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sábado, 22 de maio de 2010

"INTELECTUAIS TÊM QUE IR CONTRA A CORRENTE"

Em artigo intitulado “Rede e democracia ( Crimes que não podem ser punidos, tampouco perdoados )”, o psicanalista, professor da UFF e coordenador do CRIAA-UFF Hélcio Fernandes Mattos, em determinado momento, ilustra a apresentação de suas ideias com a seguinte citação do livro “Tirania da Intimidade”, de Richard Sennett:

“Nos tornamos, então, o observador passivo de uma personalidade política que expõe suas boas intenções, apesar de mostrar nas suas ações o contrário. Ora, quanto mais as pessoas concebem o espaço político como a ocasião de dividir uma personalidade coletiva, menos elas são tentadas a utilizar a pretensa fraternidade para alcançar as mudanças sociais. A manutenção da comunidade torna-se um fim em si mesmo; a exclusão daqueles que não pertencem verdadeiramente ao grupo torna-se a atividade principal de seus membros. A busca de interesses comuns é substituída pela procura de uma identidade comum.”

Impressionada pela força dessas palavras, cuja carga de protesto imediatamente encontrou eco em meu coração, tendo em vista aquilo que percebo em situações as mais variadas, resolvi dividir com meus leitores algumas reflexões...

Quantas pessoas começaram sua trajetória profissional reagindo a algum tipo de autoritarismo, rompendo com preconceitos ou protestando contra a ideologia dominante; enfrentaram dificuldades; e viram seu trabalho reconhecido somente depois que aquilo que contestaram e aqueles que incomodaram desceram do "pódium"?

Quantas delas, depois de se tornarem, elas próprias, personalidades reverenciadas, inclusive - e ironicamente - em nome de tudo o que contestaram, pareceram deixar de ir contra muitas erradas e absurdas situações, simplesmente por medo de perderem o doce mel da aceitação e dos benefícios materiais por ela produzidos, relegando ao passado o espírito da verdadeira contestação?...

Desacomodar-se, em função daquela essência humana que sempre mostra a cada um de nós o caminho para a identificação com cada espoliado, injustiçado, esquecido - ainda que os observemos de nossa zona de conforto -, parece, para essas confusas criaturas, então, tomar contornos de ameaça...
É comum que acabem preferindo fechar os olhos, atordoando-se de uma ou outra maneira, evitando questionar-se também sobre por que, apesar de tantas "conquistas", a felicidade lhes parece escapar...
E muitas vezes, num autoengano após o outro, participam de protestos, debates ou discussões infelizmente envolvendo apenas aquelas questões completamente dentro do consenso, que verdadeiramente não ameacem o “status quo”, que não mudem absolutamente nada, que apenas distraiam a opinião pública e a de cada uma delas...

Enfim: quantas pessoas, para não "descerem" do patamar que pensam haver conquistado, ignoram o apelo daqueles que passaram a ocupar os lugares, por elas mesmas deixados vagos, da contestação, da indignação e da inconformação, apenas porque, se o acolhessem, iriam contra alguns poderosos cuja proximidade passaram a usar como cartão de visitas, ou com os quais aprenderam a “gostar” de conviver...?
Mesmo que os eflúvios dessa convivência, por trás dos benefícios e favorecimentos - sejam em termos de projeção, de comodidade, de enriquecimento - à noite possa visitá-los em sonhos nada agradáveis... A falar-lhes de um tempo em que, embora pudessem parecer menos "queridas" e "aceitas", sabiam que a verdade era que, então, mereceriam ser muito amadas e respeitadas. E podiam gostar tranquilamente de si mesmas.

Em entrevista publicada hoje pelo caderno “Prosa e Verso”, o historiador Tony Judt ensina que é preciso “redescobrir a linguagem da divergência”, buscando:“exercitar o pensamento independente mesmo sob o risco de desaprovação dentro de sua própria comunidade. E, em política, insistir na validade do embate, da discordância e da divisão, onde existirem. A democracia não pode sobreviver numa dieta de consenso.”

E, referindo-se a exemplos de intelectuais como o foram Hannah Arendt e Albert Camus, não deixa dúvidas:

“Se tivéssemos que tirar um exemplo de todas essas pessoas, seria esse: intelectuais têm que ir contra a corrente em suas próprias comunidades ( seja nacional, religiosa, ideológica etc ). Intelectuais que apenas fornecem argumentos em favor de um determinado grupo desempenham outro tipo de papel.”