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segunda-feira, 18 de março de 2013

Lincoln

Saímos do cinema, após assistir a “Lincoln”, com uma pergunta fixa:

 
Então, os fins justificam os meios?

 
Segundo um amigo, cada caso é um caso e deve ser estudado cuidadosamente...

 
Então, por que sempre queremos generalizar, protegendo-nos com regras absolutas?

 
Depois de muito refletir, cheguei a uma conclusão bastante simples.

 
A verdade é que, de certa forma, o fim sempre justificou os meios, desde que esse fim fosse realmente relevante.

 
Determinar o realmente relevante – em situações que não contem com a ajuda de qualquer descrição legal - é que talvez seja a grande e perigosa questão...

 
No caso de "Lincoln", acabar com a escravidão talvez possa ser encarado como legítima defesa, uma vez que os negros eram cotidianamente vítimas de crimes bárbaros. E, em legítima defesa de si mesmo ou de outrem, como sabemos, todas as leis se relativizam, desde que não haja vítimas inocentes.

 

Obs. Em “Django livre”...:

 
1) Django deixa um escravo inocente ser devorado vivo por cães raivosos, notadamente com o objetivo de convencer o dono da fazenda das alegadas motivações de sua ida até ali, o que poderia lhe abrir caminho na busca de sua esposa... Sendo que o escravo era totalmente inocente em relação ao sofrimento da escrava em questão; não sendo sequer possível associar, com segurança, a libertação da mulher ao chocante episódio, não pode haver justificativa ou atenuantes para tal barbaridade.

 
2) O ex-escravo Django se dispõe a participar do crime institucionalizado, ao se associar ao “carismático” matador alemão que lhe surge pela frente.

Como um tipo de crime institucionalizado pode ser melhor do que outro? Quem garante que toda a lorota que o alemão contava sobre cada uma de suas vítimas fosse sempre a pura verdade?

Novamente, nada de meios justificados.

 

O SOM AO REDOR

Esse filme me lembrou da impressão muitas vezes tida diante de obras russas... Aquela coisa do “durante” um pouco cansativo, monótono, confuso mesmo; seguido de um final forte, capaz de juntar todas as peças, dando sentido impactante à trama.

 
“O som ao redor” trata da herança de sangue, ou melhor, da herança sanguinolenta transmitida pelo “senhor de engenho” ao neto preferido, metaforizada no banho de cachoeira cujas águas de repente parecem se tornar rubras sobre a cabeça do rapaz...

 
Participando diretamente dos negócios “lavados” do avô, o rapaz é figura interessante...

 
Briga com o primo, dito ovelha negra da família, que, assaltante" barato", teria roubado o cd-player do carro de sua namorada...

 
No entanto, após constatar que o som recuperado não era o da moça, não coloca qualquer objeção quando ela, afirmando ser aquele aparelho melhor do que o seu, resolve dele se apoderar...

 
“O som ao redor” trata, em resumo, dos sons cotidianos a abafarem toda a injustiça que, através do tempo, geração após geração, perpetua o poder nas mãos dos mesmos.

 
Enfim, compreendemos que, de um e outro lado, de uma ou de outra maneira, a revolta se materializa...

 
O neto "vergonha da família", por exemplo, parece, em suas incompreensíveis incursões pelo crime, querer gritar:

 
“Ei, olhem para mim! Vejam o que é, na verdade, toda a minha família!

sexta-feira, 15 de março de 2013

AMOR

Por que entendemos como amor o gesto do velho que mata a companheira debilitada e a caminho do desenlace natural, entregando-se depois à própria míngua?

 
Provavelmente porque tudo o que vemos interpretamos com olhos neoliberais viciados pela propaganda da beleza, da juventude eterna, da produtividade capitalista, da ilusão da vitória sobre a morte... E, dessa perspectiva, pode parecer heróico abreviar-se o período em que a consciência da morte se agudiza. Porque, por incrível que possa parecer, a morte, magicamente, livra a todos da própria morte.

 
Exatamente como ficamos sabendo ao ler “A morte de Ivan Ilitch”, de Tolstói. Ao fim de sua longa agonia, Ilitch diz para si mesmo:

 
“A morte está acabada. Não existe mais”

 
De qualquer forma, “Amor” é um filme bonito.

 
Importante testemunhar a realidade daquilo que somos: simples pontes para os que vêm depois: os descendentes...; os alunos, que todos temos, sejamos professores, ou não... A melhor lição dada, pelo casal de músicos, ao jovem ex-aluno, com certeza foi deixá-lo entrar em sua casa, e testemunhar de perto o quanto iam ali, pouco a pouco, se confundindo com o livro na prateleira, o piano mudo, o quadro empoeirado...

