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sábado, 5 de setembro de 2009

ASSÉDIO MORAL

No ônibus, duas mulheres conversavam naturalmente sobre haverem participado de um tipo de brincadeira no trabalho.
Parece que o chefe da seção em que as duas eram espécie de secretárias, em uma empresa da qual não disseram o nome, estivera aborrecido com uma funcionária, segundo ele, arrogante, e quis colocá-la na “geladeira”, apenas para ver se ela pedia transferência de setor.
Assédio Moral, pensei... Assédio moral...
Uma delas parecia um pouco desconfortável, mas a outra demonstrava haver se divertido de alguma maneira com a situação...
O mais interessante, pelo que entendi, era que fora apenas tácito o acordo entre os funcionários e o chefe contra a colega, pelo jeito, um tanto mal quista.
( Aqui, um parênteses, para lembrar que não existem santos e perfeitos em nosso planeta, e que as pessoas não podem ser punidas por vias transversas apenas porque um de seus “defeitos” ou problemas ou uma sua característica incomodativa tocou alguns de seus colegas ou patrões.)
Bem, sem que qualquer plano fosse apresentado, todos se dedicaram à mesma tarefa, cujo sucesso agora redundava em mostras do reconhecimento da chefia, que acabara de aprovar espécie de rodízio de folga semanal há muito pleiteado.
Nas entrelinhas daquela conversa, durante a qual tive vontade de opinar algumas vezes, soube que a moça era bonita e de melhor situação financeira do que as duas – “ela nem precisa do trabalho” - disseram, o que, na verdade, talvez estivesse por trás do recalque a facilitar a posição que haviam tomado contra ela, pensei de novo.
Recalque a reforçar – pequenez de espírito - o impulso no sentido de agradar o chefe e obter disso alguma espécie de recompensa, num jogo perverso e que já parece fazer parte do dia a dia de muitos trabalhadores, fora o que movera as moças, concluí.
Desci chocada daquela condução. Não adianta: jamais vou me acostumar com relatos desse tipo...
Ao afirmarem que a moça não precisava do trabalho e por isso talvez agisse de algum modo a ser etiquetado como “arrogante” pelo chefe, em contraste com elas próprias, a precisarem “imensamente” do emprego e, por isso, facilmente submetidas ao que se lhes apresentassem - pois, frisou a mais “tranqüila” das duas: “temos filhos pra criar” -, ainda me levaram a acreditar que, no fundo, no fundo, talvez o que mais as incomodasse na moça fosse sua autonomia.
Em resumo: não há como culpabilizar apenas a dependência do emprego, a pressão da chefia... Pois o fator decisivo a impedir a adesão a práticas desse tipo, vindo das próprias vísceras, poderia se manifestar em forma de problemas de saúde, emocionais mesmo, a serem expostos aos demais como impossibilidade para prosseguir participando da trama.
Fingir não entender o que está acontecendo seria uma outra alternativa: muitas vezes, ao serem obrigadas a verbalizar, letra por letra, o que se pretende, muitas pessoas desistem de intentos não muito admiráveis...
O fato era que quem participava desse tipo de coisa, atenuantes vinculados ao poder de coação da chefia à parte, tinha seu quinhão de responsabilidade, sim.

Pitoresco foi que, durante o percurso do veículo, tivemos a impressão de que alguns “pivetes” iriam subir pela porta de trás... Nesse momento, justamente a mais animada com os maus tratos impingidos à colega ficou apavorada, dizendo que reconhecia um deles, que quase roubara seu celular, que não era possível que ainda não tivessem "pego aquele capeta”, "dado uma boa surra nele"...
Meu Deus! Ela certamente se julgava muito melhor do que ele... E realmente parecia não estar consciente da semelhança de seu comportamento com o daquele infrator...
Para aquela jovem senhora, como para muitos de nós, parecia ser mais grave o roubo de celulares do que a usurpação do direito ao respeito de outro ser humano...


Quanto ao fato de “terem filhos para criar”, que parece ser a desculpa mais usada por quem decide encontrar alívio para a própria consciência ao embarcar em projeto de destruição de outrem, soava como absurda ignorância.
E ignorância principalmente quanto a si mesmos, quanto ao que move cada um através da própria vida...
Autoconhecimento era realmente uma preciosidade, pensei... As mentes mais limitadas – e elas proliferam em todos os níveis do funcionalismo público e privado – não percebiam que criar filhos não era apenas garantir o sustento de seus corpos com um pouco mais de feijão ou caviar. Não: criar um filho com responsabilidade era preocupar-se também com o meio ambiente, no sentido ecológico mesmo, e no sentido humano. Era trabalhar na construção de um mundo melhor.
Afinal, ao colaborar na construção e manutenção de relações perversas no mundo do trabalho, quem poderá garantir que não esteja ajudando a perpetuar as estruturas mesmas que um dia poderão vir a atingir seu próprio filho?
E podem ter certeza de que ele vislumbrará, apoiando a mão que lhe atire a primeira pedra dentro de sua repartição, a mão de seu pai ou de sua mãe. Pois os filhos sempre sabem quem são seus pais...

Particularmente, posso dizer que uma de minhas maiores alegrias teve lugar quando minha filha, que hoje trabalha em prol dos mais fracos como defensora pública ( o filho mais velho, do qual igualmente me orgulho, lidando com fisioterapia respiratória, mantém sensível o coração ao sofrimento alheio... ), dedicou a mim sua monografia de final de curso: “À mulher que me ensinou os melhores valores que um ser humano pode ter: minha mãe”.
Transmitir esses valores para nossos filhos é trabalhar na construção de um mundo melhor.
E trabalhar na construção de um mundo melhor em todos os sentidos deve ser meta consciente em nosso dia a dia. Deve ser nossa disposição a cada decisão tomada, a cada palavra dita. Afinal, ser um ser humano responsável não significa apenas pagar as contas em dia, não. Muitos daqueles que as pagam o fazem com o dinheiro roubado da educação e da saúde de um povo que todo dia sofre baixas resultantes da precariedade de suas vidas...
Trabalhar na construção de um mundo melhor para nossos filhos é, sem dúvida, olharmos dentro de nosso coração e sabermos que podemos nos orgulhar daquilo que estamos deixando de exemplo para eles.
Trabalhar na construção de um mundo melhor é sabermos que dormiríamos completamente tranquilos se tivéssemos a certeza de que em nossa direção só seriam emanadas ações tais e quais às que, por nossa vez, cuidadosamente direcionamos ao mundo.