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sexta-feira, 31 de julho de 2009

O MENINO DO PIJAMA LISTRADO ( um dos melhores filmes de todos os tempos )

“A infância é medida por sons, aromas e cenas,
Antes de surgir a hora sombria da razão.”

Do autor do livro que deu origem ao filme, as palavras me fazem lembrar o comentário de alguém sobre meus textos no blog.
Disseram-me que são eles misto de inteligência e ingenuidade. E, olhem, a própria pessoa que o disse parecia não saber tratar-se de uma crítica ou de um elogio...
Mas foi enquanto a ouvia que me dei conta de que estava atingindo o meu objetivo, e me senti gratificada.
Se, como na história do “Fisher King”, o lado ingênuo do rei é o responsável por torná-lo um sujeito inteiro, talvez seja mesmo de ideias esboçadas a partir de um coração aberto e ingenuamente inteligente ( mais do que inteligentemente ingênuo ) que possamos falar daquilo que realmente importa, e a um número maior de pessoas.

Bem, mas voltemo-nos para “O Menino do Pijama Listrado”.
Ouvi alguns comentários sobre o quanto parece inverossímil a possibilidade sugerida pela narrativa desse filme quanto a seus personagens, mesmo os dois meninos de 8 anos, não se darem conta do que de fato ocorria à sua volta, naquele campo de extermínio nazista.
A mim, isso pareceu inteiramente plausível, talvez por ter a impressão de que este não seja essencialmente um filme sobre o holocausto, mas um filme sobre o ser humano.
Assim, não só percebi evidente que as pessoas ali transitavam em um mundo confuso, movediço, a impeli-los para frente, como sinto que, nesse exato momento, muitos dentre nós também parecem não ver com clareza o que se passa a nossa volta...
E continuam... Simplesmente impelidos para ... frente...

Se não concordam comigo, vejamos: em um só dia, gasta-se uma fortuna em um jantar, que sequer é saboreado, devido à dieta ou à conversa sobre negócios; dirige-se um fabuloso carro, que jamais chegará a ser usado em sua potência máxima; veste-se roupas e acessórios caríssimos, que sequer valem o que custam, compra-se coisas que jamais serão usadas e acha-se que o tão pouco que possuem aqueles vislumbrados nas esquinas é “justamente” aquilo que lhes cabe por serem de outra classe social...
Depois, à noite, ao assistir à novela das 9 ( porque classe média alta também assiste à novela das 9 ) , experimenta-se o assombro com o sistema de castas da Índia ou com seus “dalitis” ( “Nossa! Ninguém pode ascender socialmente lá não, é?”), acalentando a lenda de que todos os nossos ambulantes são Sílvios Santos preguiçosos...
Não sei, mas parece que a certeza a respeito da possibilidade de ascensão social de nossos desvalidos acaba sendo a maior força a mantê-los aonde estão...

O fato é que, após assistir a esse filme, cheguei à conclusão de que o nazismo talvez haja sido mais terrível do que vimos supondo. Sob seu comando, não foram cruelmente violentados apenas os judeus. Os próprios soldados alemães e suas famílias, ao serem desumanizados, foram cruelmente brutalizados pela ditadura hitleriana.
Inclusive, fica difícil dizer quais, dentre estes últimos, os mais abusados: se aqueles rapidamente cooptados pelo regime, tendo sua humanidade estraçalhada, ou aqueles que, como a esposa do oficial, permanecem mais tempo distraídos em sua superficialidade fútil – muito parecida com a escolhida por parte de nossas elites como forma de vida - mas inocente até que, ao terem parte da verdade atirada em seu rosto, passam a se debater e se recusam a aceitar as atrocidades que são obrigados a testemunhar.

A propaganda daquele regime de horror, espécie de lavagem cerebral, penetrava fundo e lhes dizia o que eram e como deveriam se comportar, sob pena de serem seriamente punidos.
Como o foi, aliás, no filme, o tenente – mandado para o “front” da guerra, por não haver denunciado a fuga do próprio pai. Por sinal, é justamente quando a “fraqueza” paterna vem à tona que o rapaz dá demonstrações ainda mais duras do que as habituais no trato com os judeus: como se dependesse disso esclarecer sua posição.
Não é muito diferente o que ocorre com Bruno, o filho de oito anos do oficial nazista, ao negar, em dado momento, num impulso de autoproteção, sua amizade com o pequeno judeu Shmuel. Infidelidade, no entanto, que lhe é quase prontamente perdoada, muito provavelmente porque sua vítima podia compreender perfeitamente bem as reações que partem do medo.
Afinal, se se toma uma atitude que revela nossa incerteza quanto a nossa posição, o que nos aguardará do outro lado?

