Arquivo do blog

terça-feira, 29 de junho de 2010

O sabor da paixão

De maneira simples e alegre, fala de coisas importantes como a relatividade das diferenças culturais diante da unidade entre os seres humanos.

Um homem sério

Belo filme sobre a condição humana.

Em tempos de Copa do Mundo...

Em tempos de Copa do Mundo, “Invictus” é uma ótima opção na hora de escolher um DVD.
O filme conta a história de como Mandela, após uma vida de sofrimentos, foi capaz de usar a Copa Mundial de Rugby, a ter lugar na África do Sul durante seu mandato como presidente, como meio para unir os países branco e negro nos quais o apartheid dividira aquele território.
Mandela ensina suas palavras de força ao capitão do até então enfraquecido time nacional: “[...] Sou o dono do meu destino / Sou o capitão da minha alma”.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

ASSUNTO SÉRIO NA NOVELA DAS 9

Espero que o autor da atual novela das 9 saiba conduzir bastante bem a trama no que se refira ao pedófilo encarnado pelo ator Marcelo Antonni.

Para começar, acredito que Sílvio de Abreu poderia pensar na possibilidade de evitar outros momentos em que o pervertido contracene diretamente com crianças.
Afinal, são tantos os recursos que as modernas tecnologias oferecem... Por que não utilizar espécies de montagens, focando apenas de costas qualquer das crianças? Sem falar que, numa montagem, evitar-se-ia que elas captassem alguma ambiguidade daqueles olhares e afagos recebidos, que são propositalmente sugestivos.

As perguntas que ficam sobre as cenas até agora transmitidas: como irão receber aquelas crianças os comentários de algum coleguinha que haja ouvido seus pais ou irmãos mais velhos conversando sobre o capítulo no qual elas apareceram? Será que os psicólogos são capazes de prever possíveis consequências disso?
Pois, da mesma forma que aquilo que apenas temeram ou desejaram pode se refletir vida afora no comportamento de qualquer criança, não seria possível que as cenas que as pequenas atrizes representaram ou aquilo que possam ouvir a respeito de sua atuação, ao se misturarem, de certa forma, com o real, seja “subconscientizado” de maneira a prejudicar seu amadurecimento?

De qualquer forma, tais cenas – a novela em si - podem ser bastante úteis, ao servirem de alerta ou de motivação para uma boa conversa entre pais e filhos - incluindo-se as pequenas atrizes - de todas as idades. E a Globo, justiça seja feita - desta vez chocando mesmo -, mais uma vez, pode estar, através de uma novela, conseguindo abrir importantes canais de comunicação e esclarecimento.

Bem, disse que espero que o autor de “Passione” saiba conduzir especialmente bem o assunto “pedofilia”, pois, uma vez que o tenha abordado em uma novela de grande audiência, não pode correr o risco de ver humanizada essa terrível perversão, ao ser ela vivida por um homem bonito, rico, simpático...
Tudo o que não esperamos nesse momento é qualquer tipo de humanização dessa patologia, que precisa ser sempre enfrentada como caso de polícia, ainda quando também da psiquiatria.

Naturalmente, acreditamos que, cercando-se de cuidados, seja possível que o autor atinja o objetivo de denunciar esse tipo de crime hediondo, fazendo com que a sociedade atente para a terrível e cada vez mais evidente certeza de que, por trás da beleza, da agressividade e da riqueza, bem como da feiúra, da simpatia e da pobreza - em qualquer lugar - pode existir um monstro.

E a única maneira de protegermos nossas crianças, além de estarmos presentes, é orientá-las no sentido de que confiem em nós; no sentido de que nos possam contar qualquer coisa, assegurando-lhes que sempre serão por nós amadas e, seja qual for o sentimento por elas experimentado, jamais poderão ser responsabilizadas pela covardia de um possível agressor.


Abaixo segue pequeno conto infantil que escrevi logo depois de participar de uma reunião de professores durante a qual se falou sobre a triste história de uma aluna, naquele momento já casada, mas ainda sob o reflexo de tudo o que sofrera.

Pensando que toda criança precisava saber que seu corpo lhe pertencia e que, como a um segredo precioso, ela precisava ter consciência do seu direito de protegê-lo da curiosidade alheia; recusando-se, por outro lado, a fazer segredo de qualquer tentativa de violá-lo, mostrei, então, essa historinha para alguns dos meus colegas-professores, e imaginamos o quanto talvez pudesse ser importante - num mundo no qual, infelizmente, algumas vezes, nem os próprios pais merecem confiança - se psicólogos se dispusessem a estudar a possibilidade de pretextos, como essa historinha, para boas conversas, em casa ou na escola. Pois é provável que as crianças à mercê de qualquer anormal se fortalecessem, ao compreenderem que, em histórias como a sua, é preciso gritar por socorro.



A CAIXINHA DOURADA


Quando a princesinha nasceu, ganhou de presente uma caixinha dourada.
Sua chave foi guardada numa prateleira alta, e um dia lhe disseram que, quando fosse capaz de alcançá-la sem usar escada ou banquinho teria chegado o momento de dividir seus segredos com quem escolhesse.

Carolina foi crescendo e nunca se separou da caixinha, que trazia sempre consigo. De vez em quando olhava para cima, tentando adivinhar quanto tempo levaria para poder pegar aquela chavezinha tão importante.
E o tempo foi passando...

Carol, como era chamada por todos que a cercavam, era a criança mais alegre do mundo: brincava com as outras crianças da corte, filhas dos nobres e dos empregados que ali residiam; estudava com os professores especialmente contratados; e observava, com muita curiosidade, o mundo à sua volta, até aonde podiam ir os olhos de seu coração. O tempo todo distribuindo sorrisos e dando gritinhos de alegria...
Logo todos perceberam que a princesa seria uma pessoa muito boa, sempre preocupada com os súditos do pai, e não aceitando ver qualquer pessoa maltratada.

Um dia, de repente, Carolina parou de sorrir. Perguntada, dizia nada haver acontecido, mas seus olhinhos, antes brilhantes, pareciam nada enxergar quando olhavam para alguém ou para alguma coisa. Era como se estivessem procurando dentro de si mesma alguma coisa que precisasse muito ver, compreender...
Seu comportamento foi ficando cada vez mais estranho: os professores percebiam sua indiferença diante das matérias anteriormente preferidas, e notaram que, por duas vezes seguidas, quando alguém falara alguma coisa sobre caixinhas douradas, a menina parecera adormecer sobre a carteira, totalmente alienada das pessoas que a cercavam.
De outras vezes, no entanto, seu comportamento era o oposto: queria porque queria que todos falassem sobre suas caixinhas douradas: quem as tinha?; quem não as tinha? E ficava de tal maneira agitada com o assunto que, à noite, era comum ter o sono perturbado por pesadelos.
Os médicos consultados, bem como os conselheiros da corte, não conseguiam chegar a qualquer conclusão sobre as mudanças da princesinha.

