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quinta-feira, 26 de novembro de 2009

LAVOURA ARCAICA, de Raduan Nassar

Em “O filho eterno”, a aparente crueldade do pai da criança portadora da síndrome de Down acaba por nos desarmar, esmagando os resquícios de nossos próprios preconceitos.
Em “Lavoura Arcaica”, a profusão de imagens, metáforas, descrições -sinestesia pura - acaba por nos distrair do aspecto talvez mais presente nesse romance de Raduan Nassar: tenebroso. Tenebroso, como o definiu Alceu de Amoroso Lima.
“Lavoura Arcaica” é leitura tenebrosa, a remexer o solo da memória atávica do homem.

Em dado momento no filme “A Carne Trêmula”, de Almodóvar, ouvimos a frase “Ninguém é dono da própria juventude”... Pensamento soberbo, a nos levar a compreender a força dos hormônios aos quais mais do que nunca naquela fase estamos submetidos.
Levada por eles, Ana pode haver sucumbido aos carinhos do irmão... Depois, entrou em conflito...
No entanto, não podemos tão facilmente e baseados na mesma justificativa absolver André de seus atos...
Sua sexualidade é quase uma arma... Uma arma que usa com fúria para“destruir” seu pai ( “onde a união da família?” é o grito vitorioso(?) do final da história... Onde a união tão valorizada pelo pai? ).
E André parece querer destruir tudo o que possa o chefe da família representar, como a interdição do incesto, como a Lei, ou o tempo sob o qual desenrolam-se todas as coisas: afinal, o que existe por trás?

A imagem de uma pomba aprisionada se sobrepõe ao encontro entre André e Ana...
Não é à toa que muitos leitores, enquanto consideram a irmã como objeto único e absoluto de seu amor, tendem a ser de alguma maneira condescendentes com o infeliz transgressor... No entanto, ele não hesita em entrar debaixo dos lençóis do irmão caçula, em acariciá-lo, mesmo sob confusos protestos – “O que você está fazendo, André?”, ironizando(?) ainda sobre o caminho que“depois”, como Ana, Lula seguirá até a capela...
O fato é que Lula, quando desabafa seu desejo de ir embora, dá mostras de sua vulnerabilidade diante de qualquer promessa de “ruptura”. Da mesma forma que Ana o fazia no transbordamento de sua dança instintiva, que fascinava o irmão.
Os dois tornaram-se presas fáceis para a “arapuca” de André.
E é observando isso que acabamos concluindo que André quer acima de tudo destruir e não simplesmente transgredir por amor... Ele quer romper com todo e qualquer limite... Ele quer romper com o traço fundador de nossa civilização, que protege os membros de cada família de viverem entre si emoções avassaladoras e nada perenes. ( Freud e o mito de Édipo talvez nos fossem de enorme valia numa interpretação mais aprofundada dessa história... )
André quer impor uma nova lei.
Ele quer o lugar do pai.

E é por isso que o leitor atento não consegue absolvê-lo, embora tenha de reconhecer o papel fundamental que desempenha o personagem, no sentido de acenar para a hipocrisia circundante; no sentido de levar, por comparação, alívio ao homem comum muitas vezes aturdido e culpado por um leve pensamento ou sensação rejeitada pelos limites enraizados em sua alma em nome de um bem maior...
E o leitor atento não pode perdoá-lo principalmente porque André, ao invés de libertar-se da tradição que questiona, acaba escravo da liberdade que proclama. Pois, ao contrário do que possa parecer, o homem que vive de realizar suas fantasias talvez acabe por mergulhar num poço sem fundo, num suceder sem fim de limites a serem desrespeitados.

Talvez seja bom ressaltar ainda que não estamos tratando de um preconceito moralista contra o comportamento de André. Mas do choque provocado pela constatação do caráter de suas ações, de qualquer forma compreendido dentro de uma espécie de luta pela consciência e pelo desmascaramenteto da hipocrisia que jaz por trás de tantas regras estabelecidas. Não raro levando a silencioso sofrimento ou submetendo ao desprezo aqueles que apenas de leve ousem questioná-las, como se fôssemos todos os demais perfeitas criaturas... ( Talvez devêssemos aprender a conciliar o respeito aos devidos limites com a consciência de nossas sempre presentes fraquezas, ao invés de, fingindo que acreditamos em nossa perfeição, jogarmos qualquer sombra de mácula sobre os ombros de nossos vizinhos... E isso em situações as mais diversas. )

