Arquivo do blog

quinta-feira, 11 de junho de 2009

UNIDADE

Sempre que resolvo falar em “unidade”, referindo-me à percepção de sermos partes, cada um de nós, de um todo uno, e digo que a psicanálise me ajudou muito a aprofundar tal consciência, deparo-me, de um lado, com o preconceito dos que buscam nessa ciência uma espécie de individualidade a separá-los definitivamente dos demais - temerosos de um certo caráter esquizofrênico atribuído a qualquer ideia de unidade; e, de outro, com o carinho daqueles já muito adiantados no caminho espiritual, e que anteveem a unidade última e final com aquela essência primordial do mundo do não manifesto, a me mostrarem o quanto a unidade de que falo é precária diante do absoluto por nós impossível de ser descrito, e o como a psicanálise pode ser fomentadora do ego-ísmo.
De modo geral, estes últimos, talvez por acessarem seus recôndidos departamentos interiores através de uma desenvolvida intuição, apenas olharam superficialmente para a psicanálise, vendo-a como ferramenta fortalecedora dos individualismos ( por voltar-se às questões do "eu"), e duvidam do crédito que atribuo a essa prática.
Quanto aos primeiros, pensam buscar, nos consultórios de seus analistas, tão somente o desenho de suas personalidades, esquecendo-se de que, quanto mais se aproximem de si mesmos, mais perto estarão de cada outro ser humano.
Na verdade, gosto de pensar que a psicanálise e o sentimento da unidade, ao invés de se chocarem, possam se complementar. Pelo menos, em um primeiro estágio, na direção de uma libertadora e consciente espiritualidade.
Imaginemos, por exemplo, um quebra-cabeças do mapa do Brasil, em que cada um de nossos Estados seja uma pecinha-estado a ser encaixada para formar o todo-Brasil. Não será difícil descobrir que, quanto melhor delineadas as diferenças, entre reentrâncias e protuberâncias, de cada uma de suas peças, melhor será seu encaixe.
Da mesma forma, no que se refira à humanidade: para que cada um de nós possa encontrar a melhor maneira de se desenvolver e de ser verdadeiramente útil à sociedade, será absolutamente necessário que, antes do encaixe ( que não representa anulação negativa da parte, mas sua otimização no todo ), procure, através do autoconhecimento ( incluindo-se aí a possibilidade da psicanálise ), delinear marcadamente seus contornos e suas peculiaridades.

Segundo Teilhard de Chardin:

“A Saída do Mundo, as portas do futuro, a entrada no Super-Humano, não se abrem para diante a alguns privilegiados apenas, nem a um só povo eleito entre todos os povos!
Elas não cederão senão a um empurrão de todos juntos, numa direção em que todos juntos se podem reunir e completar numa renovação espiritual da Terra.”

E, se dessa leitura ainda não extraímos a certeza de que o pensador esteja falando da possibilidade de sermos, ao mesmo tempo, cada um em todos e todos em cada um, fiquemos com o que diz aqui:

“Seja em que domínio for – quer se trate das células de um corpo, ou dos membros de uma sociedade, ou dos elementos de uma síntese espiritual – a União diferencia. As partes aperfeiçoam-se e completam-se em qualquer conjunto organizado. Foi por termos descurado esta regra universal que tantos Panteísmos nos transviaram no culto de um Grande todo em que os indivíduos se perderiam como uma gota de sal, no mar.
Aplicada ao caso das somas das consciências, A Lei da União livra-nos desta perigosa e sempre renascente ilusão. Não, ao confluírem segundo a linha dos seus centros, os grãos de consciências não tendem a perder os seus contornos e a misturar-se. Acentuam, pelo contrário, a profundidade e a incomunicabilidade de seu ego.
Quanto mais se tornam, todos juntos, o Outro, mais se acham ‘eles mesmos’.”