Assim é que as pessoas, de modo geral, parecem mesmo não saber exatamente o que as move, o tempo todo levadas que são por estímulos vários.
E os estímulos que partem da classe à qual se pertence são poderosos, sendo que o parco conhecimento de si mesmo deixa até o mais instruído dos homens à mercê de tal imposição...
Pela mesma razão, esse homem nosso contemporâneo não consegue perceber que nesse momento está sendo travada uma guerra cuja principal arma destruidora é simplesmente não se dar conta do que se passa a sua volta, da mesma forma que não se dá conta do que se passa em seu interior.
Fantoches, em nossa sociedade capitalista, pessoas das classes mais altas parecem soldados poderosos e vitoriosos, batalha após batalha, contra aqueles que já nasceram perdedores...
Acontece que nessa guerra, como na orquestrada pelo mais louco fascista de todos os tempos, é preciso coragem para se recusar a dela participar. E quem não encontra essa coragem dentro de seu coração ingênuo ( todos o têm em algum lugar ) acaba funcionando mecanicamente na destruição da sociedade que pensa construir.

Não sou grande conhecedora do pensamento marxista, mas aprecio principalmente a possibilidade de, através dele, podermos prever o que esperar enquanto sociedade fracassada. Bom seria se pudéssemos nos adiantar ao caos em busca de melhores condições de vida para um número maior de pessoas...
Outro dia, estava revendo uma das passagens que mais me marcaram na doutrina de Marx, sem dúvida a que se refere ao fato do germe da destruição do capitalismo se confundir com o próprio sistema. Imagem que remete à mesma lógica da contradição do nosso inconsciente...
Sempre compreendi tal passagem como uma referência ao fato de que algum dia nossas classes subalternas não suportariam tantas privações e se lançariam, força unida, em busca do que considerassem delas.
No entanto, com toda a organização demonstrada por alguns setores da sociedade, não consigo vislumbrar sequer de longe nossas massas sentando-se às mesas do Antiquarius enquanto discutem os próximos passos para a expropriação dos meios de produção.
Talvez pelo mesmo motivo, não sei, alguns “atrevidos” andem alardeando que Marx simplesmente errou em suas previsões.
De qualquer forma, se uma ditadura do proletariado propriamente dita não se avizinha, parece que o tal germe dentro do sistema está no estágio da multiplicação, prestes mesmo a levar-nos a uma implosão...
O impressionante é que os sintomas fatais acenando para isso não aflorarão com a tomada do poder pelos trabalhadores. Simplesmente porque a destruição do capitalismo talvez esteja sendo gerada literalmente dentro dos ventres de nossas classes mais abastadas.

A menina na novela das 9, ao se ver oficialmente “roubada” pelo tio, resolve passar para o lado da bandidagem propriamente dita – diga-se de passagem, grupinho todo formado por jovens bem arrumadinhos... Enquanto isso, sua mãe passeia em “luas de mel”...
Não é novidade que a rebeldia exacerbada, a violência e a drogadição de nossos jovens das classes mais altas muitas vezes é reflexo inconsciente do desprezo pelo estilo de vida escolhido por seus pais.
Não existem aqui judeus barbarizados. Mas existem pobres desprezados e empregados humilhados ( inclusive submetidos da mais simples à mais sofisticada prática de assédio moral ), explorados, privados de dignidade ou simplesmente cooptados - sem falar nas minorias agredidas e nas externalidades despejadas pelas grandes corporações no seio da sociedade como um todo - pelos pais desses jovens no exercício de suas funções. Existem filhos deixados aos cuidados do dinheiro e de tudo que possa ele comprar, enquanto seus pais se distraem com seus negócios confusos e muitas vezes além da fronteira de qualquer ética. Existem filhos esquecidos com suas questões e curiosidades sobre o mundo e que não podem conversar com sua mãe sobre o filme que acabaram de assistir porque ela, quando volta das compras, precisa dormir ou ir para a aula de ginástica...