O tempo foi passando e Carolina foi se fechando ainda mais... Costumava dizer que a plantas das quais mais gostava eram as heras, que subiam pelas paredes, e eram capazes de esconder portas e janelas...

Um dia, Carol, distraída, quebrou uma escultura muito admirada no reino. Sem saber se seria castigada pelo acontecido, ficou aliviada quando Sara, a baronesa que a socorreu, explicou-lhe que a peça não se havia quebrado, mas apenas parcialmente desmontado. E, após o conserto, vendo que a moça era uma pessoa muito sensível, Carol acabou por lhe contar que, há algum tempo, tinha a impressão de que entravam em seu quarto à noite, pegavam a chavezinha na prateleira alta e..., o que acontecia depois ela não lembrava porque acabava dormindo profundamente.
Mas essa impressão, contara a princesinha à moça, incomodava-a muito, e ela, não sabia direito por que, tinha medo de contar o acontecido para qualquer pessoa... Como se pudessem culpá-la por não haver conseguido evitar que se aproximassem da chave, que ainda não alcançava - deduzira a amiga da família.

A baronesa, apenas por lhe dizer que conhecia muitas histórias parecidas com aquela e que sabia o que fazer, conseguiu tranquilizar Carolina e, depois de deixar a menina entre as cobertas, tratou de se esconder em um canto escuro do corredor, à espreita...
De repente, Sara percebeu que alguém se aproximava sorrateiramente do quarto da princesa.
Pé ante pé, ela seguiu o vulto que, agilmente, pegou a chave na prateleira. No momento em que ele ia se virar, em busca dos segredos da caixinha dourada, a moça o atacou, aos socos e pontapés.
Apesar de não haver conseguido arrancar-lhe a máscara que lhe cobria o rosto, conseguiu assustá-lo, gritando-lhe que, se voltasse, pagaria caro pelo que ousara fazer.

Carolina nada ouvira, pois dormira profundamente aquela noite, sossegada pelo carinho da baronesa, que lhe garantiu, no dia seguinte, que aquilo nunca mais aconteceria, pois, além de protegê-la, alertaria todos nas redondezas sobre a existência daquele malfeitor que punha em risco os segredos das crianças do palácio. Explicou-lhe também que, infelizmente, como aquele invasor poderia ser qualquer um, ela deveria ficar atenta, e gritar por Sara quando suspeitasse de alguém.

Assim, a princesinha, pouco a pouco, foi voltando a ser a menina alegre que era antes.
E, algum tempo depois, no mesmo dia em que um bondoso príncipe de outro reino veio visitar sua família, Carolina percebeu que, sem escada ou banquinho, já podia alcançar a chave de sua caixinha dourada.

Obs. Noveleira de plantão me informa que as notícias sobre o andamento da novela das 9 mudaram: talvez o personagem de Marcelo Antonny esconda outro tipo de problema ( 24/07/10 ).

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Desestigmatizar

Como friso em um dos primeiros artigos nesse blog ( “Margarida” ), acho muito injusto que pessoas acometidas por doenças graves - como o câncer, por exemplo -, tenham seu sofrimento multiplicado pela carga de culpa advinda das conclusões que permeiam o imaginário social a respeito do quanto o ódio alimentado nos corações das pessoas seria o principal responsável por algumas dessas moléstias...

Ainda que pudéssemos comprovar que todos aqueles que odeiam acabam desenvolvendo algum tipo de mal físico, ou que grande parte dos doentes terminais tivesse sido sufocada por seus sentimentos negativos, todos nós conhecemos pessoas maravilhosas e autoconscientes que um dia adoeceram... E não me venham com essa história de que “quem vê cara não vê coração”, pois sabemos muito bem que, se encaramos alguém em seu dia a dia, podemos sentir, mais do que ver, aquilo que vai em sua alma.


Em “O Andar do Bêbado”, Leonard Mlodinow nos apresenta, numa acessível linguagem científica, provas de que fazemos bem em desconfiar de certos padrões: o homem, inclusive especialistas em várias áreas – o que é mais grave -, tende a buscar aqueles que rejam o comportamento humano, certo de que, assim, poderá fazer previsões e ter um maior controle sobre tudo.

Mlodinow faz o alerta:

“A evolução do cérebro humano o tornou muito eficiente no reconhecimento de padrões; porém, como nos mostra o viés da confirmação, estamos mais concentrados em encontrar e confirmar padrões que em minimizar nossas conclusões falsas. Ainda assim, não precisamos ficar pessimistas, pois temos a capacidade de superar nossos preconceitos. Um primeiro passo é a simples percepção de que os eventos aleatórios também produzem padrões. Outro é aprendermos a questionar nossas percepções e teorias. Por fim, temos que aprender a gastar tanto tempo em busca de provas de que estamos errados quanto de razões que demonstrem que estamos certos.”

Infelizmente, a arrogância e a vaidade de nossa espécie parecem levar muitos de nós a preferirem o controle/poder advindo das suas certezas “estatisticamente comprovadas" - ainda que desconfiem de que possam não haver somado dados suficientes para tirar conclusões absolutas -, do que terem de admitir que a verdade talvez seja muito mais relativa do que se possa à primeira vista supor.

Sigamos mais um pouco o pensamento do físico:

“[ ...] mesmo que nossos dados tenham uma significância de 3%, se testarmos 100 médiuns em busca de habilidades psíquicas – ou 100 medicamentos ineficazes, em busca de sua eficácia -, devemos esperar que alguma pessoas pareçam ser médiuns, ou que alguns remédios ineficazes pareçam eficazes. É por isso que pesquisas eleitorais, ou estudos médicos, especialmente os de pequeno porte, às vezes contradizem outras pesquisas ou estudos.”

E mais:

“Quando o meu fogão da marca Viking começou a apresentar defeitos e, por acaso, uma conhecida me contou que tivera o mesmo problema, comecei a dizer aos meus amigos que evitassem essa marca. Quando tive a impressão de que as aeromoças de vários vôos da United Airlines eram mais carrancudas que as de outras companhias, comecei a evitar os vôos da United. Eu não tinha muitos dados, mas minha intuição identificou padrões.”

Leonard Mlodinow afirma a seguir que, ao fazermos uma análise mais apurada, vemos que muitos dos pressupostos da sociedade moderna se baseiam “em ilusões coletivas”.