 
A verdade é que somos mesmo como as formiguinhas que, afogadas em uma poça d’agua, acabam por servir de caminho mais seguro para as que vêm atrás...

 
Pontes.

 
Como dizia Teilhard de Chardin, a humanidade nada mais é do que uma imensa “esteira de existências esmagadas”...

 
E “Amor” nos leva a pensar...

 
Por que fazemos tanta questão de fugir da verdade?

 
Por que confundimos com perda de dignidade a velhice e o próprio sofrimento das doenças limitantes que a acompanham?

 
Será por conta desta mesma confusão que nossa sociedade ainda exclui todos os portadores de qualquer tipo de deficiência?

 
Não parece ser outra a confusão que, no filme em tela, logo se lança sobre o espectador... Afinal, o título “Amor” nos induz a compreender como romântico o gesto do marido que, não sendo capaz de aceitar seus próprios limites(o pedido de socorro lhe vem inclusive em forma de pesadelo), e não admitindo que a esposa (Anne) fosse cuidada por profissionais, da maneira adequada, acaba por antecipar o fim de sua história.

 
Infelizmente, não são poucos (vide a filha de Anne e uma das enfermeiras a princípio contratadas pelo velho) os incapazes de “cuidar” nessa nossa sociedade “big brother” que vive do individualismo, da exclusão, do lucro, da ambição, da competição, do descarte, da ilusão; e na qual cada um parece viver no incrível autoengano de que seu dia D possa ser infinitamente adiado...

 
Dessa forma, não é difícil compreender que o medo de vir a não dar conta dos cuidados com a companheira, e, depois, de vir a cair na mesma situação de dependência "assustadora" em que a mulher mergulhara possa haver movido o músico em suas últimas decisões. Quem sabe se refletisse um pouco mais, ou se estivesse mais descansado, as coisas se encaminhassem de outra maneira...

 
Pois a verdade é que morreremos todos.

 
A verdade é que o avançar do tempo sempre nos premiará com algum tipo de deficiência, de limitação.

 
E nossa decadência deve servir, sim (e esse serviço prestado por cada velho decrépito não tem salário que pague, além de, ao contrário do que propagandeiam, dignificar o fim de qualquer história), enquanto dure, para que nossos próximos – filhos, netos, amigos, cônjuges, vizinhos, cuidadores - possam mirar seu próprio fim. Boa oportunidade para amadurecerem e se tornarem criaturas mais humildes e humanas; mais capazes de se identificarem com cada próximo; oferecendo, enfim, seu melhor à Vida que transcende a sua própria vida.

 

Marcante, no filme:

 
Perto da morte, o velho abraça, dentro de uma colcha, a pulsante vida do pombo capturado em sua visita ao apartamento...

 
A morte do velho nos é revelada em espécie de sonho/delírio seu; quando ele pega o casaco e sai de casa, atrás da mulher ( já morta então)...

 
“Livre” da morte, a filha de Anne chega sozinha ao apartamento vazio. Sentada na cadeira de seus pais, ela olha em volta, e talvez intua que a “fila andou”. A próxima a murchar ali deverá ser ela.

 

sábado, 9 de março de 2013

O Mininstro Joaquim Barbosa e a imprensa (de novo)

A pergunta é a seguinte:

Será que, se fosse na época do "mensalão", a imprensa de direita colocaria, como tem feito, "sob holofotes" o por ela relatado e enfatizado episódio da "irritação" do Ministro Joaquim Barbosa com jornalista de determinado jornal paulista?

Ou passaria rapidamente por cima do assunto, certa de que, naquele momento, não seria de seu interesse qualquer mácula na imagem daquele cujo desempenho durante todo o estrondoso julgamento acabara por ir ao encontro daquilo que tinham por ideal em relação ao delicado assunto?

Já disse nesse blog e volto a repetir que liberdade de imprensa nada tem a ver com "liberdade" para escolher o que dizer - e como dizê-lo e redizê-lo, não dizendo outras tantas coisas, de acordo com os interesses do momento... Isso seria puro casuísmo.

É, senhor Ministro, o senhor não disse nada e parece que já estão por aí com medo de que uma figura forte e humana como a sua - ou como a da Ministra Eliana Calmon - resolva se candidatar à Presidência da República... Talvez seja porque a direita sabe que o senhor se deixa guiar por convicções amadurecidas também no coração. O que, via de regra, não interessa à manutenção do status quo.