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domingo, 7 de junho de 2009

Carta aos familiares das vítimas do AIRBUS 447

Assim que sabemos da ocorrência de algum acidente aéreo de grandes proporções, principalmente se tínhamos pessoas queridas dentro de algum avião naquele momento, experimentamos um indescritível sentimento de gratidão àquele Deus que nos poupara da dor daquelas pessoas todas que, de repente, se veem notícia no jornal, na internet, na televisão...
Logo depois, porém, até porque, no fundo, sabemo-nos não mais - ou menos - merecedores da proteção Divina do que os diretamente atingidos por qualquer desgraça, percebemos que aquela espécie de alívio inicial vai se transformando em solidariedade.
Em uma solidariedade que não é só fruto de nossa capacidade de nos colocarmos no sofrimento alheio, mas também vinda daquela certeza assustadora de que, se desta vez fomos poupados, continuamos, no entanto, à mercê da possibilidade de, a qualquer momento, nos vermos protagonistas de tragédia semelhante àquela da qual, por ora, silenciosamente, agradecemos ser apenas chocados espectadores.
E é assim que me vejo revoltada por imaginar que, como frágeis prisioneiros da condição humana, tenhamos de estar sujeitos - além de a acidentes deveras imprevisíveis e a doenças comuns - aos infortúnios a nós impostos pelas falhas, de antemão conhecidas e não evitadas, das grandes corporações...
Em relação ao acidente com o AIRBUS, A330, voo 447, que levava 228 de nós, seres humanos; 57 de nós, brasileiros; e 7 de nós, niteroienses, ouvimos falar de sua possível relação com problemas no tipo de sensor de velocidade utilizado por esse modelo de avião. E isso mais de um ano após haverem constatado a necessidade da troca dessa peça, tendo-se em vista os riscos por ela impostos à segurança dos voos. E, se ouvimos isso, fico imaginando aquilo de que possivelmente, dados os interesses envolvidos, jamais teremos notícias...
E eu pergunto a vocês: já assistiram ao documentário The Corporation ( se estou fazendo propaganda, creiam, é gratuita )?
Pois esse documentário nos mostra o quanto cada um de nós é atingido pelas ações das grandes corporações; por seu desejo de lucro incontrolável, muitas vezes garantido através de decisões que não levam em conta a segurança da população; por sua completa inconsciência quanto aos valores humanos...
E isso, completamente protegidas por uma identidade surreal, que é seu logotipo, sua marca...
The Corporation mostra também como as grandes empresas conquistaram o mesmo direito ao tratamento humano concedido a todos pela 14ª emenda ( trata do direito à vida, liberdade e propriedade ), que visava a princípio a proteção do negro na tradicionalmente racista sociedade americana, e que foi invocada pelos advogados dessas corporações quando lhes interessou. Deixando claro, assim, que são mais protegidas tais criaturas do que qualquer ser humano: protegidas pela lei que lhes garante tratamento humano quando é de seu interesse; e, por outro lado, ao serem pegas em falta grave, não podendo ser penalizadas com a cadeia, como aconteceria se pessoas de carne e osso de fato fossem.
Vejam: nenhum de seus sócios ou acionistas é responsabilizado criminalmente, seja qual for a barbaridade cometida!
E pasmem: no máximo, estas empresas são obrigadas a multas e indenizações completamente dentro daquilo que previram e que muitas até escolheram, calculadamente ( “para o caso de alguma coisa dar errado” ), tendo em vista o lucro maior advindo, por exemplo, da burla a seu próprio regulamento ( ao adiamento de alguma medida necessária? ).
Dessa forma, embora saiba que a dor da perda de alguém querido não tenha preço, sugiro que os parentes das vítimas desse bárbaro acidente aéreo pautem suas ações - sem escrúpulos do tipo “o dinheiro não trará Fulano(a) de volta” - no sentido de exigirem, ao mesmo tempo e incansavelmente, esclarecimentos sobre o que de fato ocorreu e indenizações o mais grandiosas possível.
Pois, se, como há indícios, a empresa aérea houver agido levianamente no que se refira à segurança dos passageiros, segundo aprendemos com The Corporation, a única maneira de atingi-la será tocar na única coisa que empresas assim, à imagem de qualquer psicopata, valorizam: seu lucro.
E o que fazer com tais indenizações?
Bem, há quase trinta anos, uma pessoa que eu amava desapareceu.
E pensar que para sempre teria de conviver com a ideia de que ela poderia estar em qualquer lugar do mundo, simplesmente revolucionou meu modo de encarar o meu próprio estar nesse mundo. Foi quando me senti parte integrada de um todo, de algo muito maior do que eu.
Maluquice? Talvez. Mas foi me saber parte do mesmo todo com aquele que eu amava, vivo ou morto, que me deu forças para sobreviver à sua posteriormente constatada morte. E nunca mais perdi aquela sensação de unidade experimentada pela primeira vez nos dias mais terríveis de toda a minha vida.
Assim, sinto-me à vontade para pedir que imaginem seus queridos como partes integradas ao planeta e a cada um de nós, enquanto partes do cosmos - quantos não escolhem em vida ver suas cinzas jogadas ao mar por experimentarem, em algum nível, essa dimensão?
E, creiam, podendo ver através de nossos olhos, eles agradecerão que suas indenizações sejam usadas na luta por um mundo ( do qual não podemos ter a ilusão - possível com os "vivos" - de separar nossos queridos que se foram ) melhor; na luta para mudar a realidade denunciada por The Corporation - e da qual podemos inferir a terrível possibilidade de desastres aéreos ocasionados pela ganância.