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sexta-feira, 10 de julho de 2009

"INSUBMISSÃO À VIDA" ( resumido )

Em O Globo, Veríssimo definiu o peculiar comportamento do atormentado Michael Jackson, naquele processo sem fim de autotransformação, como de “insubmissão à vida”.
Fascinada pela expressão, vejo que podemos observar a nossa volta uma grande variedade de comportamentos que também podem ser assim classificados.

Em entrevista a uma conhecida revista, uma personalidade de nossa televisão declara que é “bonita, gostosa, feliz e boa companhia” e que “a menopausa é um mito”. Ela responde assim à jovem jornalista sobre a qualidade de sua vida sexual aos 60 anos: “Muito boa. Acho que até melhor que a sua. Porque eu já aprendi mais, claro. Sou uma mulher completa, gosto de sexo, faço o meu companheiro não precisar fazer sexo com mais ninguém.”
Ou seja, ela, profissional que reúne inúmeras qualidades e criatura aparentemente nada atormentada, também parece pecar por “insubmissão à vida”, e de maneira bastante comum às mulheres de sua idade que se destacaram de uma ou outra forma, tornando-se formadoras de opinião.

E isso é assustador, pois seu discurso e sua postura certamente colocarão em movimento uma infinidade de mulheres, no sentido de, aos sessenta anos, poderem se sentir da mesma forma. Ainda que precisem enganar a si mesmas. Ainda que se tornem cada vez mais vítimas dos apelos do consumismo “embelezador” e “rejuvenescedor”, que mais iludem do que resolvem...

São muitos os exemplos parecidos. E a mesma conclusão: a sensualidade da mulher mais velha deve necessariamente passar por outras vias que não as do corpo, por mais lindo que, para a idade, ele possa ser - e é claro que é sempre bom estarmos o melhor possível em cada idade. Mas as vias do corpo são as vias da procriação, estejam as mulheres dispostas ou não a engravidarem. O que as sexualiza mais então - e desperta por elas o interesse de um número maior de homens - é essa possibilidade.

E acontece que a menopausa não é mito, não. É algo bem real. A ideia é não encará-la como doença, já que se trata de mais uma fase na vida da mulher. Por outro lado, o que não parece nada bom é o fato de tantas mulheres nossas contemporâneas resolverem negar a queda hormonal, como se pudesse haver qualquer recurso capaz de neutralizá-la completamente.

Algumas, já que não precisam mesmo sustentar uma ereção, parecem encontrar na declaração de uma sexualidade poderosa - ainda que fantasiosa - uma espécie de vingança em relação aos homens mais velhos, que começam a precisar de estimulantes mais fortes, sejam eles em forma de drogas farmacêuticas ou de mulheres mais jovens e férteis.

Bem, já que me incluo entre aquelas mulheres que não têm medo de envelhecer, sinto-me na obrigação de lembrar as outras de que a melhoria da qualidade dos relacionamentos sexuais não depende apenas do desenvolvimento de técnicas ou da superação de qualquer problema ligado à repressão.

Sendo o sexo basicamente um instinto e não fruto de processo progressivo de aquisição de conhecimentos, quaisquer conquistas podem apenas determinar que uma mulher madura que, em virtude de seus bloqueios e medos, não haja tido uma boa vida sexual na juventude possa perceber, ao libertar-se, que desfruta melhor desse aspecto de sua vida.

Da mesma forma, algumas poderão afirmar aos 70 anos que sua vida sexual continua tão prazerosa quanto na juventude, apenas porque o prazer experimentado então fora quase nulo, consistindo mais de gestos, caras e bocas do que de sensações. ( E não nos esqueçamos de que alguns fumantes, por exemplo, parecem viciados também nos gestos envolvidos no ato de fumar. Daí que acredito nas mulheres que dizem "adorar" sexo sem haver experimentado qualquer sensação mais intensa em toda sua vida. Talvez elas precisem, de alguma forma, dos gestos, das caras e das bocas mesmo. )

No entanto, qualquer mulher que haja vivido plenamente sua sexualidade jamais poderá negar que o tempo e a queda dos hormônios afetem, sim, a intensidade do prazer sexual, ainda que ele continue a ser significativo.

Mas... e daí? Acontece com todas nós. E seria importante que aquelas que têm voz tivessem coragem de admiti-lo. Para que as silenciosas pudessem começar a ser mais felizes, dentro de parâmetros com os quais pudessem de fato se identificar.
Pois o que parece é que nossos velhas estão sendo culturalmente sexualizadas.
Tendemos a associar a felicidade à conquista, à beleza, à juventude, ao consumo de produtos ligados aos cuidados com o corpo e à indumentária. O prêmio para quem trabalha direitinho e consegue adquirir os produtos certos? Mais tempo em campo, disputando parcerias sexuais.