Vejam o que ele diz, logo depois de demonstrar como até aquilo de que somos testemunhas oculares pode ser discutível:

“ Também usamos a imaginação para pegar atalhos e preencher lacunas nos padrões de dados não visuais. Assim, como com as informações visuais, chegamos a conclusões e fazemos julgamentos com base em informações incompletas, e concluímos, ao terminarmos de analisar os padrões, que a “imagem” a que chegamos é clara e precisa.

Mas será que é mesmo?”

Isso tudo sem falar no quanto o ser humano pode ser tendencioso quando se trata de algo que lhe interesse de maneira especial.
Assim, é praticamente certo que, autoenganadamente ou ciente de seu desejo de manipular determinada situação, muitos são capazes de resvalar para declarações ou conclusões muito pouco confiáveis. Prejudicando o resultado de qualquer pesquisa, estejam eles do lado pesquisado ou do lado pesquisador.

Um exemplo interessante, no livro em questão, o autor traz daquele filme no qual o personagem vivido por Richard Gere, ao frequentar secretamente uma escola de dança, desejoso de fazer uma surpresa à esposa, é pego seguidamente em mentiras que levam sua mulher a ter certeza de sua traição.
Mlodinow nos explica onde se localiza o erro do padrão identificado: a mulher acreditava que a maioria dos homens que traem mentem. Seu marido fora flagrado em mentiras, portanto era certa, para ela, a conclusão de que a estivesse traindo.
No entanto, ela se esquecera do óbvio: ainda que todos os homens que traíssem mentissem, sempre existiriam muitos motivos a levarem um homem a usar tal artifício: nem todo homem que mente está traindo sua esposa.

Foi aí que fiquei pensando: ao receber-se em escolas ou instituições – dedicadas a educar e proteger - aqueles jovens das classes menos favorecidas, que vivem expostos a riscos vários; e sabendo-se, por confidência ou dedução, que foram eles vítimas de algum tipo de violência doméstica, dever-se-ia tomar cuidado com a certeza que perpassa o imaginário da sociedade, incluindo-se o de profissionais, segundo a qual todo aquele que foi um dia agredido passa a ser um agressor em potencial.

Pensemos, diante da certeza de haver um número enorme de variantes a afetarem o comportamento de cada indivíduo: ainda que a maioria daqueles que hajam cometido atos de violência tenham um dia sofrido algo semelhante, certamente é infinitamente maior o número daqueles que foram de alguma maneira agredidos e reagiram de outras formas.

No caso, talvez devêssemos levar em consideração, por exemplo, dentre outros dados, se o jovem, apesar de agredido por uns, recebeu amor de outros... Quem sabe aprendeu o que é respeito no contato com bons professores?
Afinal, sabemos que muitos, embora não tenham sido diretamente atacados, pelo simples fato de haverem sido ( ou menos: de se haverem - mimados - sentido menos amados do que gostariam ) de alguma forma desamados ( vide exemplos nas classes mais altas ), desenvolvem algum tipo de recalque a transformá-los em verdadeiros sociopatas...

Aonde quero chegar: imagino que a aproximação seja mais fácil entre sociedade/educadores/cuidadores e todos aqueles necessitados de proteção, se não permitirmos que pese sobre estes últimos qualquer estigma determinista.
É preciso que nossos jovens percebam que sabemos que podemos deles esperar o melhor.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Vaidade é Loucura ( na obra de Machado de Assis )

Em um dos capítulos do meu “Vaidade é Loucura ( na obra de Machado de Assis )”, abuso do direito de citar a sabedoria alheia... Cito-me, aqui, citando-a:



“Erasmo fala da insatisfação provocada por seu livro [ "Elogio da Loucura" ] nas pessoas da comunidade leitora. E se justifica:

‘Criticar os costumes dos homens sem atacar ninguém pessoalmente, será algo realmente mordaz? Não será antes instruir e aconselhar? De resto, não faço sem cessar minha própria crítica? Uma sátira que não poupa nenhuma das condições humanas não agride homem algum em particular, mas sim os vícios de todos. E se alguém se levanta e grita que foi ferido, é que realmente se reconhece culpado, ou pelo menos se confessa inquieto. Neste gênero, são Jerônimo mostrou-se mais livre e mais acerbo, às vezes sem poupar os nomes. De minha parte, abstive-me de mencionar um único nome, e tanto moderei meu estilo que o leitor inteligente verá sem dificuldade que meu intuito era divertir, de modo algum magoar. Não remexi, como Juvenal, no esgoto dos vícios ocultos; não cataloguei as torpezas, mas sim os ridículos. Se ainda houver um obstinado que esta argumentação não tranquilize, peço-lhe que pense na honra que é ser atacado pela Loucura, pois é ela que ponho no palco, com todas as características de sua personagem.’

Parece-nos que Erasmo e Machado fizeram a mesma coisa: mexer com a vaidade humana, denunciá-la. [...]
E é um paralelo entre a loucura e a vaidade que encontramos traçado em inúmeras linhas do Elogio da Loucura, e que deixa bastante claro, como muito bem depois registrou Machado de Assis, que a vaidade talvez seja muito mais loucura do que qualquer outra loucura: ‘Assim, imitaríamos os retóricos de nosso tempo, que se acham deuses por usarem duas línguas, como as sanguessugas, e consideram uma maravilha inserir em seu latim alguns pequenos vocábulos gregos, mosaico amiúde fora de propósito. Se as palavras estrangeiras lhes faltam, arrancam de bolorentos pergaminhos quatro ou cinco expressões arcaicas que deitam poeira nos olhos do leitor, de maneira que os que os entendem se pavoneiam, e os que não os entendem os admiram ainda mais. As pessoas, realmente, encontram um prazer supremo no que lhes é supremamente estranho. Sua vaidade tem parte nisso; riem, aplaudem, mexem a orelha como os asnos, para mostrar que compreenderam bem: ‘É isso, é isso mesmo!’’”



Tão bom se todos falassem e escrevessem para o maior número possível de pessoas...
Mas isso só é possível quando se acredita realmente naquilo que se diz ou escreve.

Tão bom se todos soubessem, sempre que fosse o caso, dizer “não entendi”...
Mas isso só é possível quando tocamos nossa essência, no fundo de nosso coração, e não mais nos confundimos com as aparências.

Estão todos bem

Bom filme.

Essencialmente, trata de desmistificar o que seja o tão desejado "estar bem".

domingo, 20 de junho de 2010

O SOLISTA

“O Solista” me lembra de alguma maneira “O Pescador de Ilusões”.
Tanto em um quanto em outro filme, vemos, dentre outros personagens, um homem em busca de si mesmo, de um sentido para sua vida, para seu trabalho...

