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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Sobre a aposentadoria compulsória de juízes criminosos

Penso que os juízes, enquanto categoria profissional, deveriam receber salários ainda melhores e usufruir de todas as prerrogativas e garantias possíveis no sentido de se verem protegidos de qualquer tipo de assédio – inclusive daquele possivelmente advindo de seus próprios pares.

Talvez eles devessem mesmo ter direito a uma participação na renda de todos os cartórios sob sua jurisdição... Por que não, uma vez que o objetivo dos cartórios jamais deveria ser enriquecer os responsáveis por sua administração? Seria sim uma maneira de, sem onerar o Estado, reconhecer-se que, na Justiça, não há quem mereça ser mais valorizado do que aquele de quem esperamos a imparcialidade e o total interesse em aproximar-se o mais possível da verdade em cada caso.

Estou falando, claro, dos juízes honestos, daqueles incapazes de desrespeitar a Ética - mais do que a Lei - seja em uma pequena decisão administrativa ou na concepção da sentença mais importante.

Já a respeito da aposentadoria compulsória, punição administrativa máxima sofrida pelos juízes criminosos, li recentemente, no Globo, artigo do desembargador Antonio Cesar Siqueira, presidente da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro. Ele não considera que o recebimento de proventos pelo juiz aposentado compulsoriamente em vista de crimes praticados seja espécie de benefício. E argumenta:

“[... ]Afinal, independente de quaisquer irregularidades, o juiz recebe salários regularmente, sobre os quais incidem todos os descontos previdenciários pertinentes. Ou seja, a aposentadoria, mesmo que compulsória, não é privilégio, mas uma prerrogativa comum a todo servidor público ou trabalhador.”

“Nenhum cidadão aposentado, mesmo que cometa crime hediondo, perde seu direito à aposentadoria em razão da condenação. Isso decorre apenas do fato de que o direito foi constituído não pela ação criminosa, mas por contribuições licitamente feitas à previdência social. Por que criar uma punição dirigida apenas a uma categoria profissional? Isto não acarretaria o dever do Estado de devolver todas as contribuições?”

“ Por outro lado, ninguém pode ser duplamente apenado ou punido em decorrência da mesma infração. Um juiz que perca o cargo, sendo impedido de exercer sua profissão, já terá sofrido, com isso, a devida sanção decorrente do ato motivador.”


No entanto, salvo a possibilidade de não estar a par dos dados corretos e tendo-se em vista a sempre presente possibilidade de outros entendimentos acerca dos mesmos temas:

1) A aposentadoria é prerrogativa apenas de todo servidor público que haja trabalhado e contribuído pelo tempo previsto na legislação... Não podendo qualquer um de outras categorias escolher aposentar-se no momento em que bem entender, ainda que com salários proporcionais ao tempo de contribuição, muito menos se for demitido do cargo “a bem do serviço público”.

2) Se as contribuições foram feitas à Previdência e descontadas do salário do juiz durante o tempo em que atuou – ainda que se tenha valido ele de seu cargo para ações nada admiráveis – parece que não se pode ignorar que elas existam. Mas pareceria mais correto se servissem – como parece acontecer em relação aos funcionários de todas as outras categorias - apenas para, por exemplo, serem averbadas a um plano de aposentadoria comum - INSS, que deveria continuar sendo pago até que o tempo previsto em Lei para a aposentadoria fosse atingido. Sendo o ex-juiz, então e somente então, como os demais mortais, aposentado ( e recebendo, no máximo, o “teto” ali previsto ).


3) É verdade que os funcionários públicos que cometem crimes após sua aposentadoria não perdem seus proventos. No entanto, ao contrário do que ocorre com os juízes, todos eles, ao serem condenados durante o exercício por crimes que levem à perda do cargo, passam a se ver na simples condição de desempregados comuns, tendo, para se aposentar, de pensar na hipótese acima mencionada. Portanto, querer-se o mesmo para os juízes criminosos pode não ser dirigir-lhes qualquer tipo de punição especial, uma vez que estamos falando daqueles juízes cujos crimes sejam descobertos durante o pleno exercício de suas funções. Especial, entretanto, talvez seja o fato de serem os juízes a única categoria a contar com a prerrogativa de serem condenados administrativamente a uma pena(?), a aposentadoria compulsória, que automaticamente - já que "nenhum cidadão aposentado, mesmo que cometa crime hediondo, perde seu direito à aposentadoria em razão da condenação" - passa ironicamente a protegê-los caso venham a ser condenados posteriormente pela Justiça. Não seria mais justo se fossem eles administrativamente apenas afastados de seus cargos enquanto não fossem concluídos os processos judiciais?

4) Perder o cargo e perder os vencimentos relativos ao desempenho das funções desse cargo pode não ser entendido como punições distintas, uma vez que vencimentos só podem existir como remuneração àquele que ocupe qualquer cargo. São faces da mesma moeda: a pessoa tem ou não direito a ela.

5) Enfim, a verdade é que, ainda que o Estado se visse obrigado a devolver ao juiz criminoso todo o montante por ele recolhido aos cofres da Previdência durante o tempo em que esteve em exercício, seria bem mais bonito vermos os juízes criminosos que optassem por essa devolução sem poderem contar com o tempo trabalhado para aposentar-se sequer pelo INSS, do que vê-los usufruindo de permanentes férias muito bem remuneradas.

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