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quinta-feira, 9 de setembro de 2010

NOSSO LAR

OS COMENTÁRIOS ABAIXO SE REFEREM AO FILME “NOSSO LAR” E NÃO AO LIVRO DE MESMO NOME PUBLICADO HÁ MUITOS ANOS.

Sinceramente, “Nosso Lar” é uma decepção enorme. Acredito que não só para mim que, apesar de espiritualista, não me posso dizer espírita, mas também para os espíritas desejosos de abordagens artísticas mais criativas para a doutrina que já conhecem bem.

Vamos falar, por exemplo, das metáforas utilizadas tanto para o lado do “mal”, quanto para o lado do “bem”, nos quais transitam os personagens - todos muito pouco consistentes - da trama baseada no livro de Chico Xavier...

Lama, escuridão, abandono e pobreza absoluta recepcionam os que tenham uma dívida grande com a espiritualidade... Belas construções e belos jardins; bons – ainda que frugais – alimentos; e excelentes “hospitais”, além de muita claridade e cor é o que podem esperar encontrar aqueles que estejam mais perto de Deus, por haverem se comportado melhor aqui na Terra.

Pois chego à conclusão de que “Nosso Lar” pode ser considerado, além de tudo, um bocado preconceituoso. Deve ser justamente porque associamos ao bem as belas coisas exteriores acima citadas que acabamos em nossa sociedade aceitando que os ricos, fartamente servidos de todas elas, façam o que bem entendam de tudo e de todos a sua volta. Assim, a verdade é que, em Nosso Lar, como aqui, pode parecer que Deus esteja do lado da beleza e da riqueza como as conhecemos...

Isso para não falarmos no fato de que - por, nos anos 30, a cidade a caminho do céu apresentar o aspecto de nossas cidades contemporâneas, inclusive pelo uso de computadores - o espectador mais desprevenido pode concluir, ainda que amorfamente, sobre estarmos hoje, enquanto humanidade, mais evoluídos espiritualmente, mais próximos de "Nosso Lar" do que a família do médico André Luiz à época do registro do filme. O que seria, sabemos bem, um disparate, pois, ao contrário, quanto mais evoluímos técnica e cientificamente, mais parecem pulular, a nossa volta, a maldade, o egoísmo, a hipocrisia e a competição.

E pasmem: do lado “bom”, no filme, ainda encontramos ministérios e ministros... E não há nada mais capitalista do que a vida depois da vida lá, em “Nosso Lar”, onde circula espécie de moeda, que deve ser acumulada, e ouvimos - em tom panfletário - alguns moradores da cidade citarem o número de anos levados para adquirirem sua casa “própria”... O que no mínimo pode ser contraditório, na medida em que esperamos justamente que os há mais tempo ali chegados demonstrem menor dependência dos valores terrenos...

Fato é que o filme nos leva a crer que os sonhos daqui também continuam sendo os sonhados por lá... Mais falta de imaginação, impossível!

Quando será que cineastas e roteiristas começarão a imaginar um “depois da morte” desvinculado dos valores, hábitos e formas da medíocre vida humana?

Deixo uma sugestão e, se quiserem, podem me chamar que colaboro na construção de um bom roteiro... Que tal imaginarmos algo assemelhado àquela historinha que corre de boca em boca por aí e que já nem sei mais onde a ouvi pela primeira vez? Aquela historinha que conta que, tendo sido uma visita levada a conhecer o céu e o inferno, surpreendeu-se ela por não ver qualquer diferença entre um e outro lugar, uma vez que ambos, à primeira vista, ofereciam os mesmos recursos, a mesma estrutura, as mesmas cores... E até os mesmos problemas. Por exemplo: todos, tanto em um, quanto em outro lugar, apesar da bela figura, tinham os braços tortos, a lhes impedirem de levar o talher com o delicioso alimento à boca. No entanto, enquanto no inferno a fome, por conta disso, era uma ameaça constante, no céu, superaram o problema rapidamente: sentados em torno de uma imensa mesa redonda, cada membro daquela comunidade alimentava seu vizinho da direita e era alimentado pelo companheiro da esquerda.

Perceberam o espírito? Pois é, desse espírito, podemos fazer muitas histórias.

E uma vez que partamos do princípio de que as individualidades permaneçam intactas depois da morte e que queiramos romancear a vida entre uma e outra reencarnação, deveríamos ser capazes de imaginar a busca de crescimento espiritual, inclusive os dramas de consciência comuns ao processo, de forma mais sutil e delicada.

Afinal, todos nós sabemos que o inferno, o lodo e a imundície habitam o interior das "piores" pessoas – pobres ou ricas -, assim como o céu, a paz e a pureza transparecem no olhar de nossos "melhores" representantes. Os cineastas precisam encontrar maneiras de representar isso que não sejam tão óbvias quanto em “Nosso Lar”. Pois certo é que um filme de ficção espírita ou espiritualista não pode ser metaforizado pela aparência material das coisas, como o são os de ficção científica.

Assim é que acabei de me convencer de que um grande sucesso de bilheteria imediatamente ( sem tempo para o boca-a-boca ) após o lançamento de um filme nem sempre é sinal de que ele seja bom. Pode ser que o tema instigue – como acredito que seja o caso de “Nosso Lar” - e a propaganda seja boa. Apenas isso.

Em relação a “Nosso Lar” ainda, suponho que a grande maioria dos espectadores espíritas saia decepcionada do cinema, ainda que de maneira inconsciente, confusa. Pode ser que digam que gostaram do filme porque o filme é exatamente o que esperavam que fosse. Mas talvez saiam insatisfeitos, porque no fundo - preservada sua fé -, como qualquer um de nós, eles esperam que uma obra de arte acrescente alguma coisa a suas reflexões de sempre sobre o maior de todos os temas da vida humana.

Os demais espectadores ( exceto talvez os mais velhos e apegados à vida como a conhecemos ), por outro lado, talvez se decepcionem por esperarem histórias que lhes falem da unidade entre todos os homens e da permeabilidade entre eles de suas piores e melhores características; por esperarem histórias que lhes tragam notícias da evolução da humanidade enquanto todo, ao invés do progresso absolutamente estanque, individual, de cada espírito em relação a cada outro, como vemos em "Nosso Lar".

Enfim, não tenho certeza de haver lido o livro de Chico Xavier, mas o que sei sobre o respeitado médium é que foi um homem que fez questão de viver na mais absoluta simplicidade, completamente desapegado dos valores materiais. Os jardins, o sol, a beleza, ele fazia questão de criá-los todos os dias dentro de seu coração, ensinando, com seu testemunho de vida, que a paz é uma postura diante da vida e não uma condição palpável.

Obs. O melhor do filme: nuances do relacionamento médico/cliente.

*Acabei só me lembrando de revisar esse texto ( geralmente faço isso durante os primeiros dias após escrever e publicar cada um deles ) hoje, 16/10. Infelizmente, havia, mais do que de costume, aqui, uma série de coisinhas - vírgulas e "s" - a serem acertadas.
De qualquer modo, a leitura agora flui bem melhor.