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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

AINDA EM TORNO DOS SIGNOS "PRETO" E "BRANCO" E DO FILME "NOSSO LAR"

Partindo-se do princípio de que Chico Xavier haja descrito minuciosamente, no romance que acaba de virar filme, as vestes dos espíritos tanto do “Umbral” quanto de “Nosso Lar”, imagino que aqueles que adaptaram a história por ele psicografada possam haver resolvido apenas reproduzir as imagens criadas pelo médium/escritor ...

Tudo bem.

Mas a questão da qual tenho tratado aqui independe de que o muito respeitado médium haja feito descrições totalmente objetivas ou que simplesmente roteiristas e diretores tenham interpretado suas palavras a partir de arquétipos durante muito tempo arraigados no imaginário social, associando o branco à pureza e o preto à maldade.

Associações essas que suponho começadas muito antes de qualquer apartheid social. Provavelmente quando os primeiros homens descobriram que a luz do dia e mesmo a do fogo protegiam-nos dos animais ferozes que podiam surpreendê-los na escuridão da noite...

Mas hoje sabemos que muitas vezes é ao fecharmos os olhos que podemos ver melhor as coisas... E que são infinitos os exemplos em que as duas cores podem se associar igualmente ao positivo ou ao negativo, o tempo todo relativizados...

E acredito que, de qualquer forma, precisamos ser cuidadosos, para que nossa memória atávica não interfira na formação de nossos conceitos e valores... Principalmente quando quisermos simbolizar aqueles absolutos como o supremo bem, desejado por todos e indentificado com a evolução espiritual; e o supremo mal, mergulho do espírito no próprio inferno.

Bem, tenho querido aqui, ao falar das impressões em mim causadas pelo filme Nosso Lar, tratar da possibilidade de que nosso imaginário esteja sobrecarregado de associações – muito mais do que na época em que foi escrito o livro – das quais, consciente ou inconscientemente, já não estamos muito convictos...

Afinal, para não nos aprofundarmos muito, quem não conhece a noiva, casando-se em terceiras núpcias, que veste-se de branco apenas para realizar seu sonho de menina? Ou seja: o branco vem deixando de ser considerado símbolo virginal...

E isso não é ruim.

É transformação...

É abrir-se caminho, no caso, para o fim da hipocrisia.

Por outro lado, depois que me falaram de uma pesquisa realizada com crianças negras, às quais foi perguntado, apresentando-se-lhes bonecas brancas e negras, quais seriam as bonecas ruins, e que a resposta veio, de todas elas, firme, com os dedinhos apontados na direção daquelas com sua mesma cor de pele, cheguei à conclusão de que precisamos apressar a desconstrução da noção negativa atribuída ao preto, ao escuro, à cor negra, no imaginário social.

Certamente o resultado assustador de tal pesquisa acena para valores ideologicamente impostos. E fico pensando se não seria justamente por causa daquela nossa memória antiga, da qual falávamos, que foi possível o domínio cultural e ideológico dos brancos sobre os negros, que demora a acabar.

Assim, é todo esse imaginário que precisamos pensar em conscientemente desconstruir. Principalmente os fazedores de cultura. Principalmente os intelectuais. Principalmente todo e qualquer ser humano que se diga espiritualista.

Pois a verdade é que todo escritor, ainda que seja ele um espírito - e exprima-se através de um médium -, se quiser ser lido e compreendido, além de precisar escolher a Língua da qual fará uso, terá, necessariamente, de utilizar imagens que façam sentido para seu público alvo em determinado momento da História. Ainda quando consiga inserir em sua obra, aqui e acolá, algumas novas perspectivas impactantes...

Cabe aos que venham interpretar, no correr dos anos, qualquer obra, a tarefa de manter carinhosamente seus significados. Sempre conscientes, no entanto, da possibilidade de precisarem rever, a cada vez, os signos através dos quais possam expressá-los.