insiram em clubes e academias, corajosos. Confiantes de que algumas vezes, ao longo do tempo, aqueles que mais firmemente se lhes oponham possam vir a servir de adubo para suas sementes. Pois a mesma fúria que os leva a rejeitarem a verdade pode acabar por colocá-los diante de si mesmos, tocados pela magia do oráculo de Apolo: “Ó homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo”...

Como afirma Giannetti, acenando para a essência da filosofia socrática ( “a vida irrefletida não vale a pena ser vivida” ):
“Sócrates vê um mundo equivocado ao seu redor e vislumbra um mundo de possibilidades à sua frente. À vida cega, febril e desorientada de seus concidadãos, ele opõe o ideal de uma outra vida – de um viver movido não pelo brilho efêmero de falsos valores como o poder, o prestígio, o amor carnal e a riqueza, mas pela ambição de ser melhor do que se é e pela busca sem tréguas do aperfeiçoamento da alma. O autoconhecimento é o caminho que leva de um viver ao outro. Se a vida errada e irrefletida é a consequência inevitável do autodesconhecimento satisfeito consigo mesmo, a vida ética pressupõe o empenho e a capacidade do homem de buscar de forma contínua e incessante a verdade sobre si.”

Somos levados a torcer pelo dia em que respeitáveis sejam considerados aqueles que a cada nova manhã ampliem o conhecimento de si mesmos, assumindo suas verdades, ainda que elas possam, de alguma maneira, ir de encontro à imagem forjada como ideal pelos diferentes grupos sociais. O padre que larga a batina para se casar quando percebe que não pode manter o celibato é um bom exemplo disso.

Quem está disposto a se olhar por dentro e a se mostrar ao outro, quem busca conhecer as molas impulsionadoras de cada uma de suas ações está muito menos sujeito a atitudes que precisem ser encobertas. Por muitas razões. Entre elas o simples fato de que, sem o autoengano, algumas práticas certamente se tornariam ainda mais terríveis, impossíveis de serem levadas a cabo.

Enfim, conhecer a nós mesmos, empenhados num permanente autoaprimoramento, é a única maneira de nos respeitarmos e de sermos legitimamente respeitados, evitando a experiência registrada pelo poeta Fernando Pessoa: “Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me”.