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sábado, 2 de outubro de 2010

"É Proibido Fumar"

Coloquei o texto antes no blog, mas, como não tinha completa certeza do quanto não gostara ou gostara desse filme, achei por bem deixar meus comentários amadurecerem um pouco mais no rascunho...

O filme "É proibido fumar" não é um filme propriamente sobre pessoas comuns, mas sobre pessoas que, apesar de trabalharem com música, parecem desconectadas e incomumente mal sintonizadas com os próprios sentimentos...

A verdade é que a grande maioria das ditas pessoas comuns, ao contrário de Baby - personagem principal do filme, tem seus pequenos interesses e se dedica com carinho a alguma atividade que, ainda que das mais simples e mal remuneradas, preenche suas vidas e as tornam úteis...


Em nome do próprio umbigo, várias transgressões são por Baby a si mesma permitidas, a partir do momento em que acredita haver encontrado alguém que vá tapar o buraco da sua vida. Vida essa baseada em desejar sofá ( depois desprezado ) que ficara com uma das irmãs, em assistir a inutilidades na TV, em fumar, e em dar aulas de violão completamente desmotivadas.

Abrir mão do hábito de fumar em nome do relacionamento iniciado com o vizinho parece ser uma concessão importante... Mas basta-lhe prever a ameaça ao romance, surgida com a volta de uma ex-namorada, para que se sinta no direito de fazer orifícios na parede com o fim de espioná-los, além de voltar ao triste vício. Vício em nome do qual, saindo para comprar cigarros, acaba por atropelar acidentalmente o alvo de seus ciúmes.

É ao se ver em luta com sua consciência, uma vez que o atropelamento permanece por ser esclarecido, que a personagem parece viver o momento de maior humanização. Ao dizer à irmã preferida que tem algo para lhe contar, temos a impressão de que se refere a seu segredo. Mas, de repente, o que deixa sair, entre sentidos soluços, são lembranças carinhosas sobre uma tia falecida, cujo bolo de amendoim não poderia mais comer...

Naquele momento, ao buscar aflitivamente algo que pudesse disfarçar o anunciado desabafo que acaba preferindo não fazer, Baby talvez haja tocado num tanto das emoções represadas ao longo de sua existência... Se o disfarce muitas vezes mais revela do que encobre, talvez ela se haja percebido, ao constatar perdida a receita dos bolos de sua infância, a roçar a importância de outras perdas...

Outro momento digno de atenção no filme é quando, durante jantar, a professora de violão diz ao namorado ter algo a lhe revelar... Mais uma vez, somos levados a imaginar a confissão... Mas ela fala apenas de metade daquela culpa: voltara a fumar.

A imediata aceitação do rapaz ( que já não compara sua comida com a da ex ) a deixa satisfeita. Talvez pelo mesmo motivo que nós, ao contrário, experimentamos certo desconforto... Justamente porque entendemos tal atitude, vinda daquele que odiava a fumaça e que já descobrira o terrível segredo da namorada ( não ficando claro se sabia que se tratara de atropelamento acidental ), como espécie de declaração de sua disposição - em nome daquele relacionamento / salva-vidas para ambos? - de aceitar qualquer outra sua transgressão.

E saímos do cinema ( ou desligamos o DVD ) pensando que chega a ser irônica - apesar de absolutamente necessária - a proibição, em nome do bem-comum, de fumar em lugares públicos, em uma sociedade na qual tantas pessoas são capazes de viver egoística e amoralmente em nome de seus desejos e de suas ânsias.