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segunda-feira, 22 de junho de 2009

MARGARIDA

Foi nesse domingo que caiu a ficha sobre a morte de Margarida.
Olhava aquela natureza generosa à orla da praia quando me dei conta de que ela, que amava caminhar no calçadão, já não podia desfrutar de tal alegria.
Conheci Margarida quando uma amiga ma apresentou, em busca que estava ela de alguém que fizesse uma primeira revisão do livro do filho querido, prestes a retornar da viagem de estudos à Rússia, na época da Perestròika.
A admiração veio fácil: boa mãe, boa esposa, preocupada com as causas sociais, adepta da vida saudável, e, acima de tudo, uma pessoa bem humorada, apaixonada pela vida, pelas pessoas de modo geral. Sempre pronta a uma atenção, a uma delicadeza.
Não aparentava a idade que tinha. Mesmo quando o marido adoeceu e precisou se desdobrar em cuidados, manteve a aparência jovem e bem tratada. Manteve a tranqüilidade de espírito daqueles que sabem que o que realmente importa se esconde por trás dos eventos cotidianos da existência humana.
Víamo-nos sempre, pelas ruas do bairro, envolvidas, cada uma, com seus afazeres, mas não deixávamos de trocar notícias. E ela parecia invariável e sinceramente torcer para que tudo desse certo caso lhe falasse de algum projeto em andamento, da mesma forma que vibrava se lhe acenava com alguma espécie de vitória.
Um dia, encontrei Margarida abatida, com um lenço na cabeça a esconder a perda óbvia dos cabelos: estava doente.
Confesso que, para mim, foi um choque percebê-la, como qualquer um de nós, vulnerável... Falou-me um pouco sobre como descobrira a existência do tumor já em estado adiantado... E, embora nada nela indicasse qualquer tipo de abatimento moral ou revolta, senti-me na obrigação de lhe dar meu apoio; de lhe confirmar minha amizade, e a convidei para um café, na semana seguinte, em sua padaria preferida.
Nesse dia, enquanto comíamos e ela apreciava o sabor do chá com o cuidado daqueles que têm tempo de se despedir de cada pequena coisa, eu lhe dei de presente o livro “O Poder do Silêncio”, do Eckhart Tolle, acreditando que naquelas páginas ela poderia encontrar consolo para o que quer que fosse que ainda estivesse por enfrentar.
Mas Margarida não precisava de qualquer consolo, creiam. Foi ela que, a cada vez que nos encontramos, sempre pelas esquinas, nos meses que se seguiram, continuou a me dar belíssimas lições de vida e de humanidade.
Imaginem que, em algumas das vezes em que a encontrei depois daquele lanche, ela simplesmente evitou o meu abraço, explicando que vinha de uma das aplicações do tratamento ao qual se submetia, e que a radioatividade concentrada em seu corpo poderia me fazer mal... E isso me impressionava! Nunca vira outra pessoa em suas condições tão preocupada em preservar... o outro...
Mas Margarida talvez intuísse que seria justamente no outro, nos outros, que ela residiria para sempre... E foi assim que admirei ainda mais intensamente a bela natureza que me cercava naquela linda manhã de domingo - meio outono, meio inverno -, e, em “silêncio”, celebrei, no presente que se eterniza quando nele nos colocamos, a eternidade de Margarida.