Fico pensando, então, que, se o ser humano tende a se movimentar sonambulicamente quando não está preparado para compreender ou se posicionar diante do que o rodeia, uma das mais fortes armas a garantir o avanço do capitalismo selvagem ( e, claro, seu intrínseco colapso ) talvez seja a distração. Muitos negócios a fechar, muitas coisas a comprar, muito turismo a fazer ( Kant e Carlos Drumonnd de Andrade pouco saíram do lugar onde moravam ), muitos cuidados com o próprio corpo a empreender...
Pois não sobra tempo sequer para um pouco de contemplação, para o autoconhecimento... E bonecos, cada vez mais facilmente lançados para fora de si mesmos, a única coisa que parece restar à grande parte dos homens hoje é representar o melhor possível o “script” que lhe derem. E se deixarem lançar para... frente...

Em “O Menino do Pijama Listrado”, um dos melhores filmes de todos os tempos, a solidão de uma criança faz com que ela se volte, paralelamente, para si mesma e para o mundo. E ela se choca.
O filme é a história de sua perplexidade, ainda que não exatamente consciente, diante das inconsistências do ser humano e das estranhas ações do pai, a quem gostaria apenas de amar e admirar.
Parece que a cada vez que alguém, por escolha ou contingência, se vê consigo mesmo, é obrigado a tentar responder às únicas e verdadeiras questões da existência humana. Para as quais, ainda que jamais nos deparemos com respostas claras e definitivas, deveríamos estar permanentemente disponíveis, numa espécie mesmo de construção de nossa própria consciência...

No “bônus”, o roteirista fala sobre a possibilidade de trabalhar-se o preconceito, através da exibição desse filme nas escolas. Talvez devêssemos mesmo seguir sua orientação, pois somos uma sociedade tremendamente pre-con-cei-tu-o-sa. E o preconceito entre nós se evidencia principalmente em nossa passiva aceitação de que as diferenças entre as classes sejam simplesmente estratosféricas. Como se agíssemos e pautássemos nossas vidas previamente acreditando não haver outra maneira de ser para esse estado de coisas, e devêssemos aproveitar o fato de estarmos do lado do “conforto”.

Quando Bruno, o pequeno filho do oficial alemão, sentindo-se em “dívida”com o amigo Shumel, resolve ajudá-lo a procurar pelo pai e, vestindo-se como o judeuzinho, cava um buraco para atravessar para o outro lado, onde acaba morrendo - de mãos dadas com o companheirinho - numa câmara de gás, pensamos: talvez seja sabendo que do outro lado também estamos nós que perderemos o medo de dizer não àquilo que nos repugna. Ou de dizer basta àquilo que, por mais bonito, cheiroso, brilhoso, gostoso ou caro não está nos satisfazendo, e tentar melhorar o mundo antes que nossos filhos, inconsciente e reativamente que seja, acabem tentando fazer isso arriscando, literal e metaforicamente, a sua ( nossa ) própria pele.
A menina, na novela, e o menino Bruno passam para o lado ao qual os seus pensam não pertencer. Boa figura para o fato de que somos enquanto humanidade essencialmente permeáveis uns aos outros, resistamos ou não a isso.
Fico a pensar sobre o quanto seria reestruturador de nossa sociedade que nossos jovens, orientados para dentro de si mesmos, se percebessem, quando fosse o caso, conscientes de que não concordam com o que fazem seus pais – imaginem o poder transformador do desprezo lúcido de um filho -, sem precisar imitar seu comportamento ou se confundir com suas vítimas.
Lembremos de que o tio da menina, na novela, não passa de um ladrão perfumado.
E a família do meninozinho, no filme, ainda que disso não tivesse consciência ( o disfarce proporcionado pelo dinheiro e pelo poder também ilude nossas elites ), era tão - e, no sentido da desumanização, até mais - vítima e fora tão privada pelo regime nazista da dignidade humana quanto aqueles que, do outro lado do arame farpado, passavam seus últimos dias em terríveis pijamas listrados.
SHEILA MARIA MADASTAVICIUS

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Ninho Vazio ( para quem não viu ou viu )

Sinceramente, minha opinião é que não vale a pena.
Muito aquém das minhas expectativas diante de tema tão rico.
O filme dá voltas, e sua construção confusa não parece estar a serviço da sensibilidade ou da inteligência.
Sheila Maria Madastavicius

domingo, 19 de julho de 2009

THE CORPORATION ( obrigatório e para ser visto várias vezes )

