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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

"Grandes esperanças"

Volta e meia constato o quanto Cora Rónai é capaz de dizer o que pensa em poucas linhas... Nem sempre alcanço o mesmo resultado: o texto que escrevi sobre o filme “Tropa de Elite 2”, por exemplo, provavelmente por sua extensão, acabou se revelando um amontoado de opiniões ( ainda que minhas ), oferecendo talvez ao leitor menos clareza sobre o que penso a respeito dos temas ali tratados do que eu poderia desejar. Tanto assim que resolvi retirar o texto do blog ( é o que faço sempre que fico em dúvida quanto à clareza e/ou utilidade de algum texto ) e pensar na possibilidade de dividi-lo em três ou quatro menores.

Bem, em sua crônica de hoje, no jornal “O Globo”, intitulada “Grandes esperanças”, Cora nos fala de seus sentimentos diante da constatação da existência de dois grupos humanos em nossa sociedade... Segundo compreendi: aquele dos que tiveram amor e melhores oportunidades de Educação, e o constituído pelos que, privados de toda chance de valorização e aperfeiçoamento humanos, correm o risco de acreditar encontrar, em uma organização criminosa ou através dela, a "visibilidade" perdida ( de que fala o sociólogo Luiz Eduardo Soares ).

No entanto, sobre o crescimento da criminalidade, a jornalista afirma:

“Não acredito que a ‘culpa é da sociedade’. A sociedade trabalha como um camelo e paga cada vez mais impostos, exatamente para que os gerentes que elege para cuidar do coletivo possam construir e manter escolas e hospitais, organizar e vigiar a polícia, prestar atenção à urbanização e assim por diante. A culpa tem nome, endereço e CPF: todo governante, todo político que desviou dinheiro, que fez acordo com o crime, que preferiu as pompas do poder ao trabalho que foi contratado para fazer.”

Mas será que a culpa – ou ausência dela – da sociedade como um todo diante das desgraças que nos assolam pode ser medida levando-se em conta apenas o que ela paga em forma de impostos? Não seria a reverência prestada por cada vez um maior número de seus membros diante de riquezas, poderes e sucessos e futilidades, em detrimento dos melhores valores humanos, a fôrma dentro da qual crescem muitas crianças? Não são, muitas vezes, as crianças que vêem o pai - ou alguém admirado -pisar, em nome de algum tipo de lucro, o amigo, o sócio, o vizinho ou o empregado que um dia virão a assumir postos na Polícia, ou serão eleitas para os nossos Legislativo e Executivo ( afinal, qual a profissão mais escolhida pelos ditos "pitboys"? )?

O simples fato de uma pessoa sensível e humana, como a jornalista em questão parece ser, colocar como prova de estarmos, enquanto sociedade, quites com todos os que nos rodeiam apenas porque pagamos em dia nossos impostos, parece demonstrar como nossos valores foram invertidos.
Desde quando, pais que cercam seus filhos de todo o conforto e lhes dão as costas podem dizer que cumpriram sua missão? Pois sabemos que educamos muito mais com nosso testemunho de vida do que com ensinamentos formais pagos em altas mensalidades... Como podem pais entregues a qualquer tipo de vício, por exemplo, alertarem seus filhos sobre o perigo das drogas?

E não estamos justamente a dizer que a única chance de vermos revertida a barbárie que nos ameaça é a Educação? Em casa. Nas escolas. No seio da sociedade. Afinal, mais do que impostos, precisamos oferecer valores humanos aos jovens e crianças que nos cercam. Até para que qualquer dinheiro de qualquer imposto encontre, um dia, profissionais respeitáveis - bem criados e educados pelo exemplo dos que os cercam - que saibam/queiram lhe dar, única e exclusivamente, a direção correta.

A verdade é que, se tantos se curvam diante do dinheiro e do poder – e o desejo de ter criaturas curvadas diante de si, no mundo capitalista de hoje, parece se haver confundido com o humano desejo de ser amado -, dinheiro e poder serão o que tantos outros buscarão ter. Infelizmente, muitos sem qualquer preocupação com o caminho a ser percorrido: criminosos, para estes, sempre serão os outros.

Assim é que acabo depositando “grandes esperanças” na possibilidade de conscientização ( passando pelo autoconhecimento ) não das massas mas de nossas classes médias que, atordoadas pelas alegrias que imaginam pulular no andar de cima, não medem esforços para lograr a simpatia ou ao menos um banquinho para sentar-se ao lado de um ou outro membro de nossas elites. Muitas vezes servindo a interesses nada admiráveis e constituindo-se massa de manobra indispensável para a manutenção do status quo e de toda injustiça que isso possa representar.

O motivo da necessidade de tal conscientização? Ora, valores - aquilo por que uma pessoa vive, morre e algumas vezes até mata - são, via de regra, reproduzidos em cascata, de cima para baixo ( da mesma forma que bolsas Louis Vuitton são copiadas e vendidas nas esquinas ). E as classes médias conscientes poderiam não só evitar o próprio deslumbramento com o andar de cima, como, ao dar rumo mais humano a seus objetivos, certamente haveriam de refleti-los no andar de baixo. ( Leia aqui "Capitalismo: uma história de amor", julho/2010; "Respeitabilidade e Autoengano", abril/2010; "O Menino do Pijama Listrado", julho/2009 )

Enfim, o que tentei dizer, em minha análise do filme “Tropa de Elite 2”, resumo aqui: não há como querermos mudar a realidade a nossa volta e acabar com a bandidagem que nos ameaça por todos os lados apenas apontando o dedo para uma ou outra de nossas instituições putrefatas ( embora, obviamente, esperemos punição igual para cada criminoso, seja qual for sua classe social ), se elas foram apodrecidas pela presença daqueles que aprenderam a valorizar e a querer acima de tudo dinheiro e poder enquanto eram alimentados no seio de algumas parcelas nada admiráveis de nossas classes privilegiadas; ou em torno delas, a observá-las... Tomando como exemplo seus valores, suas escolhas e suas atitudes... Desejando - em completa alienação -, mais do que a própria vida, TER/ser como elas.