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quarta-feira, 17 de março de 2010

O SEGREDO DOS SEUS OLHOS

Benjamin Espósito é comparado pela promotora e sua ex-chefe à velha máquina de escrever – “tiranossauros” -, que ela lhe oferece como alternativa à cansativa tarefa de escrever à mão história baseada no caso de um estupro seguido de assassinato que houvera marcado a vida profissional de ambos.
Como ele, aposentada, a geringonça é retirada do armário e, juntos, Espósito e a máquina, voltam à ativa.
No entanto, tanto o ex-funcionário da Justiça quanto seu novo/velho instrumento de trabalho mantêm outra característica a aproximá-los. Algo lhes falta. Algo parece faltar-lhes desde sempre...
A máquina não pode registrar a letra “a”. Espósito, que fora capaz de desvendar o crime sobre o qual resolve escrever simplesmente ao observar os olhos/olhar do assassino que, em uma foto, mira sua vítima, preferiu fazer segredo para si mesmo daquilo que lhe era a cada minuto declarado pelos olhos da personagem vivida por Soledad Villamil.
Não é à toa, então, que, após uma vida a distrair-se da própria vida, afastado do trabalho e de outros afazeres, é obrigado a deparar-se consigo mesmo diante do tempo que agora lhe sobra e que, se parece infinito dentro de cada dia, pode faltar-lhe a qualquer momento, de uma vez para sempre.
Por isso ele resolve escrever.
E enquanto escreve e se vê obrigado a preencher à caneta a falta da letra “a”, também parece ir preenchendo a si mesmo e às lacunas que deixara para trás.
Fortemente impressionado com a paixão imensa do marido pela moça assassinada - em parte provavelmente por haver sido incapaz de viver sua própria história de amor - e com algumas das afirmações do rapaz sobre a vingança que o assassino a seu ver mereceria, Espósito, justificado por seu interesse agora como escritor, acaba por descobrir que aquele marido, em nome dessa vingança, colocara em cativeiro o criminoso, mantido vivo apenas para saber que nunca mais ouviria a voz humana.
E esse parece ser um castigo tão terrível que o prisioneiro, ao ver Espósito diante de sua cela, ao invés de lhe pedir que o leve para outra prisão, pede apenas que obtenha de seu carcereiro a concessão de algumas palavras.
Deixando os dois prisioneiros, não sabemos o que Espósito fará a respeito. Mas uma coisa é certa: ele agora sabe mais do que nunca a importância da palavra; sabe que fora prisioneiro durante muito tempo da própria dificuldade, do TEMOR de se expressar, de ouvir o que o outro tenha a dizer; sabe que precisa colocar o “a” em sua vida.
O insight não demora e o papel rabiscado – e não decifrado - durante uma noite, como se fora uma ideia importante para o livro que escrevia então - “TEMO”, torna-se mensagem definitiva. Basta que o escritor, caneta em punho, acrescente-lhe o “a” - “TE AMO”, para sabermos o que afinal Espósito procurara por toda sua vida.