Inclusive, da mesma forma que “O Pescador...” ( vide comentário no blog ), “O Solista” poderia ser analisado a partir da psicologia analítica de Jung. Isso, observando-se o trajeto do personagem-jornalista enquanto vai juntando suas muitas facetas... E talvez possamos dizer que ele acaba vislumbrando o “graal” a partir do momento em que valoriza a sensibilidade/sabedoria do “bobo-louco-músico” que cruza seu caminho... O que acaba por lhe permitir uma reaproximação de sua mulher e/ou de sua “anima”.

Fora isso, não podemos deixar de tecer alguns comentários em vista do músico possivelmente esquizofrênico e de seu relacionamento com o jornalista, que acaba por se tornar seu amigo.

Bem, tudo começa quando, sensibilizado depois de um acidente e determinado a encontrar assunto mais humano para suas crônicas, o jornalista sai atento pelas ruas e se depara com o homem de falas algo desconexas, tocando soberbamente um violino quebrado e dizendo-se ex-aluno de uma conhecida escola de música...

No decorrer da história, ficamos sabendo que o violonista houvera abandonado o conservatório por causa de um surto psicótico...

Acontece que, superficialmente falando, a esquizofrenia se caracteriza por espécie de fissura na personalidade de alguém, de onde emergem vozes, delírios e alucinações...

Em uma sociedade marcada há mais de dois séculos pela medicalização, que, nas últimas décadas, através da propaganda – inclusive dentro dos consultórios médicos -, transformou o indivíduo em consumidor de remédios como de qualquer outro produto, imaginar que se pense em medicar alguém que ouve vozes pode parecer bastante natural, não é?

No entanto, parece que o filme acena para uma nova mentalidade que vem se formando em oposição à cultura do remédio para tudo, desde as pílulas para as pequenas e grandes tristezas, passando pelas vitaminas, pelo emagrecedor e pelo revigorante sexual...
E dentro dessa nova mentalidade, que engatinha – mas já tenta se por de pé -, é principalmente questionado o uso a três por dois de remédios para as afecções da mente – alma, emoção...

Afinal, o que é a Loucura?

Desde os primórdios da História, a sociedade tenta calar seus “loucos” de alguma maneira, jogando-os em navios a percorrerem sem destino os mares sem fim, trancafiando-os dentro de manicômios ou simplesmente, como fazem inclusive muitos daqueles que recentemente se posicionaram a favor da desmanicomialização, abandonando-os, fornecendo-lhes muitas vezes como tratamento uma única opção: o re-mé-di-o.

Do que temos medo?

De que o louco nos fale de nossa própria loucura?

De que seu lado rústico nos fale daquilo que temos por baixo de nossos trajes de gala?

De que sua sabedoria-tola enfraqueça nossas certezas?

No filme, vemos a insistência do jornalista junto ao responsável pelo abrigo para o qual encaminhara o músico - a quem estava decidido a ajudar -, no sentido de que lhe fossem dados remédios. Sugeriu inclusive ao rapaz, em vista de sua cuidadosa negativa e diante das leis locais, que imaginassem uma falsa denúncia de que o moço representasse “risco para si mesmo e para os demais”, a fim de que, internado, recebesse fármacos que, segundo supunha, colocariam-no em condições de escolher melhor o que queria para sua vida.

Mas quem parecia querer alguma coisa para o músico era o jornalista... Possivelmente não de forma consciente e provavelmente bastante autoenganado, queria ver “progressos” suficientes no comportamento daquele que virara espécie de musa para sua coluna no jornal... Queria mais assunto... Talvez ele quisesse história para o livro que acabaram convidando-o a escrever sobre o personagem centro do sucesso de seus últimos textos...

E é quando tenta forçar o músico a aceitar rótulos ( esquizofrênico ) e a ser tutelado pela irmã que vê Nathaniel Anthony Ayers se tornar agressivo pela primeira vez.

Nesse momento, chegamos a pensar que o jornalista irá abandonar o músico ou que irá aproveitar a oportunidade para, como queria de início, interná-lo... Mas é a reação daquele homem em defesa da vida que escolhera viver e o enlevo espiritual no qual o músico parecia transportado sempre que ouvia ou tocava uma bela música que, além da sacudida que lhe dá a mulher ao atirar-lhe ao rosto a possibilidade de ele estar “explorando o louco”, parecem transportar o jornalista Steve Lopez, pela primeira vez na vida, para o mais fundo de si mesmo.

O mais bonito nesse filme, que, dentre outras coisas, coloca em evidência uma Los Angeles com mais de 90000 sem-tetos ( destacando sensivelmente o fato de, apesar de toda a aridez de suas vidas, eles parecerem conservar alguma alegria de viver ) é perceber, ao final, a amizade entre aquelas duas pessoas – o músico e o jornalista – baseada na aceitação de suas diferenças mais gritantes, que se tornaram pequenas na descoberta da humanidade que tinham em comum...

Sem remédio, o músico continua vivendo a vida na qual parece encontrar algum equilíbrio, principalmente depois de constatar que seu novo amigo talvez fosse mais sincero do que, a princípio, qualquer um dos dois pudesse suspeitar.

Após OUVIR seu próprio coração, o jornalista convence-se de que o músico, seu amigo, como ele mesmo, merece respeito e tem o direito de escolher como viver os seus dias.

Em “Elogio da Loucura”, Erasmo de Rotterdam nada mais faz do que traçar um paralelo entre a Loucura e a Vaidade.
Machado de Assis, em texto intitulado "Elogio da Vaidade", faz uma paródia do trabalho do filósofo que não deixa dúvida quanto a isso.

E Michel Foucault, em “História da Loucura”, premia o leitor com trechos assim, a sapecarem a mesma senhora:

“Nesta adesão imaginária a si mesmo, o homem faz surgir sua loucura como uma miragem. O símbolo da loucura será doravante este espelho que, nada refletindo de real, refletiria secretamente, para aquele que nele se contempla, o sonho de sua presunção. A loucura não diz tanto respeito à verdade e ao mundo quanto ao homem e à verdade de si mesmo que ele acredita distinguir.”

Quantos homens bem sucedidos colocam todos os dias em risco a si mesmos e a toda a sociedade em suas ganância e vaidade sem limites?
Eles não são internados. E, se tomam remédios, fazem-no exclusivamente segundo a própria vontade, provavelmente como mais um dos artifícios utilizados para calar as VOZES de suas consciências... Talvez fosse melhor se simplesmente ouvissem vozes.

Obs. A música e o novo amigo certamente fazem muito por Nathaniel, que passa a tocar vários instrumentos e acaba por aceitar morar novamente sob um teto...