Assisti a"The Corporation" pela terceira ou quarta vez. E com amigos que ainda não haviam assistido a este, que é um dos melhores documentários de todos os tempos.
É tanta informação, são tantos os fatos, que a cada vez chego à conclusão de que não será a última...
Tão desconcertante quanto aqueles produzidos por Michael Moore ( que nesse tem uma pequena participação ), ainda não vi quem assistisse ao documentário que não se levantasse indignado. Até por aquilo que já "sabia".
Conscientização instantânea e intensa sobre o desprezo que as corporações, de modo geral, demonstram pelo ser humano, submetendo-nos a inúmeras ameaças, duvido daqueles que não desligam o DVD decididos a participar da construção de um mundo melhor. Inclusive recomendando o filme.
SHEILA MARIA MADASTAVICIUS

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Sobre as COTAS

Sabemos que a questão das cotas passa diretamente pela culpa histórica.
Na verdade, acredito mesmo que, para superarmos qualquer trauma sofrido pela humanidade, ainda quando punidos seus agentes imediatos, tenhamos de tomar a culpa como algo amorfo, e procurar por ela responder de maneira a envolver a sociedade como um todo.
Sabemos também que a situação pouco privilegiada da maioria dos negros em nosso país é decorrente da exploração sofrida por eles durante a escravidão.
Cada cidadão brasileiro, branco, tomado individualmente, não é culpado de coisa alguma, sendo, no entanto, enquanto parte da humanidade, solidariamente responsável pelo resultado das ações históricas que culminaram com os procedimentos desumanos relacionados aos abusos a que foram submetidos tantos seres humanos, inclusive depois da abolição da escravatura.

Entretanto, não consigo me convencer de que as cotas sejam de fato a melhor forma de darmos início à justa compensação aos espoliados da História.
Até porque, como professora, tendo a acreditar que o fato de se ter 20 alunos dentro de sala apresentando alguma dificuldade no que diga respeito, por exemplo, à leitura e compreensão de textos complexos implicará em atraso no desenvolvimento das aulas e, em se tratando do ensino superior, em prejuízo da qualidade do curso e de todos os profissionais ali formados. Justamente porque é provável que isso sequer reflita nas notas desses alunos que, via de regra, são computadas de acordo com a conferência daquilo que o professor conseguiu trabalhar, não levando em conta o que ele foi obrigado a deixar para depois.
Dessa forma, se por um lado reconhecemos que tais alunos, por haverem sido privados de seu direito de desde sempre participarem do conjunto do conhecimento produzido pela humanidade, são hoje credores da sociedade; por outro lado, acredito que deva haver outra maneira de ressarci-los, sem que sejamos todos nós, inclusive ainda e mais uma vez os menos favorecidos, submetidos a espécie de reedição do mesmo castigo. E por resultados e tempo incertos, se não são pensadas formas de melhorarmos desde os primeiros anos escolares as condições de ensino-aprendizagem das camadas mais atingidas pela vergonha da “exploração do homem pelo homem”.

Não posso evitar a ideia de que as cotas estejam sendo instituídas simplesmente porque alguma coisa precisa ser feita. E provavelmente nossos governantes e legisladores consideram uma ação como essa, dita afirmativa – embora mais pareça protelativa -, um caminho mais fácil do que se voltar diretamente para a acumulação de capital, com a criação de um imposto específico para a Educação Básica, por exemplo - além de medidas realmente siginificativas no que se refira a um constitucionalmente digno salário mínimo ( não são poucas as donas de casa que pagam mais de 5 mil reais em uma bolsinha, mas se recusam a imaginar um salário melhor para sua cozinheira; e empresários que não se conseguem imaginar lucrando menos e pagando melhor a quem lhes serve tanto... ) . O que, ao acontecer de maneira proporcional e criteriosa, criaria condições indiscutíveis para a implementação de medidas realmente capazes de solucionar progressivamente todos os nossos problemas decorrentes da injustiça social.

Assim é que fico imaginando o que poderia ser feito, paralelamente ao estabelecimento do sistema de cotas, no sentido de que dele pudéssemos abrir mão o mais breve possível. E não consigo imaginar seguimento da sociedade com mais DIREITO e OBRIGAÇÃO de participar diretamente desse momento do que nossos políticos.
Simplesmente porque se, escolhidos pelo povo, sobre o qual pesa toda a amorfa culpa histórica de que falávamos, acabam usufruindo de inumeráveis benefícios, nada mais justo do que, também como nossos representantes, serem obrigados a contribuir com uma porcentagem da verba destinada a seus gabinetes ( que no Brasil parece ser três vezes maior do que nos países de primeiro mundo ) ou de seus salários, com o objetivo de criar condições, a médio prazo, de nossos jovens negros e pobres poderem ingressar por mérito nos cursos superiores de sua escolha.