E, já que lembramos Freud, a conversa entre André e seu pai, após o retorno ao lar, ilustra espécie de grito do inconsciente querendo abrir caminho; apontando, em cada coisa, a semente de seu oposto; dizendo que não se pode testar a paciência de alguém faminto ( como na historinha repetida inúmeras vezes pelo pai ) utilizando-se de uma farsa impiedosa.
E é exatamente essa a lição que parece transcender dessa leitura terrível: não podemos aceitar o comportamento de André, mas não podemos condená-lo antes de muita reflexão, pois entendemos que o fechar de olhos para as contradições humanas pode levar-nos a um confronto como esse deflagrado por seu ímpeto, a dizer-nos que nunca fica impune aquele que ignora a existência de seus próprios resíduos no “cesto de roupa suja”...
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domingo, 1 de novembro de 2009

O FILHO ETERNO, de Cristovão Tezza

Talvez o maior mérito de “O filho eterno” seja - de uma perspectiva desmascaradora dos sentimentos do personagem-pai e longe de qualquer recurso apelativo - acabar por nos mostrar como o amor pelo filho“imperfeito” se insurge nesse genitor, apesar de todas as resistências nele concentradas.
Interessante é que a processo semelhante parecem ser submetidos os leitores que, muitas vezes conduzidos através das páginas do romance pelo desejo ou expectativa de se depararem com uma virada moral, acabam dando-se conta de que isso não irá acontecer. Simplesmente porque a paulatina transformação verificada no personagem-pai não é da ordem da moral e se dá de dentro para fora, sutilmente, mantendo-o imerso na eterna contradição humana até o final da história...(*) Pois já “conquistado” pelo filho e após vivenciar momentos que nos levam a pensar até em uma espécie de “superioridade” do menino sobre algumas criaturas ditas “normais”, volta a apontar seu próprio despreparo diante daquela existência, sempre revelando a dubiedade de seus sentimentos...
E justamente por isso, mantidos que fomos desarmados ao longo de toda a narrativa, nós, os leitores, vemos os resquícios de nossos possíveis preconceitos – desmascarados - se desmancharem completamente e não podemos precisar em que momento somos tomados de amor pelo garoto... Não podemos precisar o momento exato em que, muito mais do que qualquer campanha possa nos haver sensibilizado para a “síndrome de Down”, o filho eterno nos conquista.
Para sempre.

(*) Final da história é maneira de dizer, pois o melhor desse final, diga-se de passagem, é acenar para o simples fato de que, como qualquer “partida de futebol”, como a vida de qualquer um de nós, ninguém pode saber antecipadamente como qualquer história terminará... Acenando nas últimas linhas para a“primeira metáfora” utilizada por Felipe – fagulha otimista, CristovãoTezza, depois de nos haver levado, em seu português impecável, a encarar nossos medos diante da diferença, nos presenteia com uma conclusão perfeita, delicada e principalmente aberta, deixando claro o quanto tudo é relativo e como, em última análise, somos todos simultaneamente diferentes e iguais.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

OI!

Queridos leitores, por favor, desculpem-me por demorar a publicar novos textos.
De qualquer forma, as reclamações quanto a minha ausência me soaram como imenso carinho: obrigada!
Tenho estado às voltas com a divulgação de "A Juíza" ( além de estar trabalhando no próximo romance ), que tem agradado bastante... É muito bom haver escrito algo que emocione e coloque quem o lê em busca de seu melhor, quando não simplesmente satisfeito por encontrar eco para os valores que abraça.
Nos próximos dias, não deixem de visitar "Cinema e Letras: Impressões", pois prometo contemplá-los com novidades.
Abraços a todos!
Sheila Maria Madastavicius

sábado, 26 de setembro de 2009

Blog de Sheila Maria Madastavicius

Este é o "Cinema e Letras: Impressões" - tenho certeza de que vai gostar de ler os textos aqui oferecidos.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

"Caso venha a saber de uma traição, pense bem antes de contar à vítima"

Graças a Deus, tenho muitos – e bons - amigos. Alguns dentre meus familiares e outros advindos dos diversos setores e fases da minha vida... E registre-se que sou muito grata pela dedicação de cada um deles, pois imagino que não seja fácil manter estreita ligação com alguém que, como eu, esteja sempre disposto a aprofundar qualquer assunto...