Histórias como essa nos levam a valorizar cada vez mais aquelas instituições que disponibilizam cursos de Música, Esporte, Dança, Arte etc. para aqueles que muitas vezes sequer conhecem o próprio potencial.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

EDUCAÇÃO

Segundo editorial do Globo intitulado “A Educação ensina que o crime é exceção”, a boa escola que educou os 22 alunos bem sucedidos, da mesma turma do bandido Fernandinho Beira-Mar, localizava-se na “carente Caxias dos anos 70”.
Os anos 70 foram anos de ditadura. E, num momento em que a educação oferecida hoje por nossas escolas é tão – e de certa forma legitimamente – criticada, corremos o risco de ver, através de textos desse tipo, reforçada a tese daqueles que querem associar fracassos a qualquer governo de esquerda... Tese simplista essa segundo a qual, naqueles terríveis tempos, tivemos uma educação melhor do que a de hoje...

Não sendo especialista, peço desculpas pela fragilidade dos conceitos aqui tratados, e quero deixar claro que ouso abordar o assunto apenas porque acredito que, cada um de nós, cidadãos, precisa se manifestar sempre que nossa alma se inquiete diante de temas de fundamental importância para a sociedade como um todo.
Isso é, afinal, no que deve consistir o debate dentro de uma democracia, enquanto deixar que discutam entre si apenas os especialistas seria típico das tecnocracias.

Dito isso, gostaria de registrar que acredito que a verdade seja que, ao longo da história brasileira, embora, por um lado, tenhamos tido a certeza da existência de muitos bons alunos, como certamente o foram os colegas do referido criminoso, por outro lado, nunca tivemos uma escola de excelente qualidade. O que, naturalmente, com todas as mudanças que vimos sofrendo, parece tornar-se cada vez mais difícil, algo a exigir muito mais do que vontade política e verba: provavelmente a consciência de cada cidadão quanto a sua responsabilidade como agente multiplicador de valores e formador de opinião.

Dentre alguns modelos de escola que tivemos, houve a escola tecnicista - e imagino que a escola da época da ditadura se enquadrasse nesse grupo -, que privilegiava a transmissão de conteúdos... Conteúdos muitas vezes duvidosos, diga-se de passagem, uma vez que sabemos o quanto a história nacional fora então adaptada aos interesses daqueles que detinham o poder. Conteúdos, em todas as matérias, sempre a incutir-nos a certeza de termos de buscar uma resposta única para cada pergunta... Sem falar de como, então, os elos entre as disciplinas – a Filosofia, a Psicologia e a Sociologia -, capazes de nos fornecer a importante visão de que todas as matérias constituem uma só ciência foram criminosamente abolidos de nossos currículos(* ). ( Graças a Deus, começam a ser a eles novamente incorporados. )

Opondo-se a essa escola, tivemos a escola politicista, preocupada prioritariamente com a forma de transmitir os ensinamentos e na qual a transmissão de conteúdos não passava de pretexto para a “conscientização política”.
Segundo um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos, com os quais, há muitos anos, aprendi a terminologia acima, para surpresa de todos, essa escola formava cidadãos passivos, enfraquecidos diante da certeza de sua condição submissa.
Não me lembro dos detalhes, mas, na palestra à qual assisti, esses pesquisadores mostraram que uma alternativa aos modelos educacionais falidos seria ensinar-se a partir de uma perspectiva aberta, longe das verdades absolutas. Um exemplo: o professor de matemática deveria ensinar a continha de somar ou a de subtrair tanto começando da forma tradicional, da direita para a esquerda, quanto da esquerda para a direita ( eu aprendi ali que isso era possível ); o professor de Leitura deveria ouvir as impressões de cada aluno sobre os textos lidos, tentando pincelar os pontos em comum e as divergências, evitando rotular qualquer delas de “errada”; e assim por diante...

Concordei logo com eles. Isso, aliado ao retorno das disciplinas consideradas “elos” aos currículos, certamente formaria uma nova estrutura de pensamento em criaturas mais seguras de si mesmas, uma vez que certas de que a resposta do outro, ainda que ótima, jamais seria a única resposta; certas de que boas respostas poderiam brotar de seu confiável coração, a qualquer momento e diante de qualquer situação. Sem falar que tal “método” formaria professores seguros ao ponto de, sempre que necessário fosse, pronunciarem o respeitável “não sei, vou verificar” que, por identificação – todos nós não sabemos muitas coisas -, mais segurança somaria àquela recém adquirida por seus alunos.

Dessa forma, também porque vi que muitos professores aplaudiram aquela exposição, acredito que, pouco a pouco, em uma ou outra escola, particulares e públicas, ainda que aos trancos e barrancos e quase silenciosamente, é possível que possamos estar no caminho tanto de constituirmos melhores professores quanto melhores alunos. Estruturalmente. Conscientes de serem parte de alguma coisa maior do que eles mesmos. Conscientes de pertencerem a um todo chamado humanidade, da mesma forma que passarão a perceber as disciplinas estudadas como órgãos de um mesmo organismo. Sócios no mundo do conhecimento. Cidadãos fortalecidos, capazes de, eles mesmos, empreenderem, ao longo de suas vidas, uma busca permanente pelo saber. Produzindo saber.

E essa nova consciência, que acredito em gestação, aponta para o fato de que uma boa Educação emerge da certeza de que somos todos, e não apenas os professores ou pais, responsáveis por educar – principalmente com o testemunho de nossas vidas - todas as crianças e jovens de nosso tempo...

Enquanto aguardamos que essa espécie de escola-mundo se atualize, o que observamos é que não raro a escola culpa a família por seu fracasso, e a família, por sua vez, responsabiliza a escola pelo fracasso de seus filhos, sem perceberem que o problema todo talvez esteja na teima em manter-se um modelo de escola superado. O problema talvez esteja em acreditarmos em certos modelos de avaliação que avaliam como antigamente pessoas que estão sendo submetidas a outro modelo de formação. E isso vale inclusive para o vestibular e para os concursos de ingresso a inúmeras carreiras.

Não é raro vermos pais que se consideram sucesso em suas profissões, defenderem o modelo “conteudístico” das escolas por eles freqüentadas... No entanto, talvez o fato de haverem decorado tabuadas, capitais de estados e países, e os preceitos da “Moral e Cívica”, além de haverem aprendido a decidir rapidamente entre o “s” e o “z”, o que lhes conferiu boas notas e um diploma atrás do outro, pode não haver sido o que determinou o seu futuro.
( Ora, o que os favoreceu pode haver sido o fato de haverem podido escolher sua carreira, tendo a ela se dedicado a partir de então, sempre com a proteção e a admiração de suas famílias. )

Hoje, o desafio que enfrentamos ao educarmos as novas gerações é de outra ordem... Os jovens, exigentes, desprezam a decoreba, desconfiam da importância de certos conteúdos... Conheço um rapaz que aprendeu a escrever corretamente – e bem – depois que resolveu sentar-se ao computador para escrever sobre a doença que o consumia e que era, ao mesmo tempo, medicada e ignorada pela maioria das pessoas a sua volta. O word e as leituras que foi fazendo em torno da moléstia acabaram lhe ensinando mais sobre ortografia e redação do que todos os anos que passara na escola. O que pode ser conferido à vista dos textos por ele produzidos então.