Essa contribuição, além de destinar-se à melhoria da qualidade do ensino de modo geral, incluindo-se aí uma atenção aos cursos de formação de professores, poderia ter ainda um destino revolucionário.
Fico imaginando a possibilidade de uma MESADA a ser oferecida a cada aluno da rede pública, em pequenas parcelas diárias ou ao final de cada semana de aula ( garantindo sua presença na escola ), para que ele pudesse ter condições similares às de nossos filhos diante da rotina escolar: lanche ( além da merenda oferecida pela escola – por que não? ), material, LIVROS, passagens ( eles não precisam ir apenas à escola ), CINEMA, xeroxes, DIGNIDADE. O que, por acréscimo, ao desonerar suas famílias, acabaria por melhorar expressivamente sua qualidade de vida e, automaticamente, o aproveitamento dos estudantes.
Claro que cada aluno seria observado por assistentes sociais, psicólogos e professores no sentido de se identificar se estaria adquirindo o material necessário aos estudos, bem como andando limpo e alimentado.
E dentre os inúmeros benefícios de tal medida, registre-se que muitos desses jovens deixariam de ser alvo fácil de qualquer grupo que desejasse cooptá-los para o crime, acenando-lhes com dinheiro sujo e prazo de validade estreito. A escolha seria rápida: sua mesada, além de limpa, a acenar-lhes com a possibilidade do futuro.
Registre-se também que ninguém poderia acusar tal medida de “paternalista”, justamente porque é o que seria mesmo ela, uma vez que, em última análise, somos todos e cada um de nós, adultos, de certa forma, "paternalmente" responsáveis por cada criança que nos há de suceder no tempo e na História.

Penso também que não seja possível que pelo menos boa parte dos mais ricos dentre nós não se disponha a oferecer uma parcela de suas fortunas para a Educação Pública. Poderiam até, por livre e espontânea consciência, criar um imposto especial, e eles mesmos teriam o direito e o prazer de acompanhar e fiscalizar a aplicação desses recursos. Afinal, não é possível que já não hajam percebido que, a partir de certo ponto, um pouco mais ou um pouco menos de dinheiro não afeta a vida de ninguém.

Enfim, todos os demais membros da sociedade poderiam ser convocados a prestar serviços à comunidade como voluntários. Especialmente os funcionários públicos, que poderiam dispor, por exemplo, de um ou dois dia por mês para doarem. Sendo que os alunos das Universidades Públicas teriam OBRIGAÇÃO de fazerem pelo menos duas disciplinas eletivas que envolvessem o auxílio a estudantes carentes. A começar pela organização de turmas com aqueles jovens que já pudessem se inscrever nos concursos vestibulares, incluindo-se nesse projeto espécies de clubes de leitura e discussão das obras mais significativas da literatura universal.
Tudo isso porque não podemos perder de vista que, conforme afirma Saviani, "o trabalho educativo é o ato de produzir, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens".

É possível que esteja falando de utopias, mas acredito sinceramente que a implantação dessas medidas permitiria que as cotas ( quer direcionadas aos negros ou aos pobres ) pudessem ser progressivamente abolidas, evitando-se ainda a criação de novas hostilidades. Pois a mudança nos critérios de aprovação nos concursos vestibulares, ao alterar, num primeiro momento, mais significativamente o rumo das vidas de um grupo específico, nada amorfo, de pessoas, pode fomentar novos sentimentos de injustiça.
E é bom lembrar que o envolvimento de todos os cidadãos no explícito objetivo da construção de uma sociedade mais justa acabaria promovendo uma nova e clara consciência do quanto estamos todos concretamente “no mesmo barco”, à medida que fossemos percebendo o quanto a vida melhoraria em todos os sentidos, não só para aqueles que inicialmente enxergamos no lugar dos “ajudados”.
( Obs. Claro que poderiam ser pensadas possibilidades como a de excluir-se de uma vez dos vestibulares para algumas carreiras disciplinas como a Matemática, a Física e a Química.
Ao se formarem no ensino médio, os alunos já dão mostra de haverem adquirido informações e desenvolvido aptidões através dessas ciências suficientes para quem deseja ser um professor de Literatura, por exemplo.
Essa medida sem dúvida tornaria a seleção mais adequada - e justa, ao privilegiar o mérito naquilo que realmente importasse em cada caso.
E ficamos aguardando que melhores e realmente significativas condições de trabalho e salário sejam oferecidas a nosso heróico povo. O que também acabaria obviamente por se refletir na autoestima de cada um dos filhos das famílias mais humildes, e em em seu estado de prontidão para aprender em nossas salas de aula.)

