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quarta-feira, 3 de junho de 2009

Balada de Narayama - para quem viu

Quem tem avós velhinhos e já descobriu o quanto se pode aprender com eles certamente se choca com “Balada de Narayama”, filme sobre os costumes, no século XIX, em um pequeno vilarejo japonês.
O filme nos conta como os anciãos, ao atingirem os 70 anos, eram condenados, ali, a morrer, de frio e fome, no alto de uma montanha coberta de neve. Diante da miséria circundante, poupavam, para os mais jovens da família, os alimentos que já não estariam em condições de ajudar a produzir.
Quando vemos a digna senhora, completamente convencida da importância de tal tradição e preocupada com o sustento dos netos, exigir esse tratamento do filho hesitante... E somos levados a comparar seu comportamento quase heróico ao de outro velho que, ao resistir a seu destino, acaba sendo jogado despenhadeiro abaixo por filho bastante decidido... Acabamos, sem dúvida, por admirar seu desapego à vida terrena e sua evidente consciência de que o que importa é dar continuidade à família, entregando-se “à vontade de Deus”...
No entanto, conhecemos histórias sobre o quanto muitas das culturas antigas valorizavam o velho e toda a sabedoria adquirida por ele ao longo dos anos. Dentre nossos índios, por exemplo, os pajés - e seus cabelos brancos – sempre foram os cidadãos mais respeitados nas tribos. Na Índia, conforme vemos na novela das 9, os mais jovens seguem o antigo hábito de cumprimentar tocando os pés dos mais idosos, como demonstração do respeito por todo o já longo caminho por eles percorrido literal e metaforicamente. E, principalmente, se tivemos a grande oportunidade de conviver com nossos avós, sabemos “de carteirinha” o quanto podemos aprender com eles. E acabamos por nos perguntar que fim teria levado o povo da região assolada pelo costume retratado no filme, uma vez que, abrindo mão de viver, geração após geração de velhinhos estariam apenas garantindo a continuidade de seus gens em indivíduos cada vez menos perpassados pela suprema sabedoria advinda da observação de... um velhinho.
Sem falar nas óbvias lições de humildade proporcionadas pelo simples mirar a decadência física à qual os corpos melhor cuidados dentre nós estão fadados, além da constatação de que - mais dia, menos dia - todos nós, inclusive os mais orgulhosos, precisaremos da boa vontade de alguém, dentre parentes e profissionais, são muitas as coisas que podemos aprender com aqueles que à nossa frente caminham.
Querem ver algo que aprendi com a minha avó depois de seus 88 anos? ( E posso dizer que aprendi a mesma lição com uma tia-avó muito querida que, infelizmente, já se foi. ) Aprendi que, para viver intensamente, não precisamos ser o tempo todo protagonistas de cenas especiais. O prazer advindo da poltrona do espectador das mais variadas histórias que se desenrolam no seio de uma família - e por que não, para nós, nesse exato momento, da história da humanidade como um todo? - pode ser, segundo pude ver refletido no brilho dos olhos de minha avó, imensurável.
Talvez seja esse mesmo prazer de espectador ( da saga humana? ) que, bem usufruído, prenda à vida alguns portadores de graves deficiências e aqueles miseráveis sem nenhuma condição ou esperança de protagonizar tantas situações por eles observadas através da televisão, ou de seu cantinho da calçada...
Da mesma forma que assistimos a filmes e novelas; lemos livros e ouvimos histórias, sequiosos por conhecer o desenrolar de cada enredo... Da mesma maneira que gostamos de rever um filme na companhia de quem ainda não o vira, observando a sua reação – espectadores de espectadores... Do mesmo jeito que gostamos de rever, à noite, em “flash back”, todas as cenas em que atuamos durante o dia – espectadores de nós mesmos... Assim, minha avó, depois de, pouco a pouco, abandonar suas atividades, passou a valorizar, mais e mais, cada lance da vida de seus filhos, netos, bisnetos... Quem vai fazer uma prova importante? Quem vai entrar num avião? Quem passou num concurso? Quem está de namorado novo? Quem está doente, precisando de cuidados? Quem está sofrendo, precisando de orações? Quem está feliz, para darmos vivas?
E minha avó, de sua cadeira de balanço, ao telefone, ou com a ajuda de suas muitas visitas, até há bem pouco tempo, vinha costurando as muitas histórias que acompanhava e com as quais, como ouvinte atenta e plena de empatia, vibrava, sofria, vivia, sonhava, torcia, era feliz e tornava todos nós felizes apenas por sabermos que estava lá, torcendo por nós, esperando por notícias, por cada capítulo de sua novela viva, que, durante estes últimos anos, talvez venha protagonizando como nossa professora ( seria o caso de todos os "espectadores"? ), enquanto acreditávamos - nós e ela - que estava sendo uma “mera”espectadora.
( Vide "A menopausa e minha avó", para notícias mais atuais sobre sua história )