Observo isso na reação de algumas pessoas que, não convivendo comigo e não tendo o hábito da reflexão permanente, de repente se veem diante de uma de minhas "perguntas remissivas” – no sentido de remeter o interlocutor a si mesmo, à compreensão de suas ações... Ou reagem como se eu fosse “a chata de galocha”; ou como se eu fosse meio maluquinha; ou ainda põem-se na defensiva... Em um mundo no qual tantas pessoas sabem mais sobre as vidas das "celebridades"do que daquilo que se passa dentro de si mesmas, talvez tais reações devam ser mesmo esperadas... E quando percebo que não vão me entender mesmo, acabo rindo da situação e me afastando de fininho...
Pois eu não perco a oportunidade ( principalmente se sou atingida de alguma maneira ) – anos e anos de psicanálise - de perguntar a todos os que me rodeiam, da mesma forma que o tempo todo a mim mesma: vem cá, por que você fez isso ou disse aquilo? O que você estava sentindo naquele momento? O que sua atitude significou pra você, no fundo do seu coração? Será que foi isso, ou seria aquilo...?

Às vezes chego a me perguntar se não deveria mudar, conter esses meus impulsos perguntativos, curiosos da alma humana... Mas acho que não conseguiria ser diferente...
Ainda bem que meus amigos me amam e, para falar a verdade, até parecem sentir falta de minhas perguntas quando deixo passar alguma coisa de qualquer jeito... E o fato é que ser assim é o que ilumina meus textos... Pois muitas vezes é tentando compreender aquilo que me causou espanto no comportamento de alguém que imagino os personagens das histórias que escrevo...

Em artigo intitulado “Caso venha a saber de uma traição, pense bem antes de contar à vítima”, publicado em uma dessas revistas que costumamos encontrar em consultórios ou salões de beleza, a analista junguiana Leniza Castello Branco leva seus leitores a refletirem sobre o quanto talvez sejam mais importantes os sentimentos que se escondem por trás de cada uma de nossas ações do que a maioria das ações em si mesmas.
Em resumo, em suas bem traçadas e simples linhas, ela torna acessível aquilo que eu talvez não esteja conseguindo transmitir no momento em que formulo minhas perguntas...
Ela explica que, num impasse de tal monta, devemos nos perguntar o que nos moveria ao optarmos por qualquer uma das possibilidades: contar ou não contar, no caso, à vítima da traição...
Contaríamos, porque no fundo invejamos a relação que a amiga tem com seu marido e queremos aproveitar a oportunidade para destruí-la?
Não contaríamos, porque no fundo queremos olhar para a amiga que pensa ser feliz usufruindo do prazer de determos a informação que pode a qualquer momento mudar a sua vida?
Em qualquer uma das duas atitudes, embora aparentemente diferentes, o sentimento por detrás - algumas vezes inconsciente -, revela-se o mesmo: inveja, maldade, pequenez de espírito...

O fato é que devemos estar sempre atentos para qualquer fiapo de prazer diante do fracasso ou infortúnio alheios, da mesma forma que a qualquer sinal de insatisfação com seus sucessos... A tomada de consciência quanto a esses sentimentos, além de nos tornar seres humanos melhores e de aumentar o controle que temos sobre nossas ações, pode significar grandes progressos em direção aos nossos limites e potencialidades, aumentando em muito as chances de superação/aceitação de uns e de desenvolvimento de outras...

Enfim, não podemos nos esquecer de que também poderíamos tomar qualquer uma das duas atitudes movidos simplesmente pela certeza em nosso coração de que seria aquela a que gostaríamos, invertidos os papéis, que tomassem em relação a nós mesmos.
E esse talvez seja o único sentimento que, por trás das escolhas feitas ao longo de nossa vida - e ainda que não tenhamos agradado a todos - pode ser aceito por nossa consciência, deixando-nos dormir em paz.

Convenhamos: autoconhecimento é uma preciosidade...
Vem cá: vale ou não vale a pena escarafunchar a própria alma?

terça-feira, 15 de setembro de 2009

"A JUÍZA"

Você pode encontrar o livro na Livraria Leonardo Da Vinci, no Rio de janeiro, e nas livrarias Gutemberg e Prêmio, em Niterói, Icaraí.
Aos domingos, na pracinha em frente à Praia de Icaraí, na barraquinha dos "escritores ao ar livro" - a boa ideia do colega Cecchetti.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

XIV BIENAL DO LIVRO - RIO

A Editora Nitpress e eu convidamos aqueles que não puderam comparecer ao primeiro lançamento de "A Juíza" para o evento a ter lugar desta vez na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, espaço Letras de Niterói, Pavilhão Verde ( Q31 / R22 ), Riocentro, a partir das 17h do próximo dia 20.