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sábado, 23 de maio de 2009

A menopausa e minha avó

Enquanto vejo a menopausa chegar, observo minha avó declinar da vida.
Parece-lhe começar a ler um texto melancólico? Quem sabe!?

Outro dia, reunidos alguns filhos e netos, as atenções voltadas à anciã, as perguntas e brincadeiras de sempre se seguiram.
Gostamos de perguntar a vovó, apontando para o próprio peito, se ela nos ama. A resposta vem forte e decidida: “Adoro!”
É sempre assim, sem variação.
Da última vez, no entanto, em que a brincadeira tivera início, formulada a pergunta de sempre, tivemos a ideia de lhe apontar alguém estranho à família, para nos certificarmos de que sabia o que estava dizendo.
Qual não foi nossa satisfação quando ela titubeou, tentou não responder, mas diante da insistência ( malvada ) de todos, disse simplesmente e com muita dificuldade: “Ela é simpática”.
Minha avó, centenária, há algum tempo não se lembra de nossos nomes, e não separa com clareza quais sejam seus filhos dos netos. Não se lembra do que acabou de comer... Se recusa a entabular qualquer conversa. Permanece, a maior parte do tempo, “cochilandinho”.
No entanto, seus olhinhos ganham brilho todas as vezes em que lhe dizemos que a amamos. E ela se esforça por nos dar a certeza do seu amor sempre que solicitada. Amor esse mais valorizado ainda, depois que o vimos negado àquela que, embora minha avó haja tratado com cortesia, não reconhecera como uma “dos seus”.

O que tem isso a ver com menopausa?
Ora, tem que foi observando a minha avó que cheguei à conclusão de que somente nosso corpo e intelecto envelhecem, enquanto nossos sentimentos permanecem fortes e indestrutíveis.
Com o passar dos anos, vamos dando cada vez menos valor aos nomes, sexo e títulos das pessoas: o que importa se é uma neta ou um neto; Maria ou João; professora ou médico? O que importa se é o filho bem sucedido e rico; ou se é aquele que luta com dificuldade?
Minha avó apenas nos ama. A todos. Intensamente. Mesmo que comece a demonstrar uma certa vontade de partir. De deixar de cochilar, e dormir...
Bem, a chegada da menopausa nos fala do declínio de nossas funções biológicas.
Muitas mulheres, principalmente as que não têm um companheiro, temem recepcionar esse momento da vida com a certeza de não despertar mais qualquer interesse nos exemplares masculinos da espécie. Afinal, ficamos sabendo, através das pesquisas mais recentes, que o que move um homem em direção a uma mulher é o impulso para a procriação. Ficamos sabendo também que algumas características físicas, dentre elas os óvulos fresquinhos seriam intuitivamente buscados pelos homens por esse mesmo motivo: frutificar, ter filhos.
Assim, algumas mulheres, apavoradas, de determinado momento em diante, passam a viver em função das reposições hormonais e minerais ( mais pelo “odor exalado” do que pela osteoporose, creiam ); de ginásticas e cirurgias plásticas; de visitas a especialistas vários... Tudo isso de maneira evidentemente mais intensa do que seria necessário para manter a saúde e a boa aparência indispensáveis.
Entretanto, tais mulheres terão dado início a uma guerra inglória.
Fadadas à derrota, mais dia, menos dia, quando não lhes restar qualquer recurso ilusionista, terão de admitir que perderam. E perderam tempo precioso dedicando-se desproporcionalmente à parte de si para a qual o único caminho é a deterioração; esquecendo-se de investir, de prestar atenção naquilo que de fato se eterniza, conforme aprendi com minha avó.

E foi lá, na casa da minha velhinha, sentada em sua cadeira de balanço colocada ao lado da cama hospitalar recentemente alugada, que tive um pensamento formidável ( ela gostava muito dessa palavra ).
Cheguei à conclusão de que uma mulher mais velha, que saiba aproveitar a liberdade proporcionada pela queda dos hormônios ( o que não é o final da vida sexual, mas permite, ironicamente, que sejamos mais exigentes ); que seja esclarecida sobre si mesma e interessada nas questões fundamentais da existência; consciente da fragilidade da condição humana e da necessidade de encontrar um propósito maior para a vida – enquanto ela dure...
Pois bem, essa mulher, ainda que não possa mais colocar bebês no mundo; ainda que não possa procriar, ela está apta a criar, e tem viço, pois é capaz de amar ( e de amar em suas mais variadas formas ).
Dessa maneira, é apenas uma questão de aceitar a possibilidade de viver bem sozinha, e de realmente tentar fazê-lo, que, um dia, quando menos espere, seus olhos poderão cruzar com os olhos de um homem que, como ela, haja percorrido o caminho da maturação interior, estando já em busca de outro tipo de procriação, e muito poderá acontecer...

Enfim, no dia em que contei essa minha descoberta para vovó e lhe disse que estava imaginando possíveis faíscas espirituais vindas da certeza desse encontro fértil e capaz de muitas formas de criação, minha avó sorriu e me disse baixinho: “É verdade...”