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sexta-feira, 29 de maio de 2009

Sobre Mães e Filhas / O Clube da Felicidade e da Sorte ( DVD )

Filme sobre mulheres e seus relacionamentos como mães e filhas, apesar de trazer à tona questões relacionadas à história chinesa, acaba por provar que nem tão diferentes assim são as culturas oriental e ocidental, pelo menos em se tratando da alma feminina.
Na verdade, o que se percebe no desenrolar das cenas é mesmo o quão é universal e arquetípica essa relação cujos reflexos são percebidos na vida de todos ao redor.
Por outro lado, talvez pudéssemos destacar o quanto as mulheres chinesas ( antigamente? ) parecem tomar como realidade ( objetiva ) as “maldições de família”, que nós, ocidentais, tendemos a jogar para o campo da superstição ( no máximo as associamos a espécie de "karma" relacionado ao arbítrio ), ou – as mais intelectualizadas – para as áreas da psicologia e da ciência, com suas abordagens dos traumas, das heranças genéticas e influências ambientais.
Fato é que, de qualquer maneira, é impressionante a força dos elos que parecem ligar cada mulher a sua mãe, de um lado, e à própria filha, de outro, de forma que as possamos imaginar numa imensa corrente, especialmente se, como as chinesas, acreditarmos que tal ligação possa se estabelecer também, e com a mesma intensidade, na adoção de uma filha.
Conheço uma mulher ocidental, inteligente e moderna, que, ao ver sua mãe em sério risco de vida, ajoelhou-se aos pés de sua cama, pedindo a Deus por sua cura. De repente, viu-se invadida por um receio ( supersticioso? ) de que, se continuasse a pedir pela saúde materna com aquela ansiedade, ainda que sua mãe se recuperasse, ela própria cairia, vítima de um mal qualquer.
Contou-me ela que chegou a titubear, mas a venceu o sentimento de que, nada podendo fazer no sentido prático e objetivo para salvar a vida daquela à qual estava irremediavelmente ligada pelas boas e más influências, tinha de tentá-lo através de suas orações, ainda que isso significasse seu próprio enfraquecimento.
Lembrei da história quando, no filme, surgiu a filha que, tendo sido expulsa de casa pela mãe, ao encontrar a genitora à beira da morte, não reluta em servir-lhe um prato de sopa temperada com o próprio sangue vertido de talho por ela mesma provocado, conforme preceituavam os costumes da época.
Como dissemos no início, parece que as chinesas tendiam a concretizar suas emoções, a ponto de poder manipulá-las ( com as mãos mesmo ); enquanto aqui conseguimos “fingir”, em nossas práticas exteriores, que nada de incompreensível se passa no subterrâneo de nossas almas. Mesmo sendo invadidas por pensamentos estranhos como o que acometeu minha conhecida que, mais tarde, após a recuperação de sua mãe, chegou à conclusão de que suas preces provavelmente não haviam tido nada a ver com aquela cura. No entanto, afirmou-me ela, tinha certeza de que, caso houvesse interrompido, na ocasião, suas orações, e a senhora houvesse, então, de fato, partido, ela não teria dúvidas quanto à qualidade infame de sua decisão.
A verdade talvez seja que quanto mais tempo pudermos dispor para compreender em profundidade, olhando para nossas mães, a argila na qual fomos moldadas; criando condições - como parecem haver conseguido todas as mulheres do filme - de oferecermos material cada vez mais consciente para que nossas filhas procedam à própria modelagem, melhor. Muito melhor. Principalmente se, como no filme, acabarmos conseguindo transmitir-lhes ESPERANÇA.
De resto, temos de admitir que percorremos caminhos muito menos objetivos do que provavelmente gostaríamos. Forças inconscientes? Maldição de família? Memória atávica de um tempo no qual sequer seria possível o estabelecimento de conceitos como oriental e ocidental?
No lado invisível do mundo da minha conhecida ocidental, ela vivenciou espécie de metáfora do melhor heroísmo: arriscar a própria vida para salvar a de sua mãe. E, sem dúvida, atenta a esse movimento, acabou por humanizar-se, salvando a si mesma da escuridão.