Assim é que acredito que, se quisermos uma boa Educação para nossos jovens em um futuro próximo, temos de nos convencer de que educar passa por sabermos lidar com o que de mais humano haja em cada um de nós, em cada um de nossos alunos. E isso só ser torna possível quando entramos profundamente em contato com nós mesmos, abrindo mão de qualquer tipo de hipocrisia.
Professores e pais e cidadãos de um modo geral, todos nós, ao nos aprimorarmos como pessoas, buscando nossos interesses mais profundos e dando o nosso melhor em função da construção de uma sociedade mais verdadeira, plural e justa, contribuiremos para isso. Conscientes de que educamos, inclusive os professores, muito mais com o que somos do que com aquilo que propositalmente desejemos transmitir.

“Faça o que eu digo e não faça o que eu faço” é a base da revolta de alguns jovens das classes privilegiadas, que acabam por direcionar a toda a sociedade a decepção em relação a seus próprios pais.
E mais importante: “servir de exemplo” também não funciona se aquilo que se quer oferecer como modelo não passar de máscara, de pura hipocrisia.

Enfim, tudo isso para dizer que, se a escola de Caxias ajudou a manter longe do crime os colegas do terrível criminoso Fernandinho Beira-Mar, essa outra escola-mundo de que falamos e na qual a sociedade precisa acreditar, se existisse então, talvez houvesse evitado também o descaminho do próprio bandido. E de outros criminosos mais, inclusive daqueles advindos das classes superiores. Simplesmente porque, nessa escola viva, para além dos muros da instituição, os melhores valores humanos estariam em pauta. Todos os dias.

(*) No editorial do BCEN, Boletim do Centro Educacional de Niterói, da Fundação Brasileira de Educação, referente ao bimestre agosto/setembro de 1984, eu já valorizava:

“A consciência de que fazemos parte de um todo é importante. E talvez alguns educadores não a tenham justamente porque não lhes permitiram desenvolver essa visão ainda na escola, quando foi formada a sua estrutura de pensamento.
A Filosofia, mãe de todas as ciências, vai mostrar ao aluno que a Física, a Química, a Matemática e a Biologia estão há muito tempo aliadas na busca de respostas humanas, do sentido da vida, do princípio e fim das coisas. A Psicologia trará maior compreensão quanto à consciência surgida na evolução da vida. E a Sociologia completará o quadro ligando o homem ao processo social, à Geografia e à História.
É preciso que [...] permitamos esses conhecimentos a nós mesmos e ao aluno. É necessário que ele possa se ver dentro de um bloco compacto de conhecimentos e não mais no esfacelado a que está acostumado [..] É importante que tenha, desde cedo, oportunidade de ver que as angústias – que o fazem sentir-se diferente dos outros – foram as dúvidas dos grandes pensadores da humanidade”

O Centro Educacional de Niterói, naquela época, mantinha a Filosofia em seu currículo e o aluno do segundo grau, ali, já tinha, no contato com Saussure, a oportunidade de descobrir a Língua como ciência.
Lembro-me de um aluno, na aula de Literatura, encantado com a máxima dialética do linguista francês: "Então, a Língua muda porque não muda, professora?"
Às vezes, me pergunto em quantos aspectos de sua vida aquele aluno aproveitou o conceito, que eu mesma volta e meia evoco.

domingo, 13 de junho de 2010

"Acima de qualquer suspeita"

“Acima de qualquer suspeita”, com Michael Douglas no papel do promotor capaz de plantar evidências nas cenas dos crimes que “elucida”, é título nacional homônimo do mais antigo e não menos intenso “Acima de qualquer suspeita” protagonizado por Harrison Ford.

Os dois filmes giram em torno da ideia – exaustivamente trabalhada em nossas novelas – de qualquer inescrupuloso, algumas vezes com a ajuda de policiais corruptos, poder forjar provas contra aquele que, por razões pessoais ou profissionais, possa lhe interessar culpar de alguma coisa. No caso dos filmes, de assassinato.

O filme mais antigo trata do assunto do ponto de vista das emoções, inclusive as sufocadas.

O mais recente mostra um promotor capaz de friamente planejar destruir a vida de pessoas com o objetivo de garantir os tais – ironia! -respeitos profissional e social que o impeliriam para “cima”. Desprezivelmente autoenganado ( vide nesse blog artigo “Respeitabilidade e Autoengano” ).

Mas a indignação maior nasce da observação do jornalista vivido por Jesse Metcalfe. Diríamos que ele é a própria encarnação da “meta-hipocrisia”...
Pois, se a hipocrisia se evidencia sempre que alguém utiliza dois pesos e duas medidas em suas avaliações: um peso, para seus interesses e outro peso, para os demais, a meta-hipocrisia, descubro agora, pode ser percebida quando alguém, como o repórter investigativo no filme, associa seus interesses mais mesquinhos ao - a princípio - nobre objetivo de derrubar um hipócrita. Conseguindo, em suas ações, ser ainda mais hipócrita do que o hipócrita. No caso da história em questão, vemos que o personagem – dizendo-se decidido a provar, em nome de um ideal, o quanto eram passíveis de fraude as provas circunstanciais plantadas pelo promotor – visava mesmo era o reflexo positivo em sua carreira que poderia advir do desmascaramento do mau caráter. Carreira em nome da qual, diga-se de passagem, ele era capaz de fraudar e matar.

Ainda bem que na vida real, como na ficção, podemos contar tanto com autoridades quanto com jornalistas honestos, corajosos, apaixonados pela permanente busca da verdade e, por isso, merecedores do verdadeiro respeito de si mesmos e de cada um de nós.
Como, no filme, a promotora vivida impecavelmente por Amber Tamblyn, e o jornalista, amigo de “Metcalfe”.
Como o juiz João Pedro, no romance “A Juíza”.
Como o jornalista Arthur, personagem importante do romance que estou concluindo.

sábado, 5 de junho de 2010

Eduardo Galeano

Talvez possamos dizer que, em certo sentido, o valor de um livro seja determinado na mesma medida pelo perfil daqueles que o apreciam e daqueles que o desprezam.

No posfácio de "As Veias Abertas da América Latina", Eduardo Galeano declara ( grifos nossos ):

"...os comentários mais favoráveis que o livro recebeu não provêm de nenhum crítico literário de prestígio, mas das ditaduras que o elogiaram, proibindo-o."

