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quinta-feira, 4 de março de 2010

Adam Smith e Lula

Segundo o economista Rodrigo Constantino, em artigo publicado pelo Globo -16 de fevereiro último:

“Desde 1776, com Adam Smith, sabemos que as grandes vantagens do “laissez-faire” ocorrem quando cada indivíduo foca nos seus próprios interesses e investe em suas habilidades específicas. Eles são guiados por uma “mão invisível” que promove um resultado favorável a todos, independentemente de intenções iniciais.”

E ele cita o próprio Adam Smith: “Não é da benevolência do açougueiro que esperamos nosso jantar, mas de sua preocupação com seu próprio interesse.”

Constantino parece preocupado com o presidente Lula, que, no Fórum Econômico Mundial, teria afirmado: “é hora de reinventar o mundo e suas instituições”.

E eu, que não sou economista, espero que o respeitado Adam Smith estivesse falando de que quando fazemos o melhor possível nosso trabalho; ou melhor, quando fazemos o melhor possível aquilo para o qual fomos especialmente talhados, naturalmente, os benefícios, os frutos de nossa atividade são distribuídos por toda a sociedade.
Pois imagino que o ilustre pensador não estivesse se referindo a interesses próprios e escusos, mas àqueles interesses genuínos a perpassarem cada ação associada ao nosso impulso, ao nosso desejo, à nossa capacidade, à nossa necessidade de produzir.

No entanto, do jeito que fala Constantino, corremos o risco de acreditar que qualquer ganancioso, mau caráter, interessado apenas em lucrar – e como eles parecem multiplicar-se em um sistema capitalista selvagem! - esteja protegido pela declaração de Smith, e que magicamente todo o egoísmo de tal criatura possa metamorfosear-se em benesses sociais...

Na verdade, o ideal seria que um profissional da construção civil, por exemplo, escolhesse se dedicar unicamente ao seu propósito de construir prédios de qualidade. Isso redundando automaticamente em empregos razoavelmente bem remunerados e em moradias de excelente qualidade para muitas pessoas felizes. E ele lucraria... E muitas pessoas lucrariam... E tudo estaria de acordo com o que idealizamos da previsão smithiana...

No entanto, sabemos haver dentre mil tipos de sofisticados ladrões (“Levar vantagem em tudo” tornou-se um dos símbolos da masculinidade bem-sucedida no país. E “fazer dinheiro fácil”, a marca registrada do capitalismo brasileiro, em que as atividades produtivas cederam lugar à especulação e golpes financeiros” – Alba Zaluar ), aqueles construtores que, além de explorarem o trabalho humano, utilizam material de péssima qualidade em suas construções, objetivando nada mais, nada menos do que seu próprio interesse. Só que não um interesse associado a sua capacidade produtiva, mas um interesse associado a sua ambição e/ou a sua patologia.
Resultado: trabalhadores desgastados, e pessoas lesadas em seu patrimônio quando não mortas embaixo de escombros.

Sinceramente, o economista Rodrigo Constantino não deve ter assistido ao documentário “The Corporation”, ou saberia aonde de fato chega uma sociedade na qual empreende-se apenas em favor de interesses individuais.
E para ficarmos com o exemplo do próprio Adam Smith, é bom lembrarmos que nosso jantar certamente depende do interesse do açougueiro na própria sobrevivência. Mas precisamos rezar para que esse interesse não seja um interesse perverso, que não se importe, por exemplo, de nos vender carnes contaminadas, como aconteceu, segundo informações divulgadas pelo citado documentário, há alguns anos, com o leite comercializado por determinada corporação.

Portanto, palmas à afirmação do presidente Lula: precisamos, sim, reinventar nossas instituições e o mundo. E mais: precisamos rever nossos pensadores. Precisamos recuperar nossos melhores valores. Precisamos ter coragem de admitir que o “nosso melhor” capaz de transformar-se em bem comum não passa apenas pelo melhor que possamos ser em nossas profissões ou contas bancárias, mas inclui necessariamente aquilo que sejamos como seres humanos. O que implica, acima de tudo, na preocupação com a chamada Justiça Social.