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domingo, 7 de novembro de 2010

"A suprema felicidade"

Sinceramente, não sei se gostei de não gostar do filme de Arnaldo Jabor, fortalecendo minha ultimamente normal tendência a não gostar daquilo que faça o jornalista/cineasta... Ou se, no fundo, esperava encontrar, em “A suprema felicidade”, motivos para esquecer os textos intragáveis que ele tem escrito.

Mas o fato é que não gostei.

O filme – que tomarei como autobiográfico, pelo menos em algum sentido -, apesar dos ótimos atores, é chato ( as piadas são infames ), cansativo, “histérico”, como a maioria dos textos que tenho suportado ler de seu autor... A conclusão parece ser que o título é um deboche, e que Jabor acredita que a felicidade, em sua fugacidade, simplesmente não existe...

Na minha opinião, a película, de muito mau gosto, ao contrário do que tenho ouvido dizer alguns, nem por um momento poderia ser compreendida como algum tipo de louvor ao Rio de Janeiro, ou a uma época... Acredito que todos que, como eu, não tenham qualquer lembrança dos anos 40/50, ou aqueles que os guardem vivos na memória sequer por um segundo sentiram-se nostálgicos...

Nunca vi alguém, por exemplo, conseguir mostrar tanto desprezo pelas prostitutas, sem dizer que esse seria seu propósito, como Jabor, em “A suprema felicidade”... Aliás, o sexo, no filme, parece sempre colocado de modo perverso... Os sons vindos do quarto dos pais do menino Paulo - eles não tomavam qualquer tipo de cuidado? - incomodavam-no muito... Suas fantasias, associadas aos disparates ouvidos dos grotescos padres do colégio, poderiam mesmo favorecer a construção de uma sexualidade atormentada... E não é que, ao chegar à juventude, todas as mulheres que o atraem, além de parecidas fisicamente com sua mãe, parecem também, como ela, bastante místicas, além de gostarem de dançar e/ou cantar?

A cena da mãe, buscando a “vidente”, cuja família era constituída por cegos, parece ser outro deboche... Jabor sempre fez questão de dizer, em seus artigos, de seu ceticismo... E parece haver acabado, ironia!, tão assombrado por seu passado, por sua visão pessimista da vida e da morte, quanto cada uma das personagens femininas - que acaba por delinear - a se dizerem em contato com o sobrenatural...

Uma forte impressão que nos fica, ao sair do cinema, é a de que, apesar de tudo – e talvez como qualquer um -, Jabor tenha uma visão bastante benevolente de si mesmo... O menino da história, em cada uma de suas fases, é sempre o “mocinho”. Ainda quando, na juventude, acaba por "vingar-se” do pai, que trai a mãe ( a fixação do menino por ela - antes de traí-la, o militar sufoca sua ânsia pela vida - é evidente )... Paulo apaixona-se e conquista - incestuosamente? - a moça pela qual o progenitor estava fascinado...

Fico me perguntando se a raiva que Jabor tem demonstrado nutrir por Lula e pelo PT, fazendo a corte a ideias incompreensíveis, não seria fruto do sentimento ali surgido... Será que o cineasta/jornalista, em algum momento, sentiu como se a esquerda o houvesse traído, ao “deixar-se" ( e a sua pátria - mãe - amada ) sufocar pela ditadura militar?

Talvez, no fundo, de certa forma, Paulo culpasse sua mãe ( o que é, afinal, aquele teatrinho de terror "apresentado" ao menino de 8 anos e a seus coleguinhas? )...

Enfim, se, depois de tantos anos longe dos roteiros, Jabor resolveu escrever “A suprema felicidade” à guisa de exorcismo, fico satisfeita... Pois tenho uma vaga lembrança de uma fase sua na qual produzia textos apaixonados pela possibilidade de um mundo melhor... Quem sabe possa retomá-los agora, reorganizados seus arquivos internos? Deixando desmancharem-se suas mágoas, seu nojo(?), seu desprezo(?) pelo ser humano, pela vida que o tornou impotente(diante da ditadura?)... Por outro lado, permitindo crescer, em seu coração, a certeza de que a felicidade fugaz de que lhe falava o avô – que a experimentara por “10 minutos” - talvez seja o máximo, a suprema felicidade a ser almejada por todos os homens...

Obs. 1) A verdade é que, se essa felicidade for fruto da percepção da unidade, da consciência de sermos um com toda a humanidade – com DEUS -, ainda que a experimentemos uma única vez, sua lembrança há de encorajar-nos, iluminando o resto de nossas vidas.

2) A cena em que o avô mostra a Paulo o homem morto pode ser compreendida como um aceno ao menino para a necessidade de se aproveitar a vida, os prazeres carnais, enquanto isso for possível, uma vez que o fim pode nos surpreender ( infelizmente, talvez seja essa a mensagem do filme )... Mas, por outro lado, poderia ser simplesmente um pedido de sua atenção para aquilo que, acima de tudo, une cada um de nós a cada outro ser humano: sim, somos mortais. Motivo mais do que suficiente para sermos - uns com os outros - infinitamente solidários.