Desse livro:

"Nestas terras, o que assistimos não é a infância selvagem do capitalismo, mas a sua cruenta decrepitude. O subdesenvolvimento não é uma etapa do desenvolvimento. É sua consequência. O subdesenvolvimento da América Latina provém do desenvolvimento alheio [...]."

"O sistema encontra seu paradigma na imutável sociedade das formigas. Por isto se dá mal com a história dos homens, [na qual]cada ato de destruição encontra sua resposta - cedo ou tarde- num ato de criação."


E, provavelmente se referindo ao fato de seus livros haverem sido proibidos por falarem da realidade imediata, em "Nós Dizemos Não", Galeano declara:

"Os donos do poder se refugiam no passado, acreditando que ele está quieto, está morto, para negar o presente [...]. A história oficial nos convida a visitar um museu de múmias. Assim, não há perigo: pode-se estudar os índios que morreram há séculos e, ao mesmo tempo, pode-se desprezar ou ignorar os índios que vivem agora. Pode-se admirar as ruínas portentosas dos templos, da Antiguidade, enquanto se assiste de braços cruzados ao envenenamento dos rios e à destruição dos bosques onde os índios têm morada na atualidade."

A verdade é que parece muito fácil postar-se como pessoa politizada e humanista, confundindo os ingênuos com um discurso bonito mas sempre voltado para causas distantes - no tempo e/ou no espaço - dos próprios interesses ou conveniências.

O Código Florestal e Míriam Leitão

Gosto quando leio um texto escrito com paixão.

Salvo a possibilidade - que existe - de eu estar completamente por fora dos acontecimentos e não haver compreendido nadinha - a economista Míriam Leitão, sob o título "Código do Erro", escreve sua coluna de hoje, em "O Globo", preocupada com a perspectiva da adaptação de nosso "Código Florestal".

Cuida ela, além dos riscos que tal medida possa representar, do quanto as reformas pretendidas poderiam acabar por anistiar aqueles que desde sempre descumpriram o que preceitua o documento, trazendo claros prejuízos, por outro lado, aos que, nesses 50 anos de sua existência, a ele se mantiveram atentos.

Aproveito a oportunidade para frisar o quanto é importante estarmos abertos a cada coisa que alguém diz ou escreve, evitando, por exemplo, rotulá-lo de forma definitiva como de direita ou de esquerda.

A verdade é que deveríamos nos manifestar a favor ou contra cada atitude ou palavra, concedendo a nós mesmos o direito de abraçarmos ideias porque nelas acreditamos e nunca apenas porque formuladas por determinado partido ou por estarem vinculadas a determinadas correntes ou pessoas.

Vale a pena conferir o artigo.

Obs. Só depois de publicar o texto acima é que vi o artigo do deputado Aldo Rebelo intitulado "A Guerra Comercial das ONGs", à página 7 do primeiro caderno do mesmo jornal.

Utilizando, por incrível que possa parecer, argumentos semelhantes aos apontados por Míriam Leitão, ele defende a posição exatamente oposta à da economista, concluindo assim:
"É o momento de restaurarmos, com a reforma do Código Florestal, a lógica da produção ambientalmente sustentável sem nos deixarmos influenciar pelo intrépito da guerra comercial das ONGs internacionais."

Como é difícil algumas vezes para nós, leigos, decidirmos com quem está a razão!

Para mim, isso se resumiria a saber quem, afinal, ao invés de defender os interesses de nosso povo, tem coragem de se colocar a serviço do agronegócio e dos interesses estrangeiros: aqueles que defendem a reforma do Código Florestal, ou aqueles que se lhe opõem?

Vou procurar conversar com aqueles melhor informados do que eu...
Se me decidir, publico aqui minha conclusão... Caso contrário, continuarei a pensar sobre o assunto e espero que meus leitores façam o mesmo.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

"Sherlock Holmes"

Não gostei.
História mal construída e nada nesse detetive e em seu parceiro encontrou eco em mim, naquilo tudo que antes ouvira ou lera sobre os personagens.
Muitos reclamam: a famosa frase "Elementar, meu caro Watson!" não foi pronunciada uma vez sequer durante todo o filme. Nota 7.
Tudo bem que a proposta fosse outra... Mas então o nível de exigência sobe ainda mais. Nota 5.

Sandra Quintela

Querem aprender sobre Economia e Justiça Social?
Querem entender a questão do petróleo?
Querem tomar conhecimento dos horrores de que o capital - aquele mesmo que financia campanhas e anuncia produtos - é capaz?
Querem conhecer alternativas possíveis para todas as políticas que estão aí?
Pesquisem e leiam os artigos da economista Sandra Quintela. Fiquem atentos sempre que ouvirem seu nome.

"Amor sem escalas"

Fora a exposição nua e crua do que seja a demissão em massa de funcionários e a frieza do mundo globalizado diante de seus sentimentos, podemos resumir assim esse filme: é a história mais caricaturalmente feminista veiculada pelos cinemas nos últimos tempos.

Vemos Ryan, o personagem vivido por Clooney, apresentado como o homem mais desgarrado e avesso às relações humanas profundas que se possa imaginar, acabar por se envolver com uma mulher que encarna nada menos do que o arquétipo do perfeito machista. Capaz inclusive de separar muito bem sua vida de mãe de família – mantida em segredo - daquilo que chama “fuga”, e que consiste em brincar - e ela o diz com todas as letras - de ser espécie de Ryan “com vagina”.

Pode ser que aquelas que já se descabelaram muito na tentativa de se relacionarem com homens do tipo descrito - e que não hajam tido coragem de olhar para dentro de si mesmas para descobrirem o porquê - desliguem a televisão com a alma lavada, após verem Alex levar Ryan a perceber que se deparou com alguém tão superficial quanto ele mesmo. Mas todos aqueles que esperam que as relações humanas evoluam ( uma mulher livre não pode ser prisioneira do estereótipo do macho descompromissado ) para algo bem melhor do que o modelo que inclui mulheres das quais Vera Farmiga - na pele de Alex - encarna espécie de caricatura chegam ao fim da sessão apenas cansados.

Registre-se que Ryan talvez haja revisto sua filosofia de vida, tornando-se inclusive mais generoso e capaz de amar, em vista da ameaça de viver algo parecido com aquilo que sua profissão o levava a oferecer a tantas pessoas: a demissão. Ou quase isso.
A possibilidade de ver-se definitivamente com os pés no chão pode havê-lo obrigado a parar de fugir de si mesmo.
Mas ficamos sem saber se sua primeira decepção amorosa estreitará ainda mais seu contato consigo mesmo, levando-o a questionar o trabalho, que retoma e de cuja dimensão terrível começara a suspeitar, ou se simplesmente voltará a ser o Ryan "aéreo" de sempre.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

"NÓS QUE NOS AMÁVAMOS TANTO"

A mulher de Nicola, temendo pelo emprego do marido, diante da reação dos "hipócritas" aos seus comentários apaixonados sobre o filme “Ladrões de Bicicleta”, que acaba de ser exibido no estabelecimento de ensino no qual ele lecionava:

“Tem de escolher, Nicola: os ideais ou a família...”

