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quarta-feira, 23 de junho de 2010

Desestigmatizar

Como friso em um dos primeiros artigos nesse blog ( “Margarida” ), acho muito injusto que pessoas acometidas por doenças graves - como o câncer, por exemplo -, tenham seu sofrimento multiplicado pela carga de culpa advinda das conclusões que permeiam o imaginário social a respeito do quanto o ódio alimentado nos corações das pessoas seria o principal responsável por algumas dessas moléstias...

Ainda que pudéssemos comprovar que todos aqueles que odeiam acabam desenvolvendo algum tipo de mal físico, ou que grande parte dos doentes terminais tivesse sido sufocada por seus sentimentos negativos, todos nós conhecemos pessoas maravilhosas e autoconscientes que um dia adoeceram... E não me venham com essa história de que “quem vê cara não vê coração”, pois sabemos muito bem que, se encaramos alguém em seu dia a dia, podemos sentir, mais do que ver, aquilo que vai em sua alma.


Em “O Andar do Bêbado”, Leonard Mlodinow nos apresenta, numa acessível linguagem científica, provas de que fazemos bem em desconfiar de certos padrões: o homem, inclusive especialistas em várias áreas – o que é mais grave -, tende a buscar aqueles que rejam o comportamento humano, certo de que, assim, poderá fazer previsões e ter um maior controle sobre tudo.

Mlodinow faz o alerta:

“A evolução do cérebro humano o tornou muito eficiente no reconhecimento de padrões; porém, como nos mostra o viés da confirmação, estamos mais concentrados em encontrar e confirmar padrões que em minimizar nossas conclusões falsas. Ainda assim, não precisamos ficar pessimistas, pois temos a capacidade de superar nossos preconceitos. Um primeiro passo é a simples percepção de que os eventos aleatórios também produzem padrões. Outro é aprendermos a questionar nossas percepções e teorias. Por fim, temos que aprender a gastar tanto tempo em busca de provas de que estamos errados quanto de razões que demonstrem que estamos certos.”

Infelizmente, a arrogância e a vaidade de nossa espécie parecem levar muitos de nós a preferirem o controle/poder advindo das suas certezas “estatisticamente comprovadas" - ainda que desconfiem de que possam não haver somado dados suficientes para tirar conclusões absolutas -, do que terem de admitir que a verdade talvez seja muito mais relativa do que se possa à primeira vista supor.

Sigamos mais um pouco o pensamento do físico:

“[ ...] mesmo que nossos dados tenham uma significância de 3%, se testarmos 100 médiuns em busca de habilidades psíquicas – ou 100 medicamentos ineficazes, em busca de sua eficácia -, devemos esperar que alguma pessoas pareçam ser médiuns, ou que alguns remédios ineficazes pareçam eficazes. É por isso que pesquisas eleitorais, ou estudos médicos, especialmente os de pequeno porte, às vezes contradizem outras pesquisas ou estudos.”

E mais:

“Quando o meu fogão da marca Viking começou a apresentar defeitos e, por acaso, uma conhecida me contou que tivera o mesmo problema, comecei a dizer aos meus amigos que evitassem essa marca. Quando tive a impressão de que as aeromoças de vários vôos da United Airlines eram mais carrancudas que as de outras companhias, comecei a evitar os vôos da United. Eu não tinha muitos dados, mas minha intuição identificou padrões.”

Leonard Mlodinow afirma a seguir que, ao fazermos uma análise mais apurada, vemos que muitos dos pressupostos da sociedade moderna se baseiam “em ilusões coletivas”.

Vejam o que ele diz, logo depois de demonstrar como até aquilo de que somos testemunhas oculares pode ser discutível:

“ Também usamos a imaginação para pegar atalhos e preencher lacunas nos padrões de dados não visuais. Assim, como com as informações visuais, chegamos a conclusões e fazemos julgamentos com base em informações incompletas, e concluímos, ao terminarmos de analisar os padrões, que a “imagem” a que chegamos é clara e precisa.

Mas será que é mesmo?”

Isso tudo sem falar no quanto o ser humano pode ser tendencioso quando se trata de algo que lhe interesse de maneira especial.
Assim, é praticamente certo que, autoenganadamente ou ciente de seu desejo de manipular determinada situação, muitos são capazes de resvalar para declarações ou conclusões muito pouco confiáveis. Prejudicando o resultado de qualquer pesquisa, estejam eles do lado pesquisado ou do lado pesquisador.

Um exemplo interessante, no livro em questão, o autor traz daquele filme no qual o personagem vivido por Richard Gere, ao frequentar secretamente uma escola de dança, desejoso de fazer uma surpresa à esposa, é pego seguidamente em mentiras que levam sua mulher a ter certeza de sua traição.
Mlodinow nos explica onde se localiza o erro do padrão identificado: a mulher acreditava que a maioria dos homens que traem mentem. Seu marido fora flagrado em mentiras, portanto era certa, para ela, a conclusão de que a estivesse traindo.
No entanto, ela se esquecera do óbvio: ainda que todos os homens que traíssem mentissem, sempre existiriam muitos motivos a levarem um homem a usar tal artifício: nem todo homem que mente está traindo sua esposa.

Foi aí que fiquei pensando: ao receber-se em escolas ou instituições – dedicadas a educar e proteger - aqueles jovens das classes menos favorecidas, que vivem expostos a riscos vários; e sabendo-se, por confidência ou dedução, que foram eles vítimas de algum tipo de violência doméstica, dever-se-ia tomar cuidado com a certeza que perpassa o imaginário da sociedade, incluindo-se o de profissionais, segundo a qual todo aquele que foi um dia agredido passa a ser um agressor em potencial.

Pensemos, diante da certeza de haver um número enorme de variantes a afetarem o comportamento de cada indivíduo: ainda que a maioria daqueles que hajam cometido atos de violência tenham um dia sofrido algo semelhante, certamente é infinitamente maior o número daqueles que foram de alguma maneira agredidos e reagiram de outras formas.

No caso, talvez devêssemos levar em consideração, por exemplo, dentre outros dados, se o jovem, apesar de agredido por uns, recebeu amor de outros... Quem sabe aprendeu o que é respeito no contato com bons professores?
Afinal, sabemos que muitos, embora não tenham sido diretamente atacados, pelo simples fato de haverem sido ( ou menos: de se haverem - mimados - sentido menos amados do que gostariam ) de alguma forma desamados ( vide exemplos nas classes mais altas ), desenvolvem algum tipo de recalque a transformá-los em verdadeiros sociopatas...

Aonde quero chegar: imagino que a aproximação seja mais fácil entre sociedade/educadores/cuidadores e todos aqueles necessitados de proteção, se não permitirmos que pese sobre estes últimos qualquer estigma determinista.
É preciso que nossos jovens percebam que sabemos que podemos deles esperar o melhor.