E uma coisa é uma obra ter personagens racistas, que defendam teses racistas; outra, é ser ela mesma, em essência, racista, ou... quase racista.
domingo, 10 de fevereiro de 2013
DJANGO LIVRE
Abominei a bárbara violência no
filme “Bastardos Inglórios”(vide texto no blog). Escrevi, na ocasião, tudo o que
transbordou de minha alma, mas, ainda assim, fiquei com a impressão de não
haver dado conta do recado de Tarantino aos espectadores.
O fato é que “Django Livre”, produzido a partir da
mesmíssima receita, ao me inspirar emoções semelhantes às experimentadas diante
do filme anterior, acabou talvez por me levar a compreender melhor as duas
produções.
Ao assistir a um filme, costumo, naturalmente, me interessar
pelo “inconsciente da obra” – expressão ótima, com a qual me familiarizei anos
atrás lendo “Os Limites da Interpretação”, de Umberto Eco -, permitindo que o
texto penetre nas profundezas do meu próprio inconsciente; detendo-me também nas
aparentemente conscientes intenções do diretor, e em sua possível influência no
inconsciente dos espectadores... E as minhas impressões vão brotando dentro do
peito... Primeiro, apenas emoção, sentimentos, que, aos poucos, vão se
metamorfoseando em palavras...
Mas foi como um tapa na cara que percebi que “Django Livre” não
era mera expressão caricata da catarse ansiada por tantos oprimidos, subjugados
História afora; extrapolando qualquer coisa parecida com aquilo que alguém
possa chamar de justa vingança.
A lógica ali - assustei-me - era bem outra...
Longe de ser uma crítica ao racismo, “Django...” me pareceu,
de supetão, quase racista.
E não por causa de cenas como aquela
em que o personagem de Leonardo Dicaprio apresenta o crânio de um escravo
morto, explicando espécie de determinismo biológico da para ele indiscutível inferioridade
da raça negra, que passaria por uma natural tendência à submissão.
Não, não é essa a passagem mais
perigosa do filme, uma vez que, de modo geral, os espectadores estão, de alguma
forma, preparados para se depararem com qualquer tipo de personagem...
E uma coisa é uma obra ter personagens racistas, que defendam teses racistas; outra, é ser ela mesma, em essência, racista, ou... quase racista.
A verdade terrível é que o filme de Tarantino é quase
racista no sentido em que pode diminuir a capacidade de empatia de cada
espectador – branco ou negro – com o histórico sofrimento da raça negra.
Simplesmente porque “Django..”, em cada uma de suas cenas, é claro testemunho do
desprezo pela humanidade como um todo, que nos surge como conjunto de seres –
todos eles - abjetos, capazes de qualquer coisa em nome de seu interesse do
momento.
Dessa forma, é de maneira sutil que, dentro do espectador
menos atento, pode crescer a perigosa sensação/ideia de que os negros viveram
uma mera fatalidade, ou algo assim, sufocando, no imaginário social,
automaticamente, a ideia – à qual tantos já resistem - da existência dos
históricos culpados da escravidão. É de maneira sutil e perigosa que os espectadores
mais ingênuos podem ser tomados pela certeza de que, se os negros tivessem tido
alguma chance, seriam tão perversos e frios quanto quaisquer sanguinários
capatazes ou senhores de escravos...
Afinal, essa é a mensagem que nos chega todas as vezes em
que, em “Django Livre”, a palavra final fica a cargo dos personagens negros...
Pois não foi ao próprio Django que coube a decisão de deixar ser comido por cães
raivosos o escravo fugitivo? Como ele aprendeu rápido a passar por cima de
quaisquer de seus escrúpulos!, parecendo haver nascido para banhar-se em poças
de sangue... E não nos esqueçamos da Hilde tapando divertidamente(?) os ouvidos
enquanto assistia à explosão da “casa grande”, ou do velho escravo a entregar
seus irmãos ao patrão...
Enfim, a verdade talvez seja que “Django...” só não pode ser acusado
de completamente racista, porque sua lógica maior parece ser, ironicamente, a
da igualdade... A da certeza, inclusive, de que, sentados diante da tela,
sedentos de sangue, e/ou sequiosos de se libertarem de sua dívida histórica,
estão muitos exemplares da raça que Tarantino parece realmente desprezar: a
raça humana.
E uma coisa é uma obra ter personagens racistas, que defendam teses racistas; outra, é ser ela mesma, em essência, racista, ou... quase racista.
segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013
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