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sábado, 6 de março de 2010

A DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO

O economista Rodrigo Constantino, em artigo publicado pelo Globo -16 de fevereiro último, utiliza a produção do singelo lápis para ilustrar a sua visão aparentemente positiva da “divisão do trabalho”...
Não resta dúvida de que, conforme frisa o articulista, são múltiplas as ações ( extração de grafite, madeira, borracha etc....) envolvidas no objetivo comum de se produzir um simples lápis... E também com ele concordamos que não poderia ser diferente...
Assim é que, à primeira vista, numa leitura ingênua de tal texto, podemos concluir que a “divisão do trabalho” seja algo não só simples e bom, como indispensável.

No entanto, quando questionamos a divisão social do trabalho, fazemos isso no sentido de percebê-la, para o trabalhador, como metáfora da fragmentação por ela mesma provocada na realidade. A mesma fragmentação que acaba por conduzi-lo à alienação. E alienação no sentido de passar a agir em nome de escolhas que pensa ser suas, mas na verdade lhe são impostas pela ideologia dominante.
Dentro da divisão social do trabalho, mais ou menos conforme aprendemos com Marilena Chauí, é como se o patrão dissesse ao trabalhador: você é menos homem do que eu... E dentro do trabalhador ecoasse: sou menos homem do que ele... Ele é/pode o carro, a casa... Eu, apenas uma de suas portas ( ou parafusos )...
E isso acontece porque, ao contrário de seu patrão, o trabalhador dificilmente usufruirá do resultado final da produção de um bem, da qual haja participado com seu trabalho, perdendo completamente a noção de sua expressão global...
A grande verdade mesmo é que isso não ocorrerá apenas em relação aos bens móveis e imóveis de grande valor... Infelizmente, estamos em um país no qual ainda os melhores lápis não são encontrados nas mochilas dos estudantes das famílias menos favorecidas. E, se hoje é muito maior o número daqueles que podem ter os eletrodomésticos essenciais ao funcionamento de uma casa ( comprados em muitas prestações ), outra verdade é que nossos ainda muito sacrificados trabalhadores precisam contentar-se com bens alternativos. Seus sonhos, em um mundo que vive a acenar-lhes com coisas a serem desejadas, através de cotidianas propagandas audiovisuais da felicidade possível ao lado de cada um desses objetos, esses sonhos precisam ser sempre adaptados.
Segundo Amartya Sen, economista indiano, a pobreza é também a falta de escolhas. E não poder escolher parece ser uma forma de ver tolhida a própria liberdade...

Imaginemos o seguinte: nosso trabalhador é bombardeado noite e dia pela propaganda que entra através de sua televisão com imagens da felicidade capitalista. Ele não teve tempo ou oportunidade de instruir-se ou de autoconhecer-se ( autoconhecimento começa com amor-próprio, condição indispensável para acreditarmos que aquilo que pensamos ou sentimos deva ser valorizado ) suficientemente bem para saber inclusive que poderia ser que grande parte daquelas coisas jamais fossem por ele desejadas caso lhe fosse dado emergir da ideologia que o oprime...
Mas seu patrão e todos os senhores que conhece parecem valorizar aqueles bens, até mais, algumas vezes, do que qualquer relacionamento familiar... E ele não consegue perceber que seu patrão pode não ser tão feliz quanto parece... E seu escasso amor-próprio mais uma vez não é suficiente para que possa escolher, até mesmo para que possa saber, se for o caso, que não precisa e não quer uma vida como a de seu patrão. Na verdade, parece automática a impressão que tem de ser ele próprio o objeto rejeitado por aquele padrão de vida; pelos autodenominados homens, todos eles pertencentes a classe social que não é a sua... E é isso que o paralisa e mantém refém dessa situação.
Submisso. Ou revoltado. Trabalhador honesto. Ou bandido. De qualquer forma, preso ao "script" a ele conferido pelo sistema, pela sociedade capitalista.

Isso é o que nos parece ser a divisão social do trabalho: um homem ser levado a não se sentir um homem inteiro e a valorizar tudo aquilo que lhe parece não merecer ter... E que, se lhe fosse permitido desenvolver sua capacidade de escolha, poderia desejar - ou não.
Enfim, a divisão social do trabalho nada tem de simples. Ela é – simplesmente - muito triste.