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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

5 X FAVELA - AGORA POR NÓS MESMOS

Conseguiram!

Roteiristas, diretores e atores ( brilhantes! ) definitivamente conseguiram produzir cinco filmes sobre favela capazes de tocar profundamente também a alma daqueles que vivam bastante longe de qualquer favela.

Para me lembrar depois, batizei a primeira história de “Faculdade”; a segunda, de “Galinha”; a terceira, de “Violino”; a quarta, de “Pipa”; e a quinta, de “Natal”.

Já nos primeiros minutos de “Faculdade”, o personagem Maycon, morador da favela que consegue passar no vestibular para a faculdade de Direito, resume as cinco histórias, ao explicar a abastado colega que, no lugar onde mora, "é difícil separar-se o certo do errado"...

A verdade é que também aqui, em nosso mundo, parece cada vez mais tênue a fronteira entre o certo e o errado, entre o bem e o mal... Tanto é que é o rapaz “bem nascido” a propor que Maycon – até então apenas preocupado em ser bom filho, bom irmão e bom aluno - seja seu fornecedor de drogas...

Como as cenas são produzidas com competência e sem qualquer sinal maniqueísta, acredito que, logo de cara, seja impossível a qualquer um ficar na defensiva ou recusar-se a perceber como são permeáveis os mundos...

O espectador foi capturado. Acomoda-se melhor na cadeira, percebendo-se diante de muito mais do que uma chance oferecida a jovens diretores de cinema da favela.

E segue descobrindo os vários arquétipos que tocam a humanidade como um todo e que são abordados no filme com maestria.

O sonho, o amor, o sonho, a amizade, o sonho, a família, o sonho, o medo, o sonho, a dor... O sonho.

Está tudo lá.

O sonho de Maycon de se formar em Direito é realizado, mas, no terceiro episódio – “Violino” -, vemos o sonho de ser violonista de uma das personagens acabar tragicamente...

Em todos os episódios, percebemos o cuidado, consciente ou não, de não mostrarem qualquer imagem que pudesse ser interpretada como preconceito em relação ao preconceito que, por sua vez, sabemos que ainda sofrem os moradores de qualquer favela. ( Certamente cada vez menos e menos ainda quanto mais for assisitido o “5 x favela...”. )

Assim é que na tela não vemos brancos maltratando negros ou ricos maltratando pobres ( na faculdade, por exemplo, Maycon não é discriminado por qualquer colega ). E sequer somos obrigados a decidir, na trágica história da violinista – única em que nos deparamos com flagrante violência - se os policiais são melhores ou piores do que os bandidos...

Ainda que nos leve a refletir sobre a esquizofrênica visão do policial em confronto com suas origens não apenas em nome da farda, o filme parece simplesmente querer mostrar o que É. Sem qualquer julgamento. Inclusive as diferenças entre os vários segmentos da sociedade são sublinhadas justamente pela ênfase em sua igualdade, sendo a favela apenas pano de fundo para dramas humanos possíveis em qualquer parte do planeta.

Veja-se o trecho quase cômico do segundo episódio – “Galinha” -, no qual um grupo de crianças de escola particular assalta os dois garotos que saem da favela em busca de uns trocadinhos para comprar um frango que pudesse incrementar o jantar de aniversário do pai de um deles...

Essa inversão do imaginário social é sublime, um dos pontos altos do filme... Seria uma metáfora para a injustiça social ou algo assim? Não importa. O que importa é que ela confunde, mais uma vez, os dois mundos, aqui e lá, lá e aqui...

No quarto episódio, “Pipa”, rapazinho é obrigado a atravessar a ponte que separa sua comunidade da comunidade rival, em busca da pipa que deixara escapar... Depois de sustos e da pipa recuperada, aproveita ele para visitar a colega de escola – moradora daquele lado -, pela qual estava apaixonado...

Destaque para a poesia improvável da cena que encerra o quadro: uma ponte caindo aos pedaços, sobre um rio de esgoto e sujeira, tendo em seu centro os dois jovens combinando encontro para o dia seguinte...

O último conto é o “Natal”.

A fala mais marcante da história é do eletricista, que está ali para fazer o reparo em um poste de luz, já que algumas casas corriam o risco de passar o Natal às escuras.

Ao telefone, para o colega que o aguarda embaixo e tem pressa de ir embora, viver o seu Natal, Lopes diz:

_ Aqui também é Natal.

Mas voltemos ao segundo episódio. Não consigo deixar de pensar algumas vezes que talvez seja esse aquele do qual mais gostei...

Belíssimo! Inteligente! Delicado! Sutil!

Sem falar que deixa importante mensagem para os moradores de qualquer dos lados de qualquer ponte...

Claro, sei que haverá aqueles espectadores que desmerecerão o episódio por nele identificarem um certo cunho moralista...

Mas não: moralista é aquele que vive da forma, da aparência, é aquele que gosta das palavras bonitas e vazias... O moralista não raro é também um hipócrita.

E esse segundo episódio – eu o batizei de “Galinha”, mas ele se intitula “Arroz com feijão” - fala justamente das lições mais profundas, daquelas que recebemos diretamente em nosso coração, não através de ensinamentos formais, mas através da simples observação daqueles que têm alguma ascendência sobre nossa alma.

No conto, o menino acaba por roubar um frango para presentear o pai, ao qual garante haver comprado o alimento com dinheiro ganho ajudando o “homem dos cavalos” a limpar a sujeira que os animais haviam feito... Mas, durante o jantar, ele fica impressionado com a história do pai sobre o quanto sofrera, em criança, ao saber que o avô do garotinho roubara um frango para alimentar a família...

O sincero sofrimento paterno diante daquela situação fá-lo tomar a decisão que, além de garantir, ao espectador, final divertido e criativo, ilustra o que seja a única educação passível de obter bons resultados na favela ou fora dela: o testemunho de vida, o exemplo vivo de reação possível diante dos pequenos e grandes embates da vida entre o Certo e o Errado...

Os exemplos negativos, infelizmente, funcionam da mesma maneira.

Enfim, volto a me lembrar dos jovens sobre aquela ponte e, imaginando-os afetuosos, ali, parados, no ponto exato em que se unem e se separam os territórios dos grupos rivais, penso que os melhores sentimentos estão mesmo acima de tudo... Como as “pipas”, eles não respeitam as fronteiras forjadas em qualquer tipo de guerra... E concluo que uma compreensão profunda da existência de uma espécie de “humano universal” – certamente facilitada por obras como “5 x favela – agora por nós mesmos" - pode ser a ponte entre a favela e o resto do mundo, ou entre o resto do mundo e a favela.

REPRODUZIDO NO PORTAL DA PRODUÇÃO DO FILME "5 X FAVELA - AGORA POR NÓS MESMOS".