domingo, 12 de julho de 2009

Uma família bem diferente ( DVD )

Comédia leve e bonita.
De maneira delicada, trata de questão fundamental em nossos dias: como devemos nos comportar diante dos primeiros possíveis sinais de homossexualismo numa criança?
Parece que a amorosa aceitação das diferenças talvez seja a única maneira de, no mínimo, impedirmos que pessoas sofram, e, no máximo, de evitarmos que alguns jovens homossexuais trilhem caminhos de rebeldia e transgressão, identificando-se com algum tipo de marginalidade, unicamente em resposta a um mundo que hipocritamente não os acolhe.

Romance: "Confie em mim"

Resolvi ler o livro de Harlen Coben.
Apesar de pecar pelo exagero na descrição de cenas violentas, deixa um recado interessante.
Ainda que vivendo numa época de tantos recursos tecnológicos, o que a princípio pode nos dar a impressão de que qualquer pessoa possa ter sua vida completamente controlada, o ser humano disso escapole.
Qualquer ação praticada com um objetivo sempre pode trazer resultados surpreendentes e até completamente opostos aos inicialmente idealizados.
Qualquer conclusão tirada a partir de dados roubados à vida de qualquer um pode ser completamente equivocada.

O Preço da Coragem ( DVD )

Assistir a qualquer filme com as amigas Adriana ( doutoranda em cinema ) e Débora ( cinéfila da melhor qualidade ) é enriquecedor.
Enquanto eu me atenho a minhas impressões essenciais quanto ao enredo, quanto àquilo que do filme permanece em mim, não sei qual das duas é mais capaz de analisar fotografia, direção e todos os outros aspectos que envolvem a observação profissional do percurso de qualquer ator.
Amigas, pode ser que mais pra frente eu me aventure a dar palpites mais completos... Por enquanto, contentem-se com o que meu coração “impressionado” resolve devolver.
E que, em “O Preço da Coragem”, é o quase óbvio: a certeza de que acima de qualquer guerra, e em vista da relativização de qualquer culpa, um valor maior se alevanta: a humanidade.
A humanidade pela qual luta a personagem principal desse relato de fatia de nossa história real... A humanidade que identifico no filme com a criança que se “intromete” em inúmeras cenas: o que importa o lado no qual haja nascido? O que importa sua nacionalidade?

sábado, 11 de julho de 2009

O Pescador de Ilusões ( DVD )

Quem leu “HE”, “SHE” e “WE”, de Robert A. Johnson, familiarizando-se com alguns dos conceitos da psicologia analítica de Jung, certamente teve maior facilidade para reconhecer nesse filme o mito de Parsifal. E para compreender o “Santo Graal” como a própria integração das partes geralmente em conflito no interior de cada homem: o lúcido e o louco; o bom e o mau; a razão e a emoção; o sábio e o tolo; o masculino e o feminino...
A mulher assassinada no início do filme é uma forte metáfora para o aprisionamento ao qual a maioria dos homens submete seu lado mais sensível.
A história do “Fisher King” - história dentro da história – resume todo o filme: o lado “bobo”, ingênuo, é que consegue salvar o rei ( o homem ), o todo, integrando suas partes.
Amar uma mulher de carne e osso, que inclusive envelhece, só é possível ao homem inteiro, após contato profundo com sua anima, que jaz, face feminina, no fundo de sua alma.

O show de Trumamm, o show da vida ( DVD )

Enquanto não enfrentarmos nossos maiores temores, sejam eles quais forem, mergulhando no "oceano" de nossa alma, permaneceremos vulneráveis a todo tipo de manipulação: simples marionetes do "destino".

UM HOMEM BOM ( DVD )

Como as pessoas comuns, ainda que de boa índole, são manipuladas através de suas fraquezas e vaidades e postas a serviço do poder estabelecido!

A PARTIDA ( imperdível )

Belíssimo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Um filme sobre o ser humano... e a vida e... a morte... e a vida... e a morte... e a vida e a morte e............................

sexta-feira, 10 de julho de 2009

"INSUBMISSÃO À VIDA" ( resumido )

Em O Globo, Veríssimo definiu o peculiar comportamento do atormentado Michael Jackson, naquele processo sem fim de autotransformação, como de “insubmissão à vida”.
Fascinada pela expressão, vejo que podemos observar a nossa volta uma grande variedade de comportamentos que também podem ser assim classificados.

