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quarta-feira, 17 de março de 2010

ASSÉDIO MORAL III

O Globo de domingo ( caderno Boa Chance ), 07 de março último, publicou matéria sobre comissão a ser constituída para tratar da questão do assédio moral no trabalho. A matéria fala também de pesquisa recentemente realizada sobre o assunto ( a última no Brasil de que tínhamos notícia já datava de muitos anos ).

Nesse blog - há, além desse, outros dois textos aqui sobre Assédio Moral -, cito livro de respeitado pesquisador indiano especializado no problema. Em qualquer momento, lembro-me de que levante a hipótese do assédio moral no trabalho poder existir partindo do empregado em direção ao patrão...
No entanto, a pesquisa que o Globo ora divulga apresenta um quadro no qual a modalidade assédio "de empregado para chefe" é denominada "insubordinação", que explicam como: "Não cumprir, sistematicamente, as determinações do gestor ou, mais grave, incitar um grupo de colegas a prejudicá-lo ou mesmo eliminá-lo".

Choca-me a possibilidade criada de uma interpretação reacionária e autoritária de tal classificação.

Sem falar que teria de ser muito poderoso e querido esse empregado ( e muito desprotegido o chefe ) para influenciar qualquer colega contra o "poder"; quando, em casos de assédio moral, na maioria das vezes, sequer um colega tem coragem de testemunhar a favor de outro, sempre com medo de ver-se de alguma forma também perseguido. E pior: às vezes, alguns são capazes de testemunhar a favor do chefe - e contra o colega, mentindo, visando a espécie de namoro com o poder e aos benefícios que disso possam advir-lhes. Na verdade, o que se vê, paralelamente ao assédio do chefe para o empregado, é justamente o assédio horizontal, de empregado para empregado, marcado pela competição, ou pelo desejo de agradar ao chefe, que pode, esse sim, beneficiar ou prejudicar qualquer funcionário, segundo seus próprios interesses.

Em resumo:
1) "Insubordinação" já é caracterizada falta do empregado, para a qual estão previstas as penalidades possíveis, geralmente nada condescendentes com o su-bor-di-na-do. Simplesmente não é ASSÉDIO MORAL mas INSUBORDINAÇÃO.
2) A denominação "assédio moral" surgiu exatamente para suprir a ausência de classificação específica para eventos cada vez mais frequentes no ambiente de trabalho e que sempre foram acobertados pela hierarquia que, de cima para baixo, confere a um funcionário, em relação a cada um de seus subordinados, o poder de demitir, de ajudar, de prejudicar, de determinar tarefas, de promover ou não. E o poder de espezinhá-los em função disso. Enquanto a insubordinação do empregado sempre foi prevista, apontada - inventada ou não - e punida. Punição essa cuja desproporção, inclusive, configura uma das primeiras mostras de assédio moral do patrão para o empregado.

Enfim, o artifício incluído no citado quadro - tomar-se a insubordinação do empregado como assédio moral direcionado ao chefe – pode transformar-se em mais uma dessas brechas que, por todo o Direito, parecem visar a proteger aqueles que já estão mais do que protegidos. Ou ainda mais terrível: pode representar, em tempos de medo da "esquerda", poderosa arma política. Dessa forma, no meu entender, a pesquisa em questão não deveria servir de orientação ao trabalho, que acredito sério, da referida comissão.

Vejam, a qualquer momento, como sempre aconteceu, qualquer funcionário pode ser injustamente acusado de insubordinação, instalando, legitimando aquilo que já temos visto acontecer: o regime de terror, que visa a calar a boca de qualquer possível testemunha do assédio direcionado àqueles que estejam SOB A AUTORIDADE de alguém. Condição essa obviamente indispensável na configuração do que seja assédio moral, e não encontrada na absurda modalidade "empregado para chefe". Destaque-se, inclusive, que até a modalidade dita “horizontal” talvez pressuponha uma linha horizontal inclinada, pois parece prever que o colega agressor se sinta mais protegido do que sua vítima, seja pelo apoio de outros colegas e/ou do chefe; seja pela antiguidade no cargo pelo qual brigue etc. Conclusão: também aí há espécie de hierarquia.

A incluir-se a insubordinação do empregado no rol daqueles comportamentos considerados assédio moral, desqualificar-se-á o que realmente assim possa ser considerado. E uma coisa é certa: continuaremos longe do dia em que começaremos a combater a hipocrisia e a injustiça repulsivas a imperarem em muitos locais de trabalho.

Enfim, como o Globo ainda informa que o assédio moral também nas instituições públicas passará a ser estudado e prevenido, sugiro a todos que leiam “A Juíza”, obra de ficção na qual uma funcionária pública, logo após haver sido nomeada, além de sofrer assédio moral por parte dos colegas, sofre-o também da própria instituição, na forma de uma sindicância instaurada com o objetivo de “apurar – suposto - comportamento indevido da servidora”. A sindicância resulta em advertência “por haver ido ela embora do trabalho sem autorização da chefia imediata. E ela, que estava mesmo doente, acaba pedindo exoneração...
A partir da história da personagem Sílvia, não posso deixar de frisar que sindicâncias injustas, usadas como forma de coação, ao serem detectadas na vida real como na ficção, devem ser citadas como o pior, mais desumano e covarde tipo de assédio moral possível. O mais desprezível e vergonhoso de todos.