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sábado, 2 de outubro de 2010

"COMER, REZAR, AMAR"

A sensação que pode ficar após assistirmos a “Comer, Rezar, Amar” é a de que ouvimos o galo cantar mas não sabemos exatamente aonde...

Em sua proposta de registrar a busca pelo autoconhecimento vivida pela escritora do livro de mesmo nome e que de fato empreendeu as viagens à Itália, à Índia e a Bali belissimamente reproduzidas pelo filme, a película pode também ser vista como arremedo de volta em torno de nós mesmos. Viagem essa que, por sua vez, de um jeito ou de outro, empreende todo e qualquer ser humano decidido a desfazer-se de seus engessamentos - inclusive culturais -, em busca do sabidamente difícil “equilíbrio interior”.

“Comer” pode ser compreendido como ir ao encontro de nosso lado mais humano, instintivo mesmo. Implica em nos conhecermos através da observação de nossos instintos mais primitivos, associados ao próprio prazer que nos mantém vivos e em condições de contribuir para a perpetuação da espécie.

“Rezar” pode ser compreendido como ir ao encontro de nosso lado divino, de nossa capacidade de, após conhecermos a fundo nossas próprias vísceras, podermos identificá-las “religiosamente” com as dos demais seres humanos. “Ver-nos no outro e o outro em nós mesmos” poderia resumir essa face do filme, etapa fundamental para a descoberta do amor universal, metaforizado na história pelo nome da menina “Tutti”, filha da mulher que, em Bali, cuida daqueles que atende, enquanto fala do quanto se identifica com suas dores.

É interessante observarmos o quanto, apesar de o filme registrar que as observações e comentários feitos pelo “Xamã” a cada um de seus visitantes passam pelo óbvio ( não nos esqueçamos de que, ao final, ele menciona a própria morte ) - quase igual em todos os casos -, sua participação no processo de autoconhecimento de cada um não é desvalorizada. Justamente porque esse caminho acena mesmo e necessariamente para a humilde consciência de, apesar de todas as nossas idiossincrasias, sermos mais iguais uns aos outros do que a princípio poderíamos preferir acreditar.

“Amar” é, assim, a capacidade sempre latente em nosso coração e potencializada por todo o processo da busca de nós mesmos. É apenas quando nos conhecemos... É apenas quando, ao nos conhecermos profundamente, podemos nos aceitar integralmente ( no filme, chamam a essa aceitação de “perdoar-se” ) - e, por tabela, a cada outro ser humano - que nos tornamos capazes de Amar.

O amor pelos filhos - que, ao ser mencionado por dois personagens, emociona a cada vez mais brilhante atriz Julia Roberts – sempre foi exercício para o amor universal. Já o amor romântico, como o Xamã sabiamente explica, pode ser um saudável “desequilíbrio” no conquistado “equilíbrio interior” daquele que se determinou a caminho da própria alma.

Daonde, então, a sensação de que o galo cantou mas não sabemos aonde?

A verdade é que não fica claro no filme que o “equilíbrio interior” não seja um prêmio definitivo oferecido ao final de todo processo de autodescoberta. Ou que todo amor romântico vivido a partir de então não nos irá manter eternamente a caminho de uma linda ilha deserta – cena que encerra o filme...

Cabe a cada um procurar o canto do galo no fundo do próprio coração, certo de que “equilíbrio interior” não é a chegada a qualquer “platô” estático de bem-aventuranças... Certo de que “equilíbrio interior” é nada mais do que tentarmos manter, paralelamente a nossa busca cotidiana pelo nosso melhor possível, a humana, humilde e plena aceitação de todos os pequenos e grandes ciclos da vida, que certamente incluem as permanentes possibilidades da dor, da perda e da morte.