Em entrevista a uma conhecida revista, uma personalidade de nossa televisão declara que é “bonita, gostosa, feliz e boa companhia” e que “a menopausa é um mito”. Ela responde assim à jovem jornalista sobre a qualidade de sua vida sexual aos 60 anos: “Muito boa. Acho que até melhor que a sua. Porque eu já aprendi mais, claro. Sou uma mulher completa, gosto de sexo, faço o meu companheiro não precisar fazer sexo com mais ninguém.”
Ou seja, ela, profissional que reúne inúmeras qualidades e criatura aparentemente nada atormentada, também parece pecar por “insubmissão à vida”, e de maneira bastante comum às mulheres de sua idade que se destacaram de uma ou outra forma, tornando-se formadoras de opinião.

E isso é assustador, pois seu discurso e sua postura certamente colocarão em movimento uma infinidade de mulheres, no sentido de, aos sessenta anos, poderem se sentir da mesma forma. Ainda que precisem enganar a si mesmas. Ainda que se tornem cada vez mais vítimas dos apelos do consumismo “embelezador” e “rejuvenescedor”, que mais iludem do que resolvem...

São muitos os exemplos parecidos. E a mesma conclusão: a sensualidade da mulher mais velha deve necessariamente passar por outras vias que não as do corpo, por mais lindo que, para a idade, ele possa ser - e é claro que é sempre bom estarmos o melhor possível em cada idade. Mas as vias do corpo são as vias da procriação, estejam as mulheres dispostas ou não a engravidarem. O que as sexualiza mais então - e desperta por elas o interesse de um número maior de homens - é essa possibilidade.

E acontece que a menopausa não é mito, não. É algo bem real. A ideia é não encará-la como doença, já que se trata de mais uma fase na vida da mulher. Por outro lado, o que não parece nada bom é o fato de tantas mulheres nossas contemporâneas resolverem negar a queda hormonal, como se pudesse haver qualquer recurso capaz de neutralizá-la completamente.

Algumas, já que não precisam mesmo sustentar uma ereção, parecem encontrar na declaração de uma sexualidade poderosa - ainda que fantasiosa - uma espécie de vingança em relação aos homens mais velhos, que começam a precisar de estimulantes mais fortes, sejam eles em forma de drogas farmacêuticas ou de mulheres mais jovens e férteis.

Bem, já que me incluo entre aquelas mulheres que não têm medo de envelhecer, sinto-me na obrigação de lembrar as outras de que a melhoria da qualidade dos relacionamentos sexuais não depende apenas do desenvolvimento de técnicas ou da superação de qualquer problema ligado à repressão.

Sendo o sexo basicamente um instinto e não fruto de processo progressivo de aquisição de conhecimentos, quaisquer conquistas podem apenas determinar que uma mulher madura que, em virtude de seus bloqueios e medos, não haja tido uma boa vida sexual na juventude possa perceber, ao libertar-se, que desfruta melhor desse aspecto de sua vida.

Da mesma forma, algumas poderão afirmar aos 70 anos que sua vida sexual continua tão prazerosa quanto na juventude, apenas porque o prazer experimentado então fora quase nulo, consistindo mais de gestos, caras e bocas do que de sensações. ( E não nos esqueçamos de que alguns fumantes, por exemplo, parecem viciados também nos gestos envolvidos no ato de fumar. Daí que acredito nas mulheres que dizem "adorar" sexo sem haver experimentado qualquer sensação mais intensa em toda sua vida. Talvez elas precisem, de alguma forma, dos gestos, das caras e das bocas mesmo. )

No entanto, qualquer mulher que haja vivido plenamente sua sexualidade jamais poderá negar que o tempo e a queda dos hormônios afetem, sim, a intensidade do prazer sexual, ainda que ele continue a ser significativo.

Mas... e daí? Acontece com todas nós. E seria importante que aquelas que têm voz tivessem coragem de admiti-lo. Para que as silenciosas pudessem começar a ser mais felizes, dentro de parâmetros com os quais pudessem de fato se identificar.
Pois o que parece é que nossos velhas estão sendo culturalmente sexualizadas.
Tendemos a associar a felicidade à conquista, à beleza, à juventude, ao consumo de produtos ligados aos cuidados com o corpo e à indumentária. O prêmio para quem trabalha direitinho e consegue adquirir os produtos certos? Mais tempo em campo, disputando parcerias sexuais.