“Mas por quê?” – devolve ele, e escuta:

“Por que o mundo é assim!”

Bem intencionado, ele arremata:

“Mas, se é assim, precisamos mudá-lo!”


Gianni, relutando em trocar de caminho, escuta do milionário que virá a ser seu sogro e sócio em negócios escusos:

“Lembre-se de que quem vence a batalha contra a consciência vence a guerra da existência.”

Infelizmente, parece que desde sempre a família foi usada como argumento - contraditoriamente altruísta - para convencer muitos a abrirem mão daquilo em que acreditavam...
Por que não dizer a Nicola: “Isso, Nicola, já que tem um filho, não se pode deixar seduzir pelos valores daqueles que pensam que um ser humano tem apenas necessidades materiais a serem atendidas. E o espírito? E o sentimento de se pertencer a algo maior, seja ele Deus ou o simples processo histórico?”
Ou simplesmente: “ Isso, Nicola, o certo é que a verdadeira felicidade só será de um homem quando for de todos os homens... E esse dia pode estar longe, mas seu filho precisa saber que você já se colocou a caminho”...

Em “Nós que nos amávamos tanto”, obra prima de Ettore Scola, três amigos idealistas, decididos a participarem da construção de um mundo melhor, são testados pela vida, no período de 30 – 45 a 75 – anos da História da Itália.

Belíssimo filme!, pede atenção ao personagem Antonio, que, apesar de algumas atitudes questionáveis, parece ser aquele que se mantém até o fim mais motivado. Vide como tenta conscientizar os pais à porta da escola do filho, uma das últimas cenas do filme. É como se ele - dentre os três, o menos ambicioso - nos acenasse para a importância das pequenas atitudes diárias, a operarem mudanças primeiro em nossas próprias vidas.

O filme - atual? - faz menção ainda a: redes de televisão que manipulam a opinião pública; livros grandiosos recusados por não atenderem aos interesses comerciais das editoras; equívocos impostos como verdades ao interpetrar-se uma obra de arte; inúmeros crimes cometidos em nome da ganância e do egoísmo... O filme retrata esse mesmo homem de hoje, que conhecemos bem, sempre interessado em dominar o espaço e cada vez mais convencido de que, por tabela, pode também dominar o tempo...

Prazeroso constatarmos ao final: Gianni, que enriquece pelos piores meios, dá mostras da consciência da inutilidade de toda sua vida. Pena que os protagonistas atuais da vida real, que sabemos haver percorrido caminhos semelhantes, parecem cada vez mais abraçados ao autoengano, decididos a não darem o "braço a torcer"...

De qualquer forma, é para Gianni que parece dirigida a frase em dado momento pronunciada por Nicola: “Viver como se gosta custa pouco, pois se paga com uma coisa que não existe: a felicidade”...
Talvez pensar que a felicidade não exista sirva realmente de consolo àqueles cujas escolhas os afastem cada vez mais da única felicidade possível, que é a da comunhão do homem com aquilo que é sua própria essência. Escondidos de si mesmos, é certo que os muitos Giannis da atualidade precisam primeiro ter coragem de olhar por trás de suas muitas máscaras para depois poderem vislumbrar o que seria a mais simples e verdadeira alegria possível a um ser humano.

“Achávamos que mudaríamos o mundo, mas foi ele que nos fez mudar”, é uma das últimas tiradas de Nicola, o intelectual dos três.

Pois foi resistindo às mudanças, para não abrir mão daquilo que realmente importava - seu ideal e o amor da mulher que, em momentos diferentes e para seu sofrimento, acabou se envolvendo com seus dois amigos -, que Antonio tornou-se ainda mais ele mesmo...
De qualquer forma, "não mudar" talvez exija bastante flexibilidade e, por outro lado, o mundo só transforma negativamente aqueles que abram mão da própria vida em função de algo que, no fundo, no fundo, nunca os convenceu.

A humanidade, por sua vez, parece-nos engessada, ainda que isoladamente cada homem venha a modificar-se de uma ou outra maneira.
Gosto de dizer que mudam os cenários, os panos de fundo, para o desfilar sem fim, nos palcos da vida, de personagens a repetirem os mesmos conflitos humanos, inclusive os mesmos movimentos de "mudança". A humanidade permanece a mesma, cuspindo sem parar homens aturdidos entre o impulso para o seu melhor e as tentações em nome da “família”, da “vitória sobre a guerra da existência”... Permanece a mesma, sem saber se acredita ou não nessa alguma coisa pulsante chamada coração que, em algum instante, até mesmo pelo pior dentre os homens, pode ser sentido como o grande guardador de todos os segredos, bombeador de sangue, sentimentos e Consciência...

Enfim, à imagem do personagem do filme “O Feitiço do Tempo” ( vide artigo “’O Feitiço do Tempo’, em Míriam Leitão” ), a humanidade como um todo parece presa nessa repetição sem fim de personagens Giannis, Nicolas e Antonios, bem como de outros que, ao contrário destes, sequer chegam a vislumbrar a diversidade das escolhas possíveis... No entanto, talvez estejamos caminhando em espiral, ao invés de em círculos, como, à primeira vista, possamos pensar... E se, de três bem intencionados em cada ponto da História, acabar por sobrar um Antonio, disposto, ainda que aos “trancos e barrancos”, a não desistir de seu trabalho de formiguinha ( parodiando Saussure: o homem muda - no melhor sentido - porque não muda ), certo será que um belo dia ter-se-á a massa crítica necessária a mais um grande salto em nossa evolução.

Obs. Costumo associar as três buscas humanas: o autoconhecimento - através ou não da psicanálise; a espiritualidade e a luta política por um mundo mais justo e melhor para todos. Uma parece levar à outra naturalmente.
Por incrível que a alguns possa parecer, consciência política e Consciência espiritual talvez tenham mais pontos em comum do que pensamos.
Em relação a "A Juíza", ouvi interpretações as mais interessantes: uns dizem haver compreendido a Consciência, voz narradora da história, como consciência social, política mesmo; outros, perceberam nela o transcendental.
Em ambos os casos, meus leitores registraram que uma ou outra iam se atualizando à medida em que o personagem se aprofundava na busca de si mesmo.