Para muitas, assim, a felicidade gira apenas em torno das conquistas amorosas. E parece muito difícil, para elas, compreender que um relacionamento amoroso depois de certa idade possa ser construído em bases menos sexualizadas. Quem sabe aquelas bases das conquistas espirituais, ou culturais, ou artísticas, ou políticas? Quem sabe aquelas encontradas numa parceria voltada para a construção de um mundo melhor, mais justo, menos fútil, preocupado com questões essenciais?

E isso certamente não quereria dizer ausência de sexo. Ao contrário, além de nos permitir viver esse aspecto da vida, aceitando o arrefecimento progressivo de seu ímpeto, significaria um real aproveitamento, em uma dimensão mais espiritualizada, de nossas capacidades de receber e oferecer carinho.

Na verdade, o desenvolvimento de condições que ampliem nossa expectativa e qualidade de vida com as quais vimos nos deparando deveriam vir acompanhadas de uma nova concepção da felicidade e mesmo do romance e da vida sexual entre parceiros de mais idade... Simplesmente porque, com o prolongamento de nossa expectativa de vida, vão ser muitos anos de estéril ansiedade, em uma busca no mínimo anacrônica, a não ser que descubramos como vivê-los de uma maneira mais... adequada.

Afinal, esperar, aos sessenta, setenta anos, garantir a fidelidade de um homem através de méritos como a aparência ou habilidades sexuais deve gerar muita ansiedade e sofrimento. Como colocar nossa felicidade na dependência de fatores tão frágeis e cada vez mais fugidios?
Se um homem é fiel a uma mulher madura, pode-se ter certeza de que isso não é devido ao desempenho ou capacidade de atração sexuais de sua parceira. Simplesmente porque não se tem mais, depois da menopausa, a mesma pele, o mesmo viço, o mesmo apelo ao instinto... Ainda que se opte por qualquer reposição hormonal.

E o mais terrível é que tenho certeza de que muitas mulheres, totalmente atordoadas pelos valores superficias que nos circundam, haverão de ficar muito chateadas se ouvirem de seus companheiros que eles lhes são fiéis em nome não de seu poder de atração sexual, mas em nome simplesmente do amor...

Vale lembrar, ainda que rapidamente, que os homens, embora às vezes demorem um pouco mais a serem atingidos pelo baque das transformações hormonais, quando isso acontece, pelos mesmos motivos acima enumerados, infelizmente, não são poucos os que acabam se submetendo a situações ridículas e humilhantes, resistindo também à mudança de fase.

Quanto a Michael Jackson, ele não morreu simplesmente: parece que se desmanchou em sua busca pelo impossível... Enquanto parecia tentar calar com analgésicos aquilo que realmente requeria sua atenção...
Tão bom se pudéssemos aproveitar a comoção provocada pela partida desse exemplo máximo de “insubmissão à vida”, para admitirmos que a cada momento correspondem seus próprios limites, e pensarmos em uma nova maneira mais madura e verdadeira de nos relacionarmos com a... vida!

Enfim, tenho certeza de que aceitar a perda de coisas boas associadas à juventude é a única maneira de aproveitarmos as coisas boas que chegam com a idade madura.

Cedamos aos jovens o seu lugar...

Depois, haveremos de descobrir que um mundo no qual as pessoas sejam mais... submissas... diante do envelhecimento certamente será um mundo de pessoas mais humildes em todos os sentidos. Mais humildes e mais fortes, por incrível que possa parecer, diante do inevitável.
Será um mundo de pessoas mais conhecedoras de si mesmas.
Será um mundo no qual as pessoas não mais tacharão de depressão suas tristezas e dores e perdas cotidianas. Deixando de delas fugir, seja através de pílulas, de drogas, de cirurgias plásticas ou de qualquer comportamento que beire mais à apelação do que à espontânea realização de um desejo.

Os desejos mudam. Quanto mais pessoas admitam que é bom que seja assim, mais perto estaremos do dia em que não mais seremos escravos da propaganda ou da opinião alheia...
E disso conscientes, como mulheres mais velhas, estaremos mais perto de ser de fato uma boa e humana companhia, primeiro, para nós mesmas e para todos os que nos cercam; depois, se dermos sorte, para um bom, humano e maduro homem de verdade.

Estejam a quantas estiverem os nossos hormônios. E pronto.