Para muitas, assim, a felicidade gira apenas em torno das conquistas amorosas. E parece muito difícil, para elas, compreender que um relacionamento amoroso depois de certa idade possa ser construído em bases menos sexualizadas. Quem sabe aquelas bases das conquistas espirituais, ou culturais, ou artísticas, ou políticas? Quem sabe aquelas encontradas numa parceria voltada para a construção de um mundo melhor, mais justo, menos fútil, preocupado com questões essenciais?

E isso certamente não quereria dizer ausência de sexo. Ao contrário, além de nos permitir viver esse aspecto da vida, aceitando o arrefecimento progressivo de seu ímpeto, significaria um real aproveitamento, em uma dimensão mais espiritualizada, de nossas capacidades de receber e oferecer carinho.

Na verdade, o desenvolvimento de condições que ampliem nossa expectativa e qualidade de vida com as quais vimos nos deparando deveriam vir acompanhadas de uma nova concepção da felicidade e mesmo do romance e da vida sexual entre parceiros de mais idade... Simplesmente porque, com o prolongamento de nossa expectativa de vida, vão ser muitos anos de estéril ansiedade, em uma busca no mínimo anacrônica, a não ser que descubramos como vivê-los de uma maneira mais... adequada.

Afinal, esperar, aos sessenta, setenta anos, garantir a fidelidade de um homem através de méritos como a aparência ou habilidades sexuais deve gerar muita ansiedade e sofrimento. Como colocar nossa felicidade na dependência de fatores tão frágeis e cada vez mais fugidios?
Se um homem é fiel a uma mulher madura, pode-se ter certeza de que isso não é devido ao desempenho ou capacidade de atração sexuais de sua parceira. Simplesmente porque não se tem mais, depois da menopausa, a mesma pele, o mesmo viço, o mesmo apelo ao instinto... Ainda que se opte por qualquer reposição hormonal.

E o mais terrível é que tenho certeza de que muitas mulheres, totalmente atordoadas pelos valores superficias que nos circundam, haverão de ficar muito chateadas se ouvirem de seus companheiros que eles lhes são fiéis em nome não de seu poder de atração sexual, mas em nome simplesmente do amor...

Vale lembrar, ainda que rapidamente, que os homens, embora às vezes demorem um pouco mais a serem atingidos pelo baque das transformações hormonais, quando isso acontece, pelos mesmos motivos acima enumerados, infelizmente, não são poucos os que acabam se submetendo a situações ridículas e humilhantes, resistindo também à mudança de fase.

Quanto a Michael Jackson, ele não morreu simplesmente: parece que se desmanchou em sua busca pelo impossível... Enquanto parecia tentar calar com analgésicos aquilo que realmente requeria sua atenção...
Tão bom se pudéssemos aproveitar a comoção provocada pela partida desse exemplo máximo de “insubmissão à vida”, para admitirmos que a cada momento correspondem seus próprios limites, e pensarmos em uma nova maneira mais madura e verdadeira de nos relacionarmos com a... vida!

Enfim, tenho certeza de que aceitar a perda de coisas boas associadas à juventude é a única maneira de aproveitarmos as coisas boas que chegam com a idade madura.

Cedamos aos jovens o seu lugar...

Depois, haveremos de descobrir que um mundo no qual as pessoas sejam mais... submissas... diante do envelhecimento certamente será um mundo de pessoas mais humildes em todos os sentidos. Mais humildes e mais fortes, por incrível que possa parecer, diante do inevitável.
Será um mundo de pessoas mais conhecedoras de si mesmas.
Será um mundo no qual as pessoas não mais tacharão de depressão suas tristezas e dores e perdas cotidianas. Deixando de delas fugir, seja através de pílulas, de drogas, de cirurgias plásticas ou de qualquer comportamento que beire mais à apelação do que à espontânea realização de um desejo.

Os desejos mudam. Quanto mais pessoas admitam que é bom que seja assim, mais perto estaremos do dia em que não mais seremos escravos da propaganda ou da opinião alheia...
E disso conscientes, como mulheres mais velhas, estaremos mais perto de ser de fato uma boa e humana companhia, primeiro, para nós mesmas e para todos os que nos cercam; depois, se dermos sorte, para um bom, humano e maduro homem de verdade.

Estejam a quantas estiverem os nossos